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    Ciência e Cultura

    versión impresa ISSN 0009-6725

    Cienc. Cult. vol.64 no.2 São Paulo abr./jun. 2012

    http://dx.doi.org/10.21800/S0009-67252012000200023 

    CENTENÁRIO DE NELSON RODRIGUES

    As muitas facetas do "anjo pornográfico"

     

    Nascido em agosto de 1912, Nelson Rodrigues, um dos grandes dramaturgos brasileiros, foi também um dos maiores cronistas de seu tempo, escreveu novelas no início da televisão no Brasil e foi um apaixonado por futebol. Com estilo que afrontava a moral e os bons costumes, suas obras expunham as mais variadas taras humanas com uma naturalidade ultrajante para a época e ele próprio se intitulava um "anjo pornográfico".

    "Vindo de uma família de jornalistas, Nelson Rodrigues era obcecado por palavras e narrativas. Contribuía para diversos jornais e suas colunas no jornal Última Hora ficaram imortalizadas. E, tanto em A vida como ela é como em suas Crônicas esportivas, Nelson faz um retrato sem censura da vida cotidiana em um Brasil onde o Rio de Janeiro era o centro do poder e ditava as modas e costumes", explica Angela Leite Lopes, professora e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais, da Escola de Belas Artes, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

     

     

    Nelson Rodrigues não era um desconhecido quando escreveu sua primeira peça para o teatro, Vestido de noiva, cujos diálogos rápidos e cheios do ritmo do português falado nas ruas, diferente do idioma empolado tido como norma para a escrita literária de então, são um marco para o teatro moderno brasileiro. "Ele deixou de lado o 'sotaque de Lisboa' e trouxe para as crônicas e para o teatro o que podemos chamar de 'fala afetiva brasileira', ou seja, aquela onde o ritmo das frases e as gírias dão um ar mais real para os personagens. Essa é uma das maiores contribuições do Nelson Rodrigues para a dramaturgia brasileira. O mesmo vale para os contos, romances e crônicas. Ele não reinventou esses gêneros, mas mudou e ampliou as opções de uso do português", aponta Luis Augusto Fischer, pesquisador do Instituto de Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS)

    JORNALISTA DESBOCADO E CRONISTA INVICTO Nelson Rodrigues era um escritor que trabalhava em várias frentes. No jornalismo, começou cobrindo o noticiário policial; em suas colunas semanais, ele misturava personagens fictícios com histórias reais ou "levemente inventadas". As traições de ambos os sexos, casamentos arranjados, relacionamentos infelizes, degradações morais e outros tabus (que ficavam até pequenos quando comparados às suas histórias envolvendo incestos, por exemplo) eram discutidos à boca miúda, principalmente entre o público masculino. O cronista escancarava os subterrâneos das famílias, contribuindo para o estabelecimento de arquétipos brasileiros consagrados.

    "Figuras prosaicas, típicas de qualquer botequim ou outro cenário que temos em todo o Brasil, repetiam frases prontas e lugares comuns que todos já tinham ouvido de alguma maneira. Ele interpretava de forma muito perspicaz, fazia grandes observações sobre o pensamento do país usando figuras de linguagem simples, mas extremamente críticas. Esses comentários, a partir de figuras muito próximas da realidade e fugindo dos conceitos muito abstratos faziam do Nelson Rodrigues uma espécie de filósofo do seu tempo", considera Fisher.

    Outro assunto que acendia a veia apaixonada de Nelson Rodrigues era o futebol. As conversas de bar e comentários sobre os jogos do fim de semana rendiam longas e proveitosas discussões, que acabavam virando grandes crônicas. Futebol e poesia se encontravam nos textos de Nelson, assim como a crítica ácida e a falta de papas na língua. "Escritos em primeira pessoa, também com a mistura de personagens reais e fictícios, suas crônicas esportivas transbordam a paixão que nutria pelo esporte", detalha o pesquisador.

    UM NOVO TEATRO Vestido de noiva (1943), segunda das 17 peças escritas por Nelson Rodrigues, inovou o teatro brasileiro em vários níveis, seja pelos diálogos ágeis, seja pelo enlaçamento entre realidade, ficção e alucinação. Os personagens psicológicos e profundos ganharam também um espaço cênico vanguardista: a montagem de Zbigniew Ziembinski. "A quebra com a narrativa tradicional e com os personagens, como é visto em Vestido de noiva é algo muito impactante. Pode- se dizer que é o início do teatro moderno no Brasil", diz Angela Leite Lopes.

    Na sequência, escreveu Álbum de família, que foi censurada e só chegou a ser encenada mais de 20 anos depois, em meados de 1967. Nesse meio tempo, Nelson escreveu muitos outros textos para o teatro, além de crônicas e romances sob o pseudônimo de Suzana Flag. "Ele era um escritor que atuava em diversas frentes. Escrevia para o teatro e sobre o teatro, por exemplo, além de fazer livros de seus textos teatrais", aponta Lopes.

     

     

    TV E CINEMA Nelson Rodrigues criou, ainda, três telenovelas e teve diversas minisséries de textos adaptados de sua obra. "Nelson é um clássico brasileiro, então não é à toa que ele vai ser reencenado e reinterpretado o tempo todo. Sua obra ainda causa impacto, é discutida no meio artístico-cultural, e a televisão o absorveu e popularizou", diz Lopes. No cinema, o movimento é similar. São mais de 20 filmes com a temática "rodriguiana" e muitos autores e diretores influenciados por ele.

    "É importante observar também as idiossincrasias de Nelson Rodrigues. Ele escrevia para o teatro de vanguarda e também para a televisão de 'massa'. Mas isso se observa em outros pontos da vida dele. Ele se autodenominava reacionário, era contra o endeusamento da juventude e de seus movimentos, mas também era contra a censura. Tinha grande apreço pelo passado, mas documentava a vida contemporânea brasileira. A esquerda não o via com bons olhos, mas os representantes da direita também não o aceitavam de bom grado", aponta Fisher.

    AGOSTO DE NELSON Em agosto próximo Nelson Rodrigues faria cem anos e, para homenageá-lo, diversos eventos foram planejados. Um edital da Fundação Nacional das Artes (Funarte), órgão ligado ao Ministério da Cultura (MinC), prevê o patrocínio para companhias de teatro reencenarem as 17 peças do autor. Vai ser o chamado "Agosto de Nelson".

    Além disso, exposições montadas no Rio de Janeiro e em São Paulo devem depois circular por todo o país. Ambas com curadoria dos filhos Maria Lúcia Rodrigues e Nelson Rodrigues Filho, as exposições têm a proposta de mostrar a amplitude do trabalho do autor de forma a interessar tanto ao público familiarizado com sua obra como aos que serão apresentados ao autor, em todas as dimensões da sua produção. Está no ar o site www.nelsonrodrigues.com.br, criado por Sônia Rodrigues, que também prepara uma biografia do pai a ser publicada pela editora Nova Fronteira.

    "A ideia do site não é somente tornar acessível para consulta ou leitura, mas também trazer novas releituras de sua obra. A ideia é que o público interaja e construa novos significados, com uma relação mais autoral do que apenas consumo. Dessa forma, vídeos, jogos interativos e textos clássicos poderão se mesclar em novas dimensões", explica Sônia.

     

    Enio Rodrigo Barbosa