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    Ciência e Cultura

    versão impressa ISSN 0009-6725

    Cienc. Cult. vol.64 no.4 São Paulo out./dez. 2012

    http://dx.doi.org/10.21800/S0009-67252012000400006 

     

    ENTREVISTA

    Sérgio Mascarenhas: uma vida de atuação e esforços para o diálogo entre ciência e sociedade

     

     

    Um entusiasmo contagiante com a ciência, educação e sociedade. Essa é a marca que o carioca Sérgio Mascarenhas, professor titular aposentado do Instituto de Física e Química da Universidade de São Paulo (USP) de São Carlos, onde vive há mais de 50 anos, deixa em qualquer um que tenha o privilégio de ouvi-lo. Sua atuação na criação de instituições como o Departamento de Física da USP São Carlos, SBPC, Embrapa Instrumentação Agropecuária e Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), fazem de Mascarenhas, aos 84 anos, um cientista completo, cheio de projetos e ações para melhorar o acesso da sociedade ao conhecimento. Sua maior preocupação atual é com a educação brasileira, que considera viver um momento de "enorme injustiça social", na qual os mais pobres são duplamente prejudicados, porque pagam pelo estudo superior, enquanto os mais ricos estão nas universidades públicas.

    Ciência e Cultura – Como o senhor, tão ativo intelectualmente, coordenando projetos e criando patentes, vê as políticas de aposentadoria no Brasil?

    Sérgio Mascarenhas – Foram tomadas medidas, pelo menos recentemente, pela USP – não sei se também na ­Unesp e na Unicamp – que permitem ao professor aposentado, compulsório, usar os benefícios da universidade no que tange a equipamentos e infraestrutura, caso ele opte por dar aulas e fazer pesquisa. Na USP foi dado o nome de professor sênior. Sou totalmente a favor, porque o Brasil tem poucas pessoas experientes e a idade de aposentadoria no país, com o aumento da longevidade, ficou relativamente baixa. Isso é um benefício pessoal, mas não é um benefício social, porque, estando bem de saúde, a pessoa deveria poder dedicar mais tempo à universidade. Essa solução poderia ser melhorada propiciando aos professores aposentados algumas facilidades – sem os critérios restritos das leis trabalhistas – para que possam, por exemplo, receber diárias para viagens, no caso de estarem afastados da sede da universidade. E seria muito importante que se aumentasse a interação com o ensino a distância para que os professores aposentados pudessem participar de debates e aulas nesses cursos.

    Como equilibrar as atividades de pesquisa e ensino tendo em vista as metas de produção científica?

    Embora estatutariamente nas universidades públicas a função do professor seja tripla – docência, pesquisa e gestão administrativa –, é difícil encontrar, na mesma pessoa, capacidades iguais nas três áreas. Os concursos na universidade deveriam ser feitos para as diferentes áreas. Se o professor com atividade docente acredita que também possa fazer pesquisa então ele deve firmar um compromisso com isso, sempre sob avaliação, sob critérios definidos em um plano de trabalho, e receber um adicional. Desta forma, não será apenas uma obrigação, mas terá também um incentivo. O que está acontecendo é que as pessoas não fazem bem, em geral, pelo menos uma dessas coisas. A universidade precisa cair na real e reconhecer que existem essas três funções para a instituição como um todo, mas não para um docente individualmente, porque é impossível, muito raro, ter pessoas que exerçam bem as três funções.

    Como o senhor avalia o ensino superior brasileiro, considerando que há hoje maior acesso às universidades?

    Estamos enfrentando um dos mais sérios problemas da nossa educação superior. Temos 72% dos alunos nas universidades privadas onde, em geral, não se faz extensão e pesquisa. Elas se limitam a uma atividade vocacional, de formar engenheiros, médicos, historiadores, literatos... Então as universidades privadas não dão tudo que poderiam dar para a sociedade. Por outro lado, o panorama sociológico, socioeconômico do ensino superior do Brasil, com essa dicotomia entre universidades públicas e privadas, é que a classe mais pobre foi para a universidade privada e os mais ricos estão na universidade pública, o que é uma injustiça social. Estamos prejudicando duplamente a classe que tem menos recursos. Alguma coisa tem que ser feita. Não podemos ficar convivendo com esse problema que já dura mais de 40 anos, desde que as universidades privadas tiveram um grande aumento de alunado. Nós, que trabalhamos em educação, temos que pensar nesse problema e agir, propor soluções.

    As universidades públicas brasileiras valorizam o papel social do cientista e têm atuado socialmente?

    A educação que damos para as classes sociais superiores nas universidades públicas favorece certo egocentrismo, em que a universidade vira uma torre de marfim desligada da sociedade. Acho que todo professor, aluno e funcionário das universidades públicas tem que ter seus olhos voltados para fora da universidade. Os problemas de saúde, da educação básica, da logística, da tecnologia e da inovação são graves. Somos realmente um país em desenvolvimento, de baixo conteúdo tecnológico. Recebemos uma herança maldita dos 500 anos de colonização e a aceitamos sem qualquer sentimento de culpa: a escravatura, o machismo, a tremenda dependência social das classes mais pobres. Convivemos com isso com conforto. A universidade precisa ter uma interação com a escola pública. Em São Carlos, temos um programa educacional no Instituto de Física, dirigido pelo Instituto de Estudos Avançados (IEA), com a universidade e a escola pública, com resultados muito bons, em que alguns professores e alunos de graduação, e até de pós-graduação, dedicam parte do tempo aos professores das escolas fundamentais, criando um clima de solidariedade e de conhecimento. Não existe muita diferença entre o conhecimento gerado no ensino fundamental e no superior, no sentido de que ambos são necessários para a sociedade.

    A educação tem sido sua maior preocupação atualmente.

    Tenho uma ligação muito forte com o problema da educação fundamental, porque fui aluno do Anísio Teixeira. Embora a educação superior seja muito importante, estamos naquela fase, do país em desenvolvimento, que temos que consertar o avião em pleno voo. Vou cuidar só da educação fundamental? Não posso fazer isso. Temos que tratar da educação técnica, da educação superior avançada. O problema é que temos uma simultaneidade de problemas, que exige um tratamento muito especial e urgente que entenda de sistemas complexos. O caminho do Brasil tem que ser o caminho da ciência, tecnologia e inovação juntamente com o humanismo.

     

    Germana Barata