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    Ciência e Cultura

    versión impresa ISSN 0009-6725

    Cienc. Cult. vol.64 no.2 São Paulo abr./jun. 2012

    http://dx.doi.org/10.21800/S0009-67252012000200008 

     

    APRESENTAÇÃO

    Rute Maria Gonçalves de Andrade

     

    Em agosto de 2007 participei, pela primeira vez, de uma reunião do Grupo de Estudos sobre Aborto (GEA) a convite de Ennio Candotti (atualmente vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência - SBPC) que à época havia recém transmitido o cargo de presidente da SBPC a Marco Antonio Raupp (hoje ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação), em cuja gestão eu havia sido eleita a uma das vagas do cargo de secretária.

    Essa reunião aconteceu no Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), onde o grupo foi recebido pelo desembargador Alberto Silva Franco. Na ocasião tive a oportunidade de conhecer diversos profissionais integrantes do GEA, criado em junho do mesmo ano.

    O GEA é uma entidade multidisciplinar que reúne representantes de diversas áreas do conhecimento e de atuação: médicos, advogados, juristas, psicólogos, educadores, antropólogos, sociólogos, biólogos, representantes de movimentos de mulheres, entre outros. Liderado pelo médico Thomaz Rafael Gollop, o GEA, que não é uma ONG e não tem verbas próprias, passou a ser apoiado pela SBPC e pelo Ministério da Saúde (MS). Seu objetivo maior é promover discussões acerca do tema Aborto sob o prisma da saúde pública e retirá-lo da esfera do crime. Nas primeiras reuniões foram discutidos temas como Direito e Aborto (desembargador Alberto Silva Franco), Antropologia e Aborto (Lia Zanotta Machado, Universidade de Brasília), Violência Sexual (Jefferson Drezett, Hospital Pérola Byington), Aspectos Demográficos (Mario Monteiro e Leila Adesse, da organização Ipas Brasil), Anencefalia (Thomaz Gollop, coordenador do GEA), entre outros. Muitas das palestras de especialistas trataram da anencefalia de modo a reunir contribuições técnicas das diversas áreas do conhecimento para a participação de Thomaz Gollop, como representante da SBPC, em 28 de agosto de 2008, na audiência pública do Supremo Tribunal Federal sobre o julgamento da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF 54, formalizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde, que tratou da inconstitucionalidade de julgar como crime a interrupção da gravidez em caso de diagnóstico de fetos anencéfalos. Em setembro desse mesmo ano, o então ministro da Saúde, José Gomes Temporão, destacou a importância de deslocar essa discussão do terreno do crime para o da saúde pública, declarando-se favorável à descriminalização do aborto, em particular, em caso de anencefalia fetal. Além de Thomaz, outros profissionais que participaram de reuniões do GEA contribuíram com seus conhecimentos nas audiências públicas no STF em agosto e setembro de 2008: Jorge Andalaft Neto (médico representante da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia, falecido em fevereiro de 2012), Lia Zanota (socióloga representante da Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos), Débora Diniz (antropóloga do Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero - Anis e professora da UNB), Maria José Fontelas Rosado Nunes (socióloga representante do movimento Católicas pelo Direito de Decidir). Após as audiências públicas o coordenador do GEA, Thomaz Gollop, e Helena Nader (atual presidente da SBPC e vice-presidente na ocasião) realizaram verdadeira jornada de audiências junto aos ministros do Supremo em exercício nos anos de 2009 e 2010, para entregar o documento técnico minuciosamente preparado pelo GEA/SBPC, para que servisse como fonte de informações que os ministros pudessem usar como base para elaborar seus votos, caso o julgamento se desse tão logo, como havia sido anunciado.

    O conjunto de artigos que ora se apresenta neste número de Ciência e Cultura congrega contribuições de participantes de reuniões do GEA, em diversos momentos, concebidos antes que tivéssemos a notícia da votação pelo Supremo Tribunal Federal, nos dias 11 e 12 de abril de 2012, da já citada ADPF 54. Esse julgamento, marco na consolidação da democracia nacional e na conquista dos direitos das mulheres, resultou positivo, em favor da liberdade da mulher para escolher interromper ou não a gravidez em casos de anencefalia. Vitória das mulheres, vitória da democracia e do Estado laico, é também regozijo para todos os que trabalharam em favor desse resultado, incluindo integrantes do GEA que foram agraciados com votos brilhantes, verdadeiras aulas de democracia, especialmente do relator, ministro Marco Aurélio de Mello, acompanhado por Rosa Weber, Joaquim Barbosa, Luiz Fux, Carmem Lúcia, Ayres Brito, Gilmar Mendes e Celso de Mello. O papel fundamental das contribuições científicas levadas às audiências públicas foi ressaltado pelo relator e pelos demais ministros que votaram favoravelmente, o que reforça a importância e a responsabilidade da ciência e da divulgação do conhecimento em temas que dizem respeito à sociedade. Uma amostra das diversas abordagens, fundamentadas em conhecimento científico gerados em estudos sobre o tema, é o que apresentamos no conjunto de artigos deste Núcleo Temático. Boa leitura.

     

    Rute Maria Gonçalves de Andrade é bióloga, doutora em saúde pública, pesquisadora científica do Instituto Butantan, membro do GEA e secretária geral da SBPC.