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    Ciência e Cultura

    versão impressa ISSN 0009-6725

    Cienc. Cult. vol.64 no.3 São Paulo  2012

    http://dx.doi.org/10.21800/S0009-67252012000300011 

     

    A economia verde - Amazônia

    Lauro E. S. Barata

     

    Desde os tempos do descobrimento do Brasil a economia amazônica se baseia na produção de commodities. Pecuária, agronegócio, energia, minérios e produtos da floresta são os vetores estratégicos que norteiam a maioria dos atores privados e públicos na Amazônia brasileira (1,2). Carne, soja, alumínio, madeira e borracha (3) e outros produtos em estado bruto, ou com pequeno grau de industrialização, são gerados na região, mas processados no exterior, gerando escassos recursos localmente.

    Uma mudança de paradigma requer o uso adequado dos recursos naturais da floresta com adição de valor e comercialização dos produtos da terra, trazendo maior retorno econômico que a formação de pastos ou a venda de madeira. Assim, a oportunidade que se apresenta para o desenvolvimento de novos produtos leva em conta um mercado internacional ávido de novidades da floresta tropical. Um bom direcionamento são os produtos para a indústria de perfumaria e cosméticos, uma vez que o mercado nacional cresce a dois dígitos e essas áreas consomem baixos volumes de materiais, à preços compensadores. O mercado de cosméticos no Brasil chegará a US$ 20 bilhões em 2012 e a Amazônia, que participa apenas como produtora de matérias-primas de baixa qualidade, poderia gerar óleos essenciais e derivados, além de produtos finais.

    Os vários Ciclos de Riqueza pelos quais passou a Amazônia são o mesmo (mau) exemplo dessa situação. O ciclo dos minérios, iniciado nos anos 1960, perdura até os nossos dias, tal como a pecuária, responsável por 60% da destruição da floresta (4). O mais emblemático da exploração de um produto florestal da biodiversidade vegetal amazônica foi o ciclo da borracha, dos fins do século XIX até 1912, que, além do Theatro da Paz em Belém e o Theatro Amazonas, pouco deixou. Durante esse rico período, não se produziram na Amazônia pneus ou qualquer outro artigo de real importância industrial, exceto galochas artesanais. O início do fim coincidiu com a produção primária do látex transferido para a Malásia através do Royal Botanical Garden em Londres. Isso não teria acontecido sem a ativa participação dos cientistas ingleses do Kew Gardens – do qual o cidadão inglês se orgulha – que participaram ativamente do estabelecimento da árvore de borracha em sua colônia no Pacífico.

    Nesse período inicial do ciclo da borracha, ao redor dos anos 1880, o Museu Paraense Emílio Goeldi já existia, mas não há registro de que tenha participado de pesquisas científicas para transformar a borracha em produtos. Na época, a produção da borracha constituía 40% de todas as exportações brasileiras. Mais tarde, quando as rotas para o Pacífico foram cortadas pelos japoneses, a produção de látex, parte do esforço dos americanos na II Grande Guerra, foi retomada em 1942, quando eu abria os olhos. Já existia então em Belém o Instituto Agronômico do Norte (IAN) (5), mas igualmente não houve qualquer projeto definitivo para desenvolver tecnologia com o látex. No período, o Banco da Borracha (6), com sede em Belém (PA), financiava enormes plantações da Hevea brasiliensis a qualquer preço ou condição, mas, como sabemos, os recursos utilizados, ou não, não geraram tecnologia localmente. O ciclo da madeira iniciou-se em 1970, em pleno regime militar, e dura até hoje. Quatorze milhões de toneladas de madeira em tora são produzidas na Amazônia para uma receita bruta estimada de R$ 4,94 bilhões (7). São 2.227 empresas madeireiras legais que derrubaram o equivalente a 3,5 milhões de árvores, resultando na produção de 5,8 milhões de metros cúbicos de madeira processada, correspondendo a um aproveitamento de apenas 41%. Ainda assim, 72% da madeira serrada é de baixo valor agregado. Junto com a pecuária, e outros modos de extermínio, o desmatamento produziu um deserto maior que a área da França, Inglaterra e Irlanda juntas. Estudos sugerem que o valor dessa floresta, se em pé, seria de bilhões de dólares; no entanto, as madeiras são o item de exportação principal da maior floresta tropical úmida do planeta. Produtos florestais não madeireiros (PFNM), como copaíba (8) e andiroba (9), usados na etnomedicina, ocupam uma fatia desprezível nesse contexto econômico, com relevante exceção do açaí (10) cujo mercado alcança hoje a mais de U$S 1 bilhão. O ciclo das Drogas do Sertão iniciado no período do Brasil colonial, ainda não se esgotou e perdura até aos nossos dias. Ervas aromáticas e medicinais (11) como o cacau (Theobroma cacao), baunilha, cravo (Dicypellium caryophyllatum Nees.), castanha-do-Pará (Bertholletia excelsa), guaraná (Paullinia cupana), copaíba e andiroba, as "drogas do sertão", eram especiarias que alcançavam excelentes preços no mercado mundial desde o início da era cristã.

     

     

    Foi para combater o contrabando dessas drogas para a Europa que, em 1616, Francisco Caldeira Castelo Branco fundou, na foz do rio Amazonas, o forte do Presépio, dando origem à cidade de Belém e hoje parte do roteiro dos poucos turistas que aportam na cidade. Dessas especiarias da floresta resta a produção anual de 300 toneladas de copaíba negociadas, principalmente, pela Empresa Benchimol de Manaus e 400 toneladas de andiroba, por duas indústrias de porte médio em Belém (12). O óleo de andiroba, que tem propriedades medicinais e bioinseticidas, no entanto, é vendido a preço de commodity a menos de US$ 6/kg. A par disso, milhares de ribeirinhos e comunitários produzem seu próprio óleo de andiroba, sem poder competir com os preços estabelecidos pelas indústrias devido, sobretudo, à baixa qualidade de um óleo com índices de acidez e peróxidos inaceitáveis pela indústria cosmética. A simples redução desses índices químicos elevou o preço do óleo de andiroba (13) a US$ 40/kg, nos anos 1990, muito longe dos preços negociados nos dias atuais. Depois de Paul Le Cointe (14), cientista francês sediado em Belém nos anos 1920, que revelou as principais propriedades químicas do óleo de andiroba, o interesse dos cientistas amazônicos neste óleo e no de copaíba foi retomado por recente edital das fundações de amparo à pesquisa locais (15), mas ainda não levou a qualquer produto de qualidade internacional. Uma tese conduzida no Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (IQ-Unicamp) (16) realiza o estudo do resíduo industrial do óleo de andiroba, no qual se concentram as substâncias ativas deste, para transformá-lo em produtos para uso medicinal, veterinário ou cosmético. Sabe-se que a extração por expeller, isto é, por prensas mecânicas, retira apenas 50% do óleo das sementes de andiroba, assim restam 200 toneladas de resíduo que poderão ser transformados em produtos.

    TRADIÇÃO E USO DAS PLANTAS AROMÁTICAS NA AMAZÔNIA Plantas odoríferas fazem parte do cotidiano amazônico, independente do extrato social, religião ou grupo étnico. Usadas desde tempos imemoriais por índios, foram apropriadas pelos brancos e seus descendentes caboclos e ribeirinhos, urbanos, classe média ou alta, que as utilizam na alimentação, na medicina, na cosmética natural, na perfumaria e nos rituais da aromaterapia amazônica.

    Na culinária são de uso diário a pimenta de cheiro (Capsicum spp), a alfavaca (Hyptis spp.), a chicória (Eryngium foetidum) e o manjericão (Ocimum spp) associados ao jambu (Spilanthes acmella) e aos produtos da mandioca. Em tempos recentes, maîtres brasileiros e estrangeiros, como Alex Atala, se encantaram com os produtos regionais da Amazônia e os têm utilizado e divulgado em manjares da culinária mundial. Na medicina, plantas aromáticas como o puxuri (Licaria puchury-major), casca-preciosa (Aniba canelilla) e o óleo de copaíba, são usadas como chás, in natura, infusões, garrafadas e óleos aromáticos vendidos livremente, quase sempre sem qualquer padronização. Repelente de insetos é o aroma do patchouli do Pará (de fato Vetiveria zizanoides), a priprioca (Cyperus articulatus) e o cumaru (Dipteryx odorata) em raiz, rizoma e frutos odorantes que usados nas estantes de livros e armários previnem insetos e mofo (fungos).

     

     

    A aromaterapia cabocla utiliza plantas nas formas de banhos aromáticos, inalações, embrocações e defumações incensadas. Grandes empresas como a Unilever e a P&G (17) descobriram a aromaterapia como merchandising que, diferentemente do conceito original aromaterápico, utilizam essências sintéticas como o linalol sintético, elaborado a partir de substâncias naturais presentes no pau-rosa (Aniba rosaeodora). Nos cosméticos, plantas aromáticas frescas ou secas são misturadas com óleos ou gorduras medicinais do muru-muru (Astrocaryum muru-muru), da andiroba, castanha-do-Pará para produzir loções balsâmicas, óleos de banho, cremes e sabonetes. Assim, o sabonete cremoso de andiroba é produzido com cinzas das cascas do cacau e usado para o embelezamento e viço da pele. Empresas regionais como a Chamma da Amazônia, a Juruá e outras, baseiam-se nesses produtos. O sabonete Phebo, originalmente à base do óleo essencial de pau-rosa, mas hoje com o sucedâneo sintético, ainda assimé exportado para a Europa. A macacaporanga (Aniba parviflora) é uma espécie aromática nativa da Amazônia cujos ramos e madeira, quando secos e transformados em pó, são utilizados como sachês aromatizantes (18) em "banhos de cheiro" (19).

    Folhas, frutos, raízes, cascas e flores são usadas em rituais culturais e espirituais dos banhos atrativos e banhos de cheiro. Na procissão do Círio de Nazaré (20) a multidão é aspergida com um banho de cheiro quando passa pelo tradicional mercado do Ver-O-Peso. Em Alter-do-Chão, terra dos ancestrais Boraris, o grupo musical Corimbo perfuma os dançarinos do equivalente Carimbó do Pará com um banho de cheiro que, misturados ao suor, exalam perfume odorante e sensual. Para se fazer bem ao ambiente, se incensa o local antes da festa começar, e na sua composição predomina o breu (Protium spp) e as cascas aromáticas.

    Crê-se que os banhos atrativos podem atrair as cunhanporangas, ou moças belas e que, dependendo do modo de uso, abrem os caminhos, desemperram processos, mesmo os universitários, e conseguem um bom emprego. A composição dos banhos envolvem espécies aromáticas como a catinga de mulata (Ocimum spp), patchuly, casca preciosa, chama (Mentha spp.) e priprioca, e até mesmo outras não aromáticas e órgãos de animais como os órgãos sexuais do boto macho ou fêmea, dependendo do tipo de atrativo. Na perfumaria, plantas aromáticas são utilizadas para perfumes caseiros, sachets e pot-pourries. Pataqueira (Conobea aquatica), catinga de mulata (Aeolanthus suaveolens) e estoraque (Ocimum micranthum), além dos já citados pau-rosa, puxuri, copaiba, preciosa, macacaporanga, cumaru (Dipteryx odorata) e priprioca, entram na composição dos pós e macerados que conferem o cheiro característico do Pará.

    A RIQUEZA DA AMAZÔNIA BRASILEIRA A floresta amazônica com 4 milhões de km2 tem registradas 2 mil espécies medicinais usadas pela população local como medicamentos, além de 1.250 espécies aromáticas produtoras de óleos essenciais (21). No entanto, apenas três espécies aromáticas fazem parte da pauta de exportação e comércio na Amazônia: as favas de cumaru, o óleo de copaíba e o óleo essencial de pau-rosa (22). As sementes de cumaru e o óleo de copaíba são comercializados a granel, configurando uma commodity com preços por volta de US$ 8/kg. O uso da biodiversidade da floresta amazônica é uma alternativa real para suprir o mercado de óleos essenciais de US$ 2 bilhões, onde o Brasil participa como terceiro exportador, décimo importador. No entanto, o grosso da exportação (92%) é baseado nos óleos cítricos, subproduto da indústria de sucos. Um processamento tecnológico adequado poderia elevar o valor desses produtos a dez vezes mais. O óleo essencial de pau-rosa, matéria-prima para produtos da empresa francesa Chanel, entrou para a lista Cites (23) em 2010, assim, devido às restrições legais associadas à enorme queda na produção elevou os preços para US$ 163,65/kg (24), o mesmo valor de um frasco de perfume Chanel.

    MERCADO Entre empregos diretos e indiretos, estima-se hoje que o mercado de cosméticos brasileiro gera mais de 3,6 milhões de postos de trabalho. A tecnologia embutida na área de cosméticos surpreende e emprega alguns milhares de doutores formados pelas nossas melhores universidades, apesar delas, já que mesmo os nossos melhores sistemas de pós-graduação estatais estão divorciados da indústria e desconhecem onde andam os 12 mil cientistas colocados anualmente fora da redoma universitária.

    O Brasil, que no ano 2011 passou os Estados Unidos, é o primeiro país do mundo no mercado da perfumaria e o segundo no de cosméticos. As 1.659 empresas brasileiras atuando no mercado de produtos de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos, tiveram um faturamento de R$ 24,9 bilhões em 2009, crescendo em média 10,5% nos últimos 14 anos, crescimento maior que o da economia da China (25). O estado do Pará conta com apenas seis empresas, enquanto o Sudeste possui 1046 empresas registradas. Esta discrepância é mais evidente quando se analisa o portfólio da principal empresa brasileira de cosméticos onde se vê que cerca de 90% de seus ativos oriundos da biodiversidade provém da região Norte brasileira.

    O sucesso de empresas nacionais de cosméticos, como a Chamma da Amazônia e a Natura, demonstram a importância de se desenvolver na Amazônia uma base para a produção de matérias-primas, padronizadas em uma primeira etapa e produtos acabados em seguida. Empresas como a The Body Shop (UK), Aveda (EUA) e Yves Rocher (França), apostaram no uso sustentável dos produtos naturais originados de países como o Brasil, demonstrando a importância dos estudos científicos aplicadas a óleos essenciais.

    A sugestão de modelos de gestão para a Amazônia quase sempre vem de fora da região, Bertha Becker (26), Jacques Marcovitch (27) e Ricardo Abramovay (28) da USP são os exemplos mais presentes. Entre os principais cientistas da Amazônia que pensaram a região há Samuel Benchimol (29) e, atualmente, o diretor do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), Adalberto Luis Val, e Roberto Dall'Agnol da Universidade Federal do Pará (UFPA), estes dois últimos participaram do documento da rede americana ABC "Amazônia: desafio brasileiro do século XXI", sub-intitulado "A necessidade de uma revolução científica e tecnológica" (30). Nunca foi mais premente esta revolução. Os estados do Norte exibem índices inferiores a qualquer estado das outras regiões do Brasil, em IDH, PIB ou qualquer outro. A Amazônia, depois de tanto brilho na cultura, na arte e na ciência, no século XIX e primeira metade do XX, esmaeceu e ocupa hoje a galeria dos desprovidos, desbancando o Nordeste como lugar dos desprotegidos do país.

    Os Desafios Urgentes listados pelo documento da ABC estão ainda a desafiar o país – e por que não dizer o mundo – e continuam válidos e necessitando de implementação:

    A criação de novas universidades públicas,..., aconteceu com a instalação da Ufopa (Universidade Federal do Oeste do Pará), em Santarém (PA), em 2009, a 800 km de Belém, e outros 800 km de Manaus. São 230 professores, 40% dos quais com doutorado. Se isto é longe de ser suficiente, é o necessário para o momento. O amplo apoio do Ministério da Educação (MEC) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) fez aparecer uma luz no Tapajós.

    A criação de institutos científico-tecnológicos associados ao ensino e pesquisa tecnológica, descentralizando a infraestrutura de ciência e tecnologia (C&T) ...ainda está em aberto, já que o Centro de Biotecnologia da Amazônia (CBA) em Manaus está longe de cumprir tal necessidade. Em 2003, o país preocupado com o baixo índice tecnológico das indústrias da região Norte, e a condição de simples fornecedores de matérias-primas, lançou o projeto Bioamazônia que tinha como missão amplificar o que havia de C&T na região adicionando valor aos produtos naturais. Depois de muitos percalços e denúncias, resultou na criação do CBA que, após muitos milhões de dólares e contando com uma gestão governamental mais que complexa, não deslanchou, tornando-se apenas, e quando muito, mais um centro de geração de recursos humanos.

    A ampliação e fortalecimento da pós-graduação, atração e fixação de pessoal altamente qualificado em C,T&I ... está ocorrendo de modo homeopático, com um PG-RNA (31) da Ufopa já em funcionamento e com 10 dissertações de mestrado defendidas. No entanto, a fixação de pessoal não ocorrerá se não houver um diferencial importante de salário ou bolsa para os desterrados na região.

    Fortalecimento das redes de informação na região, dotando-a de uma rede com banda mínima de 2 gigabites,... está longe, muito longe da realidade (32): a internet disponível é de má qualidade enquanto no sul do país se trabalha com 30 GB.

    A GESTÃO DA AMAZÔNIA E AÇÕES DE POLÍTICAS DE C,T&I O governo federal, através da Capes e do Conselho Nacional de Desenvolvimento da Pesquisa Científica e Tecnológica (CNPq), parece, desta vez, estar atento, e no final do ano passado colocou um gigantesco programa de formação de C,T&I no ar. Serão 100 mil bolsas de estudos para graduandos, doutorandos e pós-doutores para se lançarem ao estrangeiro, e vice-versa, a fim de capturar o que há de melhor na Europa e EUA em relação à tecnologia e aplicação da ciência. Porém, se a política não for acompanhada de ações de empreendedorismo diretamente dentro das universidades da região Norte, não haverá solução para a Amazônia, e seus produtos, como também a floresta, continuarão a ser consumidos como commodities.

    Enquanto doze mil doutores são colocados no mercado de trabalho a cada ano, o Brasil gera 36 mil papers e raras patentes – em 2010 apenas 103 registradas, enquanto a Coreia produziu 8.762. A copaíba, um óleo antimicrobiano é um bom (mau) exemplo dessa situação: em 2009, o Brasil publicou 76 trabalhos(33), mas não registrou nenhuma patente, enquanto os EUA registraram 17 patentes desse óleo. Um projeto de P&D com o óleo de copaíba (34) deve colocar no mercado um produto cosmecêutico (35).

    BIODIVERSIDADE FLORESTAL AMEAÇADA É urgente a necessidade de preservar a biodiversidade amazônica, pois a floresta já sofreu grande devastação pela exploração madeireira e pela prática agrícola. Estima-se que o desmatamento tenha destruído cerca de 750.000 km2 de floresta. O custo ecológico dessas derrubadas é altíssimo e o ambiente é afetado de forma irreparável. O governo do estado do Pará é ainda o que mais ameaça a biodiversidade florestal, sendo que em 2009 foi responsável pela destruição de mais da metade dos 7.464 km2 de território amazônico, quatro vezes mais que o Mato-Grosso. Plantas úteis, medicinais ou aromáticas não escaparam da moto-serra ou dos correntões. Copaíba, jatobás, louros (36) e outras plantas aromáticas que poderiam produzir óleos essenciais, extratos, concretos e absolutos para o mercado de perfumaria, são derrubadas impunemente.

    PRODUÇÃO SUSTENTÁVEL DE ÓLEO ESSENCIAL NA AMAZÔNIA O cultivo de plantas aromáticas nas áreas já degradadas da Amazônia, além da recomposição com espécies nativas, gera trabalho e renda familiar. A produção sustentável de óleo essencial de plantas aromáticas na Amazônia pelo cultivo racional, poda e extração das folhas, levarão a novos produtos de exportação na região. Estudos com o pau-rosa (37) indicaram a viabilidade de manejo a partir de galhos e folhas, para a produção de um óleo essencial já bem aceito por perfumistas. Em consequência uma empresa de Maués-AM produziu 2.000 kg de óleo de folhas de pau-rosa em 2010 e o lançou no mercado internacional ao preço de US$ 183/kg. O projeto referido mostrou uma produtividade média que poderia levar a um faturamento de US$ 150 mil numa área de 20 hectares pela poda de árvores jovens de cinco anos. Empresas internacionais demandam o produto, sem sucesso, devido à baixa produção.

    O mercado de perfumaria é ávido por novos produtos da rain-forest e a Amazônia tem as condições para produzir produtos de qualidade internacional e se impor no mercado. Projeto da Capes recente (38) vai permitir o cultivo de uma área de 2 ha de priprioca, um rizoma que produz óleo essencial muito apreciado pela indústria perfumeira. O protótipo visualiza a produção de 200L de óleo essencial (1 tambor) em 4 hectares levando a um faturamento bruto empresarial de US$ 30 mil/4 ha. A Natura, maior empresa brasileira de cosméticos, tem em seu portfólio perfumes com o óleo essencial de priprioca. O projeto inclui uma equipe interdisciplinar na Ufopa incluindo químicos de produtos naturais, socióloga, biólogos, engenheiros e agrônomo. Priprioca, pau-rosa, cumaru e macacaporanga (3) são as plantas prioritárias que deverão entrar no consórcio e que estão sendo estudadas, química e biologicamente, para aumentar o perfil das atividades biológicas.

    Projetos como esses são uma estratégia viável para a economia amazônica porque consideram aspectos ambientais, sociais e econômicos. A extração de plantas aromáticas pode gerar extratos, absolutos e concretos padronizados para o mercado de perfumaria e cosméticos. A padronização levará a matérias-primas qualificadas para a indústria cosmética e perfumaria e também à farmacêutica. Os projetos são a linha de frente do novo Parque Tecnológico do Tapajós que está sendo gestado na Ufopa com forte apoio da Secretaria de C&T do governo estadual. As ações devem gerar interesse de empresas nacionais e internacionais e levar ao empreendedorismo nessa afastada área da Amazônia.

     

    Lauro E. S. Barata é professor aposentado da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e professor visitante nacional sênior Capes da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa). Email: lbarata@iqm.unicamp.br.

     

    NOTAS E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

    1. Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa) e Instituto de Biodiversidade e Florestas (Ibef).

    2. Abramovay, R., "As promessas da economia verde na Amazônia", jornal Valor Econômico, São Paulo, 15.03.2011.

    3. Hevea brasiliensis.

    4. Imazon (http://www.imazon.org.br/pagina-inicial-en).

    5. Depois Ipean (Instituto de Pesquisas Agropecuárias do Norte), hoje Embrapa-CPATU.

    6. Banco com sociedade Brasil-EUA criado em 1942 na II Guerra para financiar a produção de látex para os aliados. Ver: http://www.bancoamazonia.com.br/bancoamazoniaing/pag_aboutus_history.asp.

    7. A atividade madeireira na Amazônia brasileira: produção, receita e mercados, Serviço Florestal Brasileiro & Imazon, 2010 acessado em 02.02.2012 em: http://www.imazon.org.br/publicacoes/livretos/a-atividade-madeireira-na-amazonia-brasileira.

    8. Copaiferae spp.

    9. Principalmente Carapa guianensis.

    10. Principalmente açaí (Euterpe oleracea).

    11. Cacau (Theobroma cacau), baunilha, cravo, castanha-do-Pará (Bertholetia excelsa), guaraná (Paulinia cupana).

    12. Beraca e Amazon Oil.

    13. Empresa Floramazon de Campinas-SP que teve o autor como consultor técnico.

    14. O naturalista francês Paul Le Cointe foi o primeiro diretor da "Escola de Chimica Industrial" em 1920. A Escola Superior de Química foi incorporada, a contragosto da reitoria da UFPA, nos anos 1960.

    15. Rede Amazônica de Pesquisa e Desenvolvimento de Biocosméticos (Redebio) – Fapeam / Fapema / Fapespa / Funtac / SECT-TO (Edital 15/2009).

    17. Procter & Gamble.

    18. Corrêa, M.P. Dicionário das Plantas Úteis do Brasil e das Exóticas Cultivadas. Rio de Janeiro: IBDF, v5. 626, 1974.

    19. Rodrigues, R.M. A flora da Amazônia. Belém: CEJUP, 462, 1989.

    20. Ocorre no segundo domingo de outubro.

    21. Maia, J. G. S.; Zoghbi, M.G.B; Andrade, E. H. A. Plantas aromáticas na Amazônia e seus óleos essenciais.MPEG, Belém-PA, 2001.

    22. Ferraz, J. B.S.; Barata, L. E. S.; Sampaio, P. T.B. e Guimarães, G. "Perfumes da floresta amazônica em busca de uma alternativa sustentável", Ciência e Cultura, 61, no.3, 2009

    23. Convention on International Trade in Endangered Species (Cites).

    24. Aliceweb consultado em 02.02.2012.

    25. ABIHPEC- Anuário 2010.

    26. Becker, Bertha. A Amazônia. Geopolítica na virada do III milênio. Garamond Universitária, Rio de Janeiro. 2004.

    27. Marcovitch, Jacques. A gestão da Amazônia: ações empresariais, políticas públicas, estudos e propostas, Ed. USP, São Paulo. 2011.

    28. Abramovay, R., Visão estratégica da Amazônia, 2010.

    29. Benchimol, Samuel. Amazônia, um pouco-antes e além-depois, Ed. Ufam 2ª. Edição revisada Manaus. 2010

    30. Os outros especialistas da equipe foram Bertha Becker, Carlos Afonso Nobre, Hernan Chaimovich Guralnik e Jacob Palis Junior.

    31. Pós-Graduação em Recursos Naturais da Amazônia.

    32. Em Santarém (PA), a rede estadual "Navega Para" , de custo imensurável não atende aos requisitos mínimos.

    33. Núcleo de Informações Biotecnológicas -CBA, 2009.

    34. Barata, L.E.S.; Fukuda, K.; Fidelis, C.H.V.; Azevedo, M.S.B. e Augusto, F. "Amazonian copaiba (Copaifera sp) oil: chemistry and antimicrobial activity", Analytical Sciences, (submetido, 2012).

    35. Projeto: Cosmético do óleo de copaíba. Apoio Pipe-Fapesp. Fase II. Parceria da Empresa Yago-Lascane, Campinas-SP, 2012. Coordenação: Lauro E.S.Barata.

    36. Louros: diversas espécies de Lauraceae.

    37. O projeto foi financiado pelo Banco da Amazônia após prêmio Samuel Benchimol na categoria Tecnológica. Durou 3 anos e a primeira parte foi terminada em 2010. A área cultivada em Santarém-PA é utilizada para estudos de alunos da PG-RNA-UFOPA. Publicações: Barata, L.E.S. e May, P. "Rosewood Exploitation in the Brazilian Amazon: Options for sustainable production", Economic Botany 58, 257-265, 2004.

    38. Efetivado a partir de dezembro de 2011, conta com 2 bolsas pós-doutorado Capes. Coordenado pelo prof. Barata, L.E.S.

    39. Tranchida, P.Q.; De Souza, R.C.Z. ;Barata, L.E.S. et al. "Analysis of macacaporanga (Aniba parviflora) leaf essential oil by using comprehensive two-dimensional gas chromatography combined with rapid-scanning quadrupole mass spectrometry", Chromatography Today, 5-9, 2008.