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    Ciência e Cultura

    Print version ISSN 0009-6725

    Cienc. Cult. vol.64 no.4 São Paulo Oct./Dec. 2012

    http://dx.doi.org/10.21800/S0009-67252012000400005 

     

    REPRODUÇÃO HUMANA

    Cresce demanda por tratamento de infertilidade, mas o acesso é ainda caro e seletivo

     

    Em 1978 nascia a inglesa Louise Brown, primeira criança concebida a partir de embrião gerado em laboratório, ou o primeiro bebê de proveta, como ficou conhecida. Tal conquista médica serviu de esperança a inúmeros casais que sonhavam com filhos, mas que tinham dificuldades reprodutivas. Em mais de três décadas, essa prática médica, que passou a ser chamada de reprodução (humana) assistida, não parou de se desenvolver e é indicada a um número cada vez maior de pacientes.

    A cada ano ocorrem cerca de 2.500 procedimentos de reprodução assistida no Brasil, equivalente a um crescimento anual de 5 a 10% nos últimos cinco anos, informa o médico Édson Borges Júnior, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida e diretor do Centro de Fertilização Assistida Fertility, de São Paulo. O novo estilo de vida dos casais modernos, que adiam a gestação, é um dos motivos para esse cenário de maior busca por tratamento reprodutivo. "Antigamente as mulheres tinham filhos mais cedo, entre os 20 e 30 anos; hoje, retardam a maternidade, principalmente por causa de tarefas e compromissos profissionais, o que altera a fertilidade e reduz a possibilidade de engravidar", conta Ana Carolina Japur de Sá Rosa e Silva, docente do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP). Ela explica que, ao contrário dos homens (que produzem espermatozoides periodicamente), as mulheres possuem um número finito de gametas, cujo número diminui com o passar do tempo. "As pacientes que buscam o serviço de reprodução assistida pela primeira vez têm em média 38 anos, e depois querem ter outro filho aos 40, idade em que a quantidade de óvulos já declinou bastante", relata a médica.

    No quesito idade, muitas vezes a reprodução assistida tem papel pouco esperançoso. "Em geral, a chance média da reprodução assistida ser bem sucedida é de 30 a 40% nos casais até 40 anos; a partir dessa idade, essa chance cai para 20%, chegando a menos de 5% aos 42 anos", esclarece Rui Alberto Ferriani, docente e médico responsável pelo setor de Reprodução Humana do Hospital das Clínicas (HC) da FMRP.

    A fertilidade masculina também sofre alterações: "hoje, quando se analisa um espermograma (exame usado para avaliar a qualidade do sêmen), dificilmente encontra-se 90, 100 milhões de espermatozoides por mililitro de sêmen, o que era absolutamente normal há 30 anos", avalia Mário Cavagna, secretário da Comissão Nacional de Reprodução Humana da Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo). Como exemplo causal dessa alteração, ele acusa o consumo constante e prolongado de produtos com substâncias que comprovadamente interferem na saúde reprodutiva, como os agrotóxicos.

    Há vários outros pontos a se levar em conta no modo como se comporta a sociedade contemporânea, como "a presença de doenças sexualmente transmissíveis e aumento da obesidade", que elevam o risco de infertilidade, como descreve Carlos Alberto Petta, diretor do Centro de Pesquisas em Saúde Reprodutiva de Campinas e coordenador do Centro de Reprodução Humana do Hospital Sírio Libanês. Existe também o fator psicológico. "Muitos casais acreditam que a partir do momento em que decidem gerar descendentes, a gravidez ocorrerá, no máximo, em 2 a 3 meses, e ficam extremamente ansiosos em não ter êxito no tempo em que imaginavam", conta Liliana Seger, psicóloga clínica e professora de pós-graduação do curso de reprodução humana do Instituto Sapientae.

    FILA DE ESPERA Não existem números oficiais indicativos do número de casais brasileiros com problemas reprodutivos. Estima-se, porém, que, mundialmente, hoje "15 a 20% dos casais tenham dificuldade para gerar um filho em algum momento de sua idade reprodutiva", afirma Ana Carolina. O que se sabe é que a assistência reprodutiva brasileira aos casais inférteis ainda é muito pequena. O cenário nacional é de "uma enorme demanda reprimida: existe um grande número de pacientes que necessitam de reprodução assistida e não conseguem ter acesso a clínicas especializadas, sejam elas particulares (preços muito altos, de R$ 15 mil a R$ 20 mil) ou oferecidas em serviços públicos, que não comportam a quantidade de casais que os procuram", explica Cavagna, que também é diretor da Divisão de Reprodução Humana do Hospital Pérola Byington, única instituição em que o protocolo completo de reprodução assistida é totalmente custeado com verba pública, da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo. No entanto, "para atender a procura, o hospital teria que realizar 2 mil procedimentos por ano e só conseguimos fazer 300; há uma fila de espera de quatro anos para novos casos", lamenta.

    Apesar da Portaria 426/GM (2005) "instituir, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), a Política Nacional de Atenção Integral em Reprodução Humana Assistida, a ser implantada em todas as unidades federadas", como escrito no próprio documento, ela nunca foi implementada. Atualmente, o que se tem de contribuição do SUS é algo pequeno e pontual. No HC da FMRP, por exemplo, "o SUS não financia os procedimentos de reprodução assistida, embora esta seja uma aspiração de todos os serviços públicos que trabalham com isso", conforme notificou a superintendência do hospital. O panorama, porém, pode melhorar. Uma comissão de parlamentares está tentando uma audiência pública com a presença de representantes do Ministério da Saúde e de importantes sociedades brasileiras de reprodução para discutir o acesso realmente integral aos procedimentos de reprodução assistida por meio do SUS.

     

    Daniel Blasioli Dentillo