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    Ciência e Cultura

    versão impressa ISSN 0009-6725

    Cienc. Cult. vol.64 no.2 São Paulo abr./jun. 2012

    http://dx.doi.org/10.21800/S0009-67252012000200006 

     

    ENTREVISTA

    Pesquisador colombiano defende ciência mais criativa e conectada à população

    No começo de março aconteceu a etapa do Rio de Janeiro do circuito Arte.mov, evento que se define como um "espaço para a produção e reflexão crítica em torno da chamada 'cultura da mobilidade'". A programação contou com debates e apresentações no Parque das Ruínas, além de uma oficina de cartografia experimental com o artista e pesquisador colombiano Andres Burbano. No dia seguinte, o mesmo trabalho foi feito na Nuvem, hacklab rural em Visconde de Mauá – na região serrana da Mantiqueira. Burbano desenvolve atualmente, na Universidade da Califórnia, em Santa Bárbara, EUA, sua pesquisa de doutorado sobre a história das tecnologias de comunicação na América Latina. Sua apresentação em março tratou de mapeamento aéreo a partir de câmeras digitais presas a balões feitos à mão. Cada balão flutuava por alguns minutos, fazendo fotos que depois seriam utilizadas para gerar cartografias colaborativas da região.

    CIÊNCIA E CULTURA: Como essa oficina de balões se relaciona ao debate sobre ciência?

    ANDRES BURBANO: A ideia da oficina com os balões é explorar a ciência cidadã. Como o cidadão comum – você, eu, o professor ali – pode projetar de forma barata experimentos que ajudem a tomar decisões, pressionar o governo, entender onde estamos.

    Poderia falar mais sobre a inflexão da ideia de ciência com o cidadão, a chamada ciência hacker, ou ciência livre?

    Um dos problemas que a ciência tem como instituição (e é um problema da ciência na Europa, EUA e Japão, não só na América Latina) é que ela perdeu o contato com as pessoas, com o cidadão comum, com o cotidiano. Tem um discurso muito elevado que não se conecta ao cidadão. E o cientista diz "as pessoas não estão interessadas no meu trabalho. Como é possível?". Mas ele mesmo não faz um esforço para se conectar a elas. Esse gap não é só do cientista. É nosso também. Pense na ferramenta que estamos usando agora, a fotografia digital. Há 10, 20 anos era inacessível, mas já estava lá. Agora temos uma câmera de 60 dólares, potencialmente mais barata, modificada com software livre, para usar como quisermos.

    O senhor pesquisa a história da ciência na América Latina, mas, ao mesmo tempo, colabora com coisas que estão além da ciência. Por exemplo, essa experimentação com balões poderia ser feita totalmente dentro da universidade. O que o motiva a buscar colaborações fora dela também?

    Sou uma pessoa de interface. Trabalho na interface entre ciência e arte, entre universidade e comunidade. Comecei a compreender isso quando estávamos trabalhando no projeto Bogotá Wifi, modificando antenas de TV para fazer público. Outros grupos similares estavam seguindo o modelo hacker: faça você mesmo, em rede. Mas parei um momento e falei: "fizemos tudo que está no website, mas como vamos testar se a antena está realmente funcionando?" Então convenci alguns cientistas, com os laboratórios apropriados para testar antenas, para que nos ajudassem a selecionar quais antenas funcionavam melhor. E fez uma diferença incrível, porque eles tinham os instrumentos. E ficaram interessados no que fazíamos.

    Como a influência da ciência como protocolo de comunicação volta para a própria ciência a partir da cultura da internet?

    O que eu vejo é que a ciência tem um sistema, por vezes, estruturado demais. E ela não consegue cobrir tudo que poderia ou, idealmente, deveria cobrir. E assim necessita que outros níveis da sociedade estejam ali. Nos EUA, no momento, há um problema seríssimo. Grande parte da sociedade não acredita nos cientistas de modo geral. Não porque a ciência não dê resultados, ou porque deu origem à bomba atômica. Não creem por motivos religiosos e, em parte, isso é um projeto político consciente do Partido Republicano. Eles afirmam que dados científicos que comprovam a seleção natural são mentirosos. E estão influenciando o conteúdo das escolas. Então a discussão vai tão longe que surge hoje a pergunta: "você concorda que a evolução seja ensinada nos colégios"? Quando a pergunta necessária deveria ser: "você concorda que o criacionismo seja ensinado"? Porque a escola existe para uma educação científica, para disseminar conhecimento. Por que isso acontece? Porque o sistema científico não conseguiu manter uma maneira de se comprometer com a sociedade de maneira ótima. Construiu, sim, para dentro, para legislar, validar conhecimento. Um sistema sofisticado, muito interessante, com a revisão de pares e tudo mais. Mas ao ponto de vista da sociedade não conseguem mais voltar, não sabem como.

     

     

    Essas iniciativas de cooperação podem ser um caminho interessante para buscar o contato entre ciência e sociedade?

    Sem dúvida. Principalmente na aproximação com a cultura hacker. O que o hacker traz é o sentido de comunidade. Não existe um hacker sozinho, como pode existir em outras práticas. A ciência cidadã, assim, vai compartilhar conhecimento, atribuir tarefas, mudar planos coletivamente. O perigo, do meu ponto de vista, é negar o valor do conhecimento do cientista experiente. O faça você mesmo tem limites. Quando se trabalha com um cientista experiente, ao qual se pode propor coisas, os limites desaparecem. Participei de um projeto de mapeamento arqueológico onde isso ficou claro. Encontramos uma pessoa que conhecia metodologias sobre como fazer o mapeamento do lugar por linhas, medindo ângulos de 90 graus para saber a altitude de cada elemento. A princípio ficamos só olhando. Depois ele mostrou os dados, e estavam perfeitos. Não havia nenhum erro, nenhum problema. Ou seja, precisamos deles. E eles encontram o quê, quando vêm para esse lado? Gente curiosa, que se interessa pelo trabalho deles. E isso para eles é incrível. Grande parte da sociedade não está interessada no trabalho científico.

    O cientista no topo da hierarquia também tem interesse em colaborar com não cientistas?

    Tem, tem. Não todos. Cada vez mais, cientistas veem as perguntas que a gente faz como interessantes, e podem ceder tempo de seus laboratórios e deles próprios para explorá- las. Agora, em primeiro lugar, é necessário aproximar- se com respeito. Em segundo, precisamos ter o mínimo de conhecimento para negociar com eles. E, terceiro, não podemos ter medo de perguntar coisas malucas. Quando você dá mais espaço para perguntas inusitadas, eles se surpreendem e prestam atenção. Os cientistas mais importantes do século XX se posicionavam de maneira clara nesse sentido. Einstein falava que "para a inovação, a imaginação é mais importante que o conhecimento". E isso tem tudo a ver com ciência cidadã – a união de insight com método, que pode gerar inovação.

    O que é inovação?

    É quando um processo ou aparelho inventado encontra eco na sociedade. A invenção pode ser individual e ficar só nisso. Para ser considerada inovação, precisa ter impacto, mesmo que numa comunidade específica. A patente tem uma história interessante, pois originalmente, foi feita para proteger o trabalho, que gerou valor, e isso deve ser devidamente atribuído. O problema é que no século XX se desenvolve o conflito do inventor que se torna empreendedor, como Thomas Edison. A sociedade inteira muda com a eletricidade e isso gera um império. Em pouco tempo, a patente passa a ser instrumento de manutenção de privilégios. E se torna um problema – em vez de proteger ela acaba, pelo contrário, por bloquear a invenção.

     

    Felipe Fonseca