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    Ciência e Cultura

    versão impressa ISSN 0009-6725

    Cienc. Cult. vol.64 no.4 São Paulo out./dez. 2012

    http://dx.doi.org/10.21800/S0009-67252012000400020 

     

    CINEMA ÁRABE

    Produções contam histórias de revolução, amor e diversidade cultural

     

    Conflitos políticos, revolução, pobreza – mas também amor, família e até futebol. Esses temas perpassam o cinema árabe que, apesar de sua longa história, ainda é pouco conhecido por um público mais amplo no Brasil. A exibição de filmes árabes ainda está restrita a mostras e festivais de cinema, ao setor de filmes de arte nas locadoras de vídeo, e raramente entram no circuito comercial. "O cinema árabe tem longa tradição e excelentes produções, mas é pouco visto no país, a não ser por distribuições esporádicas ou eventos", afirma Soraya Smaili, diretora cultural do Instituto da Cultura Árabe (ICArabe) e idealizadora da Mostra Mundo Árabe de Cinema (MMAC). A boa notícia: tais mostras estão aumentando, trazendo mais produções e chamando a atenção de um público cada vez maior.

    A própria MMAC é um exemplo disso. Realizada há sete anos na capital paulista, começou exibindo apenas seis filmes. Em sua última edição, exibiu 32 produções. Além disso, este ano o evento trouxe ao país a mostra "Mapeando a subjetividade", apresentada no Museu de Arte Moderna de Nova York (EUA), que exibiu filmes clássicos e raros do Oriente Médio. O Brasil é o primeiro país da América Latina a receber a mostra. A MMAC também se expandiu para outras cidades, tendo sido realizada em Brasília (DF) e Belo Horizonte (MG) em 2011, e no Rio de Janeiro (RJ) em 2012.

     

     

    Em São Paulo também acontece outra mostra de cinema árabe, o Festival Cinema do Oriente Médio – realizado desde 2007 com o nome Mostra de Cinema Imagens do Oriente (IMO) –, que exibe o que há de mais recente na produção cinematográfica da região. E, no começo deste ano, Brasília fez a primeira edição de sua mostra de cinema árabe, a Imagens do Oriente Médio, que fez parte do 1º Festival Internacional de Artes de Brasília.

    O público que participa dessas mostras também aumentou. E, de acordo com as curadoras dos eventos, recebem muito bem as produções árabes. "Existe um estranhamento que dificulta a compreensão, porque o cinema árabe tem uma linguagem própria a qual o público muitas vezes não está acostumado. Então, o espectador tem uma surpresa com essa diferença, mas é uma surpresa agradável, que traz um desafio – o desafio de compreender o diferente. E isso faz parte do processo de aproximação entre o público e o cinema (e, de modo mais amplo, a cultura) árabe", aponta Arlene Clemesha, professora de história árabe, diretora do Centro de Estudos Árabes da USP, e curadora da mostra Imagens do Oriente de Brasília.

    A PRIMAVERA E O CINEMA Esse crescimento, porém, não deve ser interpretado como um boom do cinema árabe. Arlene ressalta que não há um aumento anormal dessas produções cinematográficas, mas sim um crescente interesse de público em buscar filmes que retratem a realidade e a diversidade da região. A Primavera Árabe – série de movimentos populares que luta por mudanças políticas e justiça social – é uma das motivações para tornar tais exibições mais atrativas. O movimento iniciou-se em 2010, na Tunísia, e atingiu seu ápice em 2011, com a derrubada do ditador egípcio Hosni Mubarak. "Vivemos um momento de transformações em toda parte e, fortemente, nos países árabes, e há enorme interesse da sociedade brasileira em conhecer essa cultura e a recente produção cinematográfica desses países", explica Soraya. Mas o interesse do público pelo cinema da região surgiu antes da Primavera Árabe, pós 11 de setembro, com os atentados nos Estados Unidos, que levaram a uma maior exposição na mídia sobre o Oriente, estimulando a curiosidade pela cultura árabe", explica a curadora.

    Essas revoluções e conflitos marcam não só a história do Oriente Médio mas, também, sua produção cinematográfica. É o caso de Nascido em 25 de janeiro (Egito-2011), de Ahmad Rashwan. O documentário retrata o início da revolta popular no Egito que derrubou o ditador Mubarak. "Com esse filme é possível entender porque os jovens egípcios lotaram a Praça Tahrir (praça central da capital do Egito), entre outras coisas", diz Soraya.

    Muito antes dessa onda, o filme Crônica dos anos de ira (Argélia-1975), dirigido por Mohammed Lakhdar-Hamina, já mostrava os eventos que levaram à guerra de independência da Argélia, e se tornou a primeira produção árabe premiada com a Palma de Ouro no Festival de Cinema de Cannes. Essa realidade de guerras e revoluções é muito forte no cinema árabe, mas as produções são também muito ricas ao retratar outras faces dessa cultura, não tão expostas ao olhar usual da mídia, explica a curadora.

    REVOLUÇÃO E FUTEBOL É o caso de filmes cujo foco está na vida cotidiana, em histórias amorosas e nos gostos populares, como o futebol, por exemplo. O documentário Sobre futebol e barreiras (Brasil-2011), dirigido por quatro brasileiros liderados por Arturo Hartman, que desde 2005 trabalha como repórter retratando assuntos ligados ao Oriente Médio, usa a Copa do Mundo de 2010 como pano de fundo para discutir questões-chave da história e da sociedade local.

    A QUESTÃO FEMININA Situações cotidianas, até mesmo banais, e espaços bem particulares servem de cenário para discussões profundas sobre política, sociedade e religião. Estrelas em plena luz do dia (Síria-1988) e Caramelo (França/Líbano-2007) seguem esse modelo, contando histórias envolventes e universalmente reconhecidas. O primeiro, um clássico do cinema árabe, retrata como um casamento duplo se torna um verdadeiro drama quando uma das noivas foge e a outra se recusa a casar. Através da relação dos personagens, desvela-se a fragilidade das relações familiares, mostrando a violência do poder arbitrário em uma sociedade patriarcal e fazendo uma forte crítica política. Caramelo, comédia que teve grande repercussão no Ocidente, mostra o cotidiano de cinco mulheres que se encontram frequentemente em um salão de beleza para discutir assuntos íntimos, mas acaba por fazer um retrato sutil do papel da mulher na sociedade árabe e coloca em debate questões sociais e culturais.

    Ao contrário do que se imagina, as mulheres ocupam lugar importante como atrizes, diretoras e produtoras. "As mulheres têm aumentado muito sua participação no cinema. E as produções vão retratar esse perfil, que é ativo, e não passivo, tanto na sociedade quanto no cinema", afirma Arlene. Diretoras como Jocelyn Saab, Rania Attieh, Joana Hadjithomas, Rania Stephan, Maha Maamoun, Maysoon Pachachi, Nadia El Fani e Nadine Labaki são bons exemplos da presença feminina nas produções árabes, que alcançaram reconhecimento internacional.

    A discussão do papel da mulher árabe no cinema e na sociedade tem lugar de destaque nas produções. Amor abortado (França-1983) retrata a mudança do status social e econômico da mulher no Egito através do relato de mulheres de diferentes classes e profissões. O documentário foi realizado para a Conferência de Igualdade de Gênero, de 1985, realizado em Pequim. Câmeras abertas (Síria/Reino Unido-2009), da diretora Mausoon Pachachi, é outro documentário que aborda essa questão, mostrando o olhar feminino por meio das lentes fotográficas de cinco mulheres iraquianas.

    Mas talvez o filme mais emblemático da questão feminina seja Dunia (Líbano/Egito/França-2006). No filme, a protagonista sonha em ser bailarina e poeta, mas sua expressão é inibida por sua crença de que uma mulher não pode mover o corpo sensualmente. "Ao contrário do que se imagina sobre a mulher árabe, Dunia é o emblema da importância da descoberta emancipadora, do universo feminino, da beleza pura e ao mesmo tempo digna", afirma Smaili.

     

    Chris Bueno