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    Ciência e Cultura

    versão impressa ISSN 0009-6725

    Cienc. Cult. vol.64 no.3 São Paulo  2012

    http://dx.doi.org/10.21800/S0009-67252012000300019 

    150 ANOS DE GUSTAV KLIMT

    o artista da transição

     

    Figurando entre os autores das cinco obras de arte que mais arrecadaram dinheiro em leilões até hoje – ao lado de Cézanne e Van Gogh – Gustav Klimt completaria 150 anos de idade no dia 14 de julho. Nascido em Viena, na Áustria, Klimt cresceu num dos períodos mais fervilhantes da história da arte ocidental, a Europa das últimas décadas do século XIX e início do século XX, quando aconteceram revoluções na indústria, na ciência, na sociedade e, claro, na arte.

     

     

    "Se há um período histórico onde tudo mudou rapidamente é a Belle Époque europeia, com revoluções acontecendo em todos os campos. Esse foi o período onde as vanguardas artísticas faziam coro no enfrentamento às concepções extremamente rígidas da arte acadêmica, engessada em uma estética que tinha um pé no renascentismo. Klimt era um dos artistas que faziam parte dessas vanguardas – ele foi um dos fundadores da Secessão Vienense – e influenciava e era influenciado por essa profusão de novos caminhos na arte", explica Paula da Cruz Landim, professora e pesquisadora da Faculdade de Artes, Arquitetura e Comunicação (Faac) da Universidade Estadual Paulista "Julio de Mesquita Filho" (Unesp) de Bauru.

    "A arte figurativa, mimética, que tinha um ideal de beleza baseado em normas – que chegava a ditar o que podia ou não ser retratado e decidia o que era considerado arte – era rejeitada por esses novos artistas. Na Áustria, na França, na Itália, em toda a Europa, diversos movimentos procuravam novas formas de representação, com maior liberdade para o artista e mais experimentações tanto no campo da pintura e escultura, quanto fora delas, procurando novos suportes para sua expressão", afirma Vanessa Beatriz Bortulucce, pesquisadora ligada à Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

    ENTRE O FIGURATIVO E O ABSTRATO A arte de Klimt transitava entre o figurativo e o abstrato. Mas seu figurativo – estilo que garantia uma menor rejeição inicial por parte do grande público – já não era o figurativo clássico, formatado. Seu estilo dialogava com certos desprendimentos. Ele retratava a velhice, os corpos nus nem sempre perfeitos, a sensualidade beirando o sexual. Além disso, ele emoldurava as cenas com complexos padrões abstratos (Wassily Kandinsky era contemporâneo seu em Viena). As obras de Klimt pareciam retratar, de certa forma, essas transições que pairavam no ar da Belle Époque. "As obras de Klimt, especialmente da chamada 'fase dourada', fazem diversas releituras da arte oriental. Não o Oriente que serve de inspiração para o 'japonismo francês', mas a arte bizantina, e mesmo a egípcia que inspiram Klimt. Suas obras mais reconhecidas são aquelas onde as colagens de elementos – já experimentando novos materiais propostos pelas vanguardas – são muito utilizadas. Muitas delas são realizadas diretamente em muros ou paredes, novamente uma releitura do suporte usado", explica Bortulucce.

    Para Klimt as figuras femininas são muito importantes. "É bom lembrar que as mulheres e seu papel na sociedade passam por grandes mudanças nessa época. Elas haviam conquistado direitos – como o voto em alguns países – e já começavam a se inserir no mercado de trabalho. Então, a figura feminina tem grande destaque na arte dessa época, especialmente para Klimt", diz Landim. Muitas das mulheres retratadas por Klimt, inclusive, acabaram se tornando grandes paixões na vida do artista.

     

     

    AS NOVAS ARTES Klimt é contemporâneo do movimento Art Nouveau e do final do Arts and Crafts inglês. Seu estilo dialoga com esses dois movimentos. A ênfase nas formas femininas – muito valorizadas na Art Nouveau – é apenas uma dessas ramificações possíveis. Klimt incorpora influências de diversos artistas e movimentos de sua época. O final do século XIX é especialmente rico no desenvolvimento de novas tecnologias nas artes gráficas. As novas impressoras e o desenvolvimento das litografias multicoloridas são alguns dos desenvolvimentos tecnológicos que amplificam as trocas de ideias, referências e conhecimentos entre as vanguardas europeias.

    "Boa parte das vanguardas publicavam revistas. Era uma forma dos participantes dos movimentos debaterem ideias entre si, com os participantes de outros movimentos e com a sociedade em geral. Isso era muito rico, pois além dos textos também se publicava as reproduções de obras dos artistas, quando não a própria revista era composta dentro do estilo daquela vanguarda. Por isso também esses artistas estavam sempre em contato", aponta Bortulucce.

    As novas técnicas de impressão gráfica também proporcionavam suporte para esses artistas. Henri de Toulouse-Lautrec, por exemplo, é reconhecido pela paixão por cartazes para teatro e shows burlescos. Klimt produziu cartazes para as mostras da Secessão de Viena.

    "Isso é característica das vanguardas. Eles põem em cheque os 'artistas de cavalete'. Buscam novas formas para a arte. Desenhos e gravuras ganham novos status artísticos", diz Bortulucce. Uma das últimas atividades de Klimt, por exemplo, foi a preparação de um livro de desenhos seus, publicado em 1919, após sua morte.

    POPULAR E INSPIRADOR "Klimt e outros artistas transitavam entre várias áreas. A publicidade estava dando seus primeiros passos. Munch, por exemplo, chegou a ilustrar pacotes de cigarro. E mesmo aqueles que não trabalharam diretamente com a publicidade na época, inspiraram as criações gráficas na propaganda. Klimt, em especial, era muito popular e seus traços foram absorvidos pelos publicitários, o que talvez seja uma explicação para sua influência nos movimentos artísticos até hoje. Sua arte não causa estranheza – como acontece, na atualidade, com outros artistas contemporâneos seus – pois foi absorvida, de certa forma, por essa nova linguagem da publicidade. Suas figuras femininas podem ser reconhecidas em peças de propaganda da época", diz Landim.

    Seu estilo, também, era muito admirado pelos nazistas – que anexaram a Áustria durante a Segunda Grande Guerra – pois não era considerada "degenerada" (como queriam acreditar os membros do partido nazista) como outras obras das vanguardas artísticas. Klimt era o que eles procuravam para ilustrar um ideal de arte germânica de qualidade. "A produção da Bauhaus – escola alemã de arte e arquitetura e que foi o marco zero do design – não os agradava. Afinal, a Bauhaus tinha ideais socialistas, o que não deve ter contribuído muito para que ela se tornasse uma referência estética para os políticos da época", brinca Landim.

    Algumas de suas pinturas ficaram perdidas por muitos anos, após a Segunda Guerra, mas foram sendo recuperadas aos poucos. Somente no ano passado, por exemplo, o retrato de Adele Bloch-Bauer I, esposa de importante banqueiro e mecenas da época, voltou às mãos dos herdeiros dessa família após longo processo judicial contra o governo austríaco. O artista, entretanto, demorou para ser considerado importante pelos norte-americanos. A nudez e a sexualidade latente de sua obra não eram bem vistas pelo puritanismo protestante. O beijo, adquirido pela Fundação Gugenhein na década de 1960, recebeu duras críticas até mesmo do Washinton Post. "O ideal de beleza popular nos EUA e os excessos sexuais das obras não permitiam que eles vissem a grandeza de um artista como Klimt", aponta Landim.

    Apesar de admirado e reconhecido mundialmente, a riqueza e originalidade das obras de Klimt só passaram a ganhar visibilidade há pouco tempo nos EUA. Em 2007 a vida do artista virou filme; um livro com sua biografia foi publicado no início deste ano e, para comemorar os 150 anos de seu nascimento, uma grande exposição está sendo montada em Viena. No Brasil não há nenhuma agenda oficial para a data. Mas, pelo menos, canecas e camisetas com obras do artista devem continuar populares.

     

    Enio Rodrigo Barbosa