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    Ciência e Cultura

    versión impresa ISSN 0009-6725

    Cienc. Cult. vol.64 no.3 São Paulo  2012

    http://dx.doi.org/10.21800/S0009-67252012000300023 

    ARQUEOLOGIA

    Os desafios da diversidade cultural

     

    Ao contrário do senso comum, a Amazônia foi, e ainda é, densamente ocupada e transformada pela ação humana. O estereótipo de uma floresta virgem e intocada não corresponde à realidade. É o que afirma Eduardo Góes Neves, professor do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (USP), para quem a ideia de que os portugueses chegaram aqui e não encontraram "nada" no território do que hoje se entende por Brasil, mantém uma visão preconceituosa que, ao mesmo tempo, atrapalha o desenvolvimento econômico, cultural e social, como dificulta a questão da identidade nacional e de construção da história dos povos que aqui vivem.

    "Uma das grandes contribuições da arqueologia é mostrar que os povos indígenas têm história, assim como todas as populações; uma coisa importante que a gente pode aprender com o passado por meio do patrimônio arqueológico, do patrimônio cultural brasileiro, é aceitar e incorporar a ideia da diversidade, porque isso tem a ver com tolerância, com convivência, com aceitar a diferença", afirma Neves.

    A questão que se coloca quando se fala de patrimônio arqueológico é como manejar um recurso natural que é, ao mesmo tempo, cultural e social. De acordo com o pesquisador, existem evidências por toda parte de que a Amazônia foi densamente ocupada. Os sítios amazônicos são ricos e densos. A quantidade de sítios arqueológicos encontrados por sua equipe ao longo dos 30 anos de pesquisa na região demonstra uma presença antiga e contínua, e mostram como as populações estiveram presentes em diferentes épocas e regiões.

     

     

    "O que acontece é que as populações que existiam aqui no Brasil eram populações ágrafas, elas não tinham escrita; então, nossa única fonte de informação para entender a história dessas populações são os objetos e o contexto no qual eles se inserem, isto é, das modificações da paisagem que esses grupos fizeram no passado, como vestígios de pavimentos de cerâmica, pinturas, gravuras e solos escuros modificados pela ação humana", explica o arqueólogo. Para o jornalista Pedro Ortiz, coordenador do curso da editora Oboré, na capital paulista "Descobrir a Amazônia – descobrir-se repórter" do Projeto Repórter do Futuro, diversidade é a palavra-chave para entender a Amazônia. "Toda sua complexidade só pode ser entendida a partir de diferentes visões e definições, pois a realidade e os problemas da Amazônia são tão diversos e complexos quanto sua extensão territorial". Além disso, acrescenta Ortiz, uma série de estereótipos e preconceitos em razão da desinformação ainda estão ligados ao imaginário dos brasileiros quando se trata da região amazônica, inclusive por parte de seus próprios habitantes, os chamados amazônidas – indígenas, caboclos, ribeirinhos, e remanescentes quilombolas.

    DIVERSIDADE CULTURAL X ACULTURAÇÃO Outro aspecto importante dentro da temática indígena é a aculturação. Para o pesquisador da USP, esse é um problema que surge quando se remove a capacidade desses povos de terem história. "O Brasil não é o mesmo de séculos atrás, passamos por diversas transformações ao longo dos séculos, e essas populações se transformam também, mas sempre se vendo como povos indígenas", afirma. Segundo Neves, a história não é só passado, mas uma coisa dinâmica, que está acontecendo neste exato momento e, portanto, em constante transformação. "Os povos indígenas sempre estiveram em contato entre si e se modificaram. A questão de criar um falso dilema interessa a alguns grupos econômicos, que podem falar: olha, esses caras não são mais índios", explica.

    Para o arqueólogo o interesse por parte dos povos indígenas em reconstruir as informações de sua história vem mudando com o passar do tempo. "Antigamente não havia muito interesse porque, na verdade, os indígenas sabiam que viviam ali, e não precisavam daquela existência de objetos para atestar que a ocupação daquelas áreas era muito antiga. Mas hoje em dia, esse novo cenário político que se coloca, onde algumas terras indígenas são objeto de disputa, como no Tapajós, por exemplo, em que algumas barragens vão ter impacto sobre as terras indígenas, esse interesse tem mudado: os kaiapós, povo original da região, têm procurado parceria com arqueólogos para mostrar através da arqueologia também que a ocupação daquele território por eles é bastante antiga. Isso é uma coisa recente e que tem sido muito interessante", destaca.

    O desafio da arqueologia é grande. "Mesmo com a melhor equipe de arqueólogos em campo, este é um trabalho demorado, é um processo de construção do conhecimento. Acho que os arqueólogos têm uma boa parcela de responsabilidade por não termos uma tradição aqui no Brasil. A arqueologia está muito menos presente na nossa vida do que deveria estar", conclui.

     

    Cristiane Paião