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    Ciência e Cultura

    versión impresa ISSN 0009-6725

    Cienc. Cult. vol.64 no.3 São Paulo  2012

    http://dx.doi.org/10.21800/S0009-67252012000300007 

     

    CIDADES VERDES

    O desafio de tornar o espaço urbano equilibrado e sustentável

     

    Tudo está perto, a escola dos filhos, o trabalho, os locais de lazer e as atividades culturais. Todas as pessoas têm acesso a áreas verdes em um raio de 300 metros em relação a suas casas.

    São 95 quilômetros de ciclovias e 598 estacionamentos para bicicletas. O consumo de água por pessoa fica abaixo dos 100 litros diários. Estamos falando da cidade espanhola Victoria-Gasteiz, eleita a Capital Verde Europeia de 2012. A nomeação, feita pela Comissão Europeia, acontece desde 2010 e já contemplou cidades como Estocolmo, na Suécia, e Hamburgo, na Alemanha, na busca de valorizar iniciativas em prol da sustentabilidade no ambiente urbano. As questões ambientais demandam uma articulação equilibrada entre o global e o local.

    O desafio de modificar as formas de pensar e agir em torno da questão ambiental passa pela transformação da vida nas cidades, pela mudança nos hábitos da população urbana e das políticas públicas para os municípios. Já existem várias iniciativas nesse sentido.

     

     

    A Agenda 21 é o principal resultado da Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento – a Rio-92.

    Trata-se de um programa de ações abrangente para ser adotado global, nacional e localmente, visando fomentar em escala planetária, a partir do século XXI, um novo modelo de desenvolvimento.

    Por entender que é no espaço concreto do município que as coisas acontecem, a Agenda 21 privilegia a ação local, delegando às cidades a tarefa de estabelecer como será o crescimento da sociedade e o futuro da localidade.

    ESPAÇO DE MUDANÇA A prefeitura de Victoria-Gasteiz trabalha, desde 1995, em uma Agenda 21 Local, que tem entre seus objetivos reduzir o consumo doméstico de água, aumentar as áreas verdes, eliminar sacolas plásticas, melhorar o sistema de transporte e reduzir as emissões de CO2 e de gases do efeito estufa. O título de cidade mais verde da Europa mostra que várias dessas metas foram atingidas. Para aumentar a biodiversidade da região, foram implantadas medidas para reduzir a fragmentação do habitat e monitorar a fauna e flora locais, o que resultou em um cinturão verde em torno da cidade.

    As áreas verdes funcionam, também, como escolas vivas para produção e estudo de hortas comunitárias, jardinagem, produção orgânica, entre outros. Boa parte dos investimentos na cidade espanhola foi direcionado para criar um sistema de transporte público mais eficiente, com corredores de ônibus, ciclovias e utilização de energia limpa.

    Na opinião de Kazuo Nakano, arquiteto, urbanista e professor do Centro Universitário Senac, a mudança da matriz energética das cidades passa necessariamente pela mudança na matriz da mobilidade urbana que deverá deixar o modelo "rodoviarista" de lado. "A persistência dessa dicotomia centro-periferia, associada com o predomínio dos automóveis motorizados particulares e individuais em detrimento dos sistemas de transportes coletivos, criam grandes problemas nas condições de mobilidade e de deslocamento das pessoas", complementa o arquiteto que também é pesquisador no Polis, instituto de estudos, formação e assessoria em políticas sociais.

    ECOCIDADE CHINESA Em 2005, a China anunciou a construção da primeira ecocidade do mundo, Dongtan, na ilha de Chongming, perto de Xangai. Dongtan foi planejada por um escritório inglês, especializado em projetos inovadores, e envolveu arquitetos, sociólogos, economistas e até ornitólogos. A cidade teria apenas prédios de quatro ou seis andares, seria totalmente autossustentável e não emitiria CO2. Todos os resíduos seriam reaproveitados, quase não haveria carros. Todo o alimento viria de fazendas orgânicas ao redor da cidade. A utopia de um mundo equilibrado e perfeito? Sim, ao menos no papel, já que os primeiros moradores deveriam se mudar em 2010 e, até agora, quase nada aconteceu.

    "Cidades mais sustentáveis implicam em promover mudanças nos hábitos de transporte, ampliando o acesso ao transporte público; em incrementar áreas verdes, o que coloca em questão o modelo de uso e ocupação do solo; em cuidar da qualidade das águas dos rios e córregos e isto tem relação com políticas públicas, práticas sociais e hábitos cotidianos", define Pedro Jacobi, sociólogo do Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental da Universidade de São Paulo (USP).

    Não muito longe de Xangai, em Guangzhou, capital da província de Guangdong, um plano urbano estratégico, implantado entre 1997 e 2001, foi responsável por melhorar a gestão do tráfego na cidade, introduzir áreas verdes, controlar a poluição e ajudar na conservação do patrimônio natural e cultural da cidade.

    Trata-se de um exemplo típico do crescimento que transformou a face da China a partir dos anos 1980. Pressão populacional, deterioração ambiental e degradação do patrimônio foram algumas consequências negativas do crescimento. Os problemas passaram a ameaçar a vitalidade econômica da cidade, conhecida por sua Feira do Comércio. Uma das razões para que o plano estratégico fosse bem sucedido foi a conscientização da população.

    Pesquisas de satisfação do público sobre qualidade de vida indicam um salto de 27%, em 1997, quando começou o projeto, para 95,9%, em 2001.

    OCUPAÇÃO URBANA ARTICULADA A distribuição e ocupação das terras urbanas é um desafio permanente para as cidades. Grande parte dos problemas enfrentados pelas metrópoles hoje têm sua origem, por exemplo, em padrões equivocados de ocupação das várzeas urbanas. "É comum vermos ocupações completamente inadequadas em áreas com mananciais hídricos que abastecem as cidades. Isso é resultado da falta total de articulação entre as políticas urbanas, habitacionais, fundiárias e ambientais", explica Kazuo Nakano, do Instituto Polis. Além disso, segundo ele, de modo geral, essas várzeas têm seus cursos d'água retificados e canalizados.

    Os terrenos são drenados para implantar avenidas ou para ampliar a oferta de solos para empreendimentos imobiliários. "As várzeas dos principais rios devem ser vistas como corredores ecológicos que compõem o sistema de áreas verdes urbanas a serem distribuídas em vários pontos da cidade, para beneficiar o maior número de bairros e de moradores", afirma o arquiteto.

    DESCARTE SUSTENTÁVEL A gestão dos resíduos sólidos é outra questão crítica no caminho da sustentabilidade urbana. Uma das formas de enfrentar o problema, afirma Nakano, é repensar o abastecimento alimentar das cidades. "Alimento e lixo são duas coisas que procuramos manter separados, mas que devem ser pensadas juntas na perspectiva da sustentabilidade urbana", acredita. Para ele, uma medida mais sustentável é priorizar alimentos naturais, mais condizentes com as culturais locais e regionais, e cuja produção deve ser mais próxima das cidades, ou até dentro delas. "Os resíduos orgânicos gerados podem ser usados tanto para a geração de energia quanto para adubar os solos utilizados na produção de alimentos", opina.

    Experiência parecida com a sugerida pelo pesquisador está em andamento em Daca, capital de Bangladesh, desde 1995. Ao invés de queimar os resíduos, a cidade criou um programa para coletar o lixo, fazer a compostagem e depois vender o produto para empresas de fertilizantes, gerando renda.

    Além da redução de CO2, o projeto gerou 16 mil novos empregos para a população pobre, principalmente mulheres. Em 2010, o modelo já era utilizado em 47 projetos, por 26 cidades diferentes.

    A compostagem também foi a opção da cidade de Sidney, Austrália, para tratar parte do lixo produzido na cidade. O programa Recursos Urbanos - Redução, Reutilização e Reciclagem elimina a incineração dos resíduos, poupando 210 mil toneladas de emissões de CO2 por ano, além de evitar o despejo de mais de 70% de recursos dos resíduos nos aterros sanitários. A infraestrutura de reciclagem é projetada para ser autossuficiente em energia, com saldo zero de água e com odor e ruído que a tornam adequada a ser localizada em zona industrial próxima de áreas residenciais.

    DO LOCAL PARA O GLOBAL De acordo com Pedro Jacobi, da USP, o município pode assumir um papel estratégico no enfrentamento dos problemas socioambientais. Ele acredita que cabe ao poder local fomentar políticas que estimulem a participação da sociedade. E a cidade é o espaço ideal para isso, já que a maioria das populações vive em áreas urbanas.

    No Brasil, o Programa Cidades Sustentáveis, formado por uma rede de organizações da sociedade civil, tem o objetivo de sensibilizar, mobilizar e oferecer ferramentas para que as cidades se desenvolvam de forma econômica, social e ambientalmente sustentável. "O foco do programa é mostrar a importância do planejamento e da gestão das políticas, mostrando que não há contradição entre desenvolvimento social e econômico e sustentabilidade", explica Maurício Broinizi, coordenador do programa. Ele afirma que um dos grandes entraves para o desenvolvimento sustentável no Brasil é a falta de uma cultura política de longo prazo. Inspirado em um programa semelhante, assinado por mais de 600 municípios europeus, o Programa Cidades Sustentáveis foi criado com algumas adaptações para a realidade brasileira, em dois novos eixos de ação: educação para a sustentabilidade e qualidade de vida e cultura para a sustentabilidade.

     

    Patrícia Mariuzzo