Print version ISSN 0009-6725
Cienc. Cult. vol.64 no.2 São Paulo Apr./June 2012
http://dx.doi.org/10.21800/S0009-67252012000200026
ANA SALVAGNI
ESPELHO Do espelho me vejo em sua moldura véu de meus olhos que desconhecem a cada dia a mulher que me procura minha ronda e minha vontade cedo ou tarde alongo o olhar maduro mergulho nua na imagem que jamais desvendo uma se recolhe e outra se descobre o olhar se me revela gentil e devassador percorre contornos pastoreia vazios espelho de meus ombros, encanto espelha meus anseios, espanto espalha-me | ONDE A TUA PALAVRA Onde a tua palavra que não soa e não se faz nas cartas de antes de nós ou em conchas de um mar estrangeiro onde o teu querer e o teu repousar em camas perfumadas e amarrotadas ou nos alvos lençóis de minha vontade onde a minha imagem débil e desconhecida meu desejo insólito minha partida que se adia por incerteza de muros ou pela certeza da volta onde o teu corpo se materializa e tuas mãos podem decidir se me alcançam e me reconhecem ou se acenam inconstâncias do outro lado da praça |
FRUTAS Na cozinha da casa de minha mãe avós e tias me ensinam: pode colocar mamão com alho e cebola, não vai pegar cheiro dá pra colocar na fruteira, ainda cabe muita fruta é só saber acomodar coloca uma, outra e mais outra então aprendi que deve ser assim a mulher uma fruteira que guarda sustenta alimenta uma fruteira com muitas frutas uma por cima da outra | MOÇO Moço, não me esquivo à tua imagem intrusa e macia fujo antes de te olhar de frente finjo posso abrir a cortina como se fosse cedo e te cumprimentar distraída com palpitações e simpatia |
TEMPORAL Preciso tirar minha filha do temporal quem me oferece a capa de chuva é minha mãe mas não quero usar a capa e sinto nas minhas costas os pesados pingos que encharcam a menina está escuro e frio e eis que quando me aproximo a chuva diminui e já posso ver pela luz que surge que minha filha está bem e que atrás de mim, com sua capa, também está minha mãe | COLHEITA Vê se amadureço se já pareço bonita um banho de sol um banho de torneira e me colhe me escolhe feito feijão um sim um não um sim um não |
Ana Salvagni (1969) é regente e cantora. Nasceu em Taquaritinga- SP e vive em Campinas desde 1988. Graduada em regência pela Unicamp, tem três CDs gravados, sendo que o mais recente, Alma Cabocla, sobre a obra de Hekel Tavares, foi premiado como melhor disco regional de 2010, pelo 21º Prêmio da Música Brasileira. É autora do livro de poesias Janela sem Tranca (Ed. Komedi), e de Fotos do espelho, a ser publicado, do qual fazem parte estes poemas.