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    Ciência e Cultura

    versión impresa ISSN 0009-6725

    Cienc. Cult. vol.64 no.4 São Paulo oct./dic. 2012

    http://dx.doi.org/10.21800/S0009-67252012000400009 

     

    RESENHA

    A ignorância que move a ciência

     

    "Cientistas usam a ignorância para planejar suas pesquisas, identificar o que precisa ser feito e definir os rumos dos seus projetos. A ciência progride por meio da ignorância. Ao invés de perder tempo formulando hipóteses, os cientistas deveriam focar no desconhecido, nas questões em aberto em suas áreas de atuação. Quando mal administrada, a ignorância na ciência pode ser limitante".

    Tais citações e conselhos, que certamente causam estranhamento, quando não desconforto, estão no livro Ignorance – How it drives science, de autoria de Stuart Firestein, publicado este ano pela Oxford University Press. Firestein, professor de neurologia da Universidade Columbia, nos Estados Unidos, começa sua argumentação a favor da ignorância como motor de propulsão da atividade científica citando um velho provérbio: "É muito difícil achar um gato preto em um quarto escuro, especialmente quando não há gatos".

    Foi em sala de aula que Firestein percebeu a importância, pouco explorada, ao menos para o público em geral, do papel da ignorância na ciência. Utilizando um livro didático de quase 1.500 páginas e pesando duas vezes o peso de um cérebro humano, ele notou que suas aulas de neurologia conduziam os alunos à falsa impressão de que sabe-se tudo em neurociência. "Isso não poderia ser mais equivocado", escreve.

     

     

    Após essa revelação, Firestein estruturou um curso de ciência devotado à e intitulado "Ignorância", iniciado em 2006. Em cada uma das sessões, um cientista é convidado a falar aos estudantes o que não se sabe em sua área, o que gostaria de se saber, o que é crítico para se entender, como pesquisar os pontos ainda desconhecidos, o que é impossível de se conhecer, por que querem saber, e muito mais. "Em resumo, eles falam sobre o estado atual de sua ignorância", escreve.

    Astrônomos, químicos, ecólogos, geneticistas, matemáticos, neurobiólogos, físicos, estatísticos e zoólogos, entre outros, já participaram do curso. Foram tais estudos de caso sobre a ignorância que move a ciência que inspiraram Firestein a escrever o livro, que se baseia em uma definição menos pejorativa da ignorância, não como estupidez e falta de informação, e sim como uma condição particular do conhecimento: "a ausência de fato, insight ou clareza sobre algo".

    Na primeira parte, Firestein explica as ideias centrais do livro: fatos servem para acessar a ignorância do cientista em sua área, conhecimentos aparentes podem retardar o progresso (cita a frenologia como exemplo), fatos enquadrados como de sucesso ficam refratários à revisão (diferentes regiões da língua representam diferentes sensibilidades), limites, incertezas e impossibilidades da ciência, falha e perigo das predições dos rumos que a ciência deveria tomar e, por fim, estratégias utilizadas pelos cientistas para abordar a ignorância.

    Já na segunda parte, o autor narra quatro histórias que iluminam particularidades da ignorância e sua importância no desenvolvimento científico, nas áreas de psicologia cognitiva, física teórica, astronomia e neurociência.

    Ironicamente (considerando o título do livro), Firestein errou a nacionalidade da neurocientista brasileira Suzana Herculano-Houzel, assim como o número de neurônios e de células gliais no cérebro calculado por seu grupo.

    Erros a parte, o livro leva a uma reflexão sobre o processo de produção do conhecimento científico. Trazendo exemplos de diversas áreas, como biologia, matemática e física, o autor consegue, no entanto, chamar a atenção para o fato de que a busca incessante pelo conhecimento, pelo viés da ignorância, contribuiu para uma visão mais humilde do processo de construção do conhecimento.

     

    Cristina Caldas