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    Ciência e Cultura

    Print version ISSN 0009-6725

    Cienc. Cult. vol.64 no.4 São Paulo Oct./Dec. 2012

    http://dx.doi.org/10.21800/S0009-67252012000400021 

     

    Reflexões sobre as tendências da redistribuição espacial da população no Brasil, à luz dos últimos resultados do Censo Demográfico 2010

    José Irineu Rangel Rigotti

     

    Como há evidências de que as migrações no Brasil sofreram alteração de suas tendências históricas, especialmente a partir de meados dos anos 1980, as informações censitárias sobre as migrações permitem a identificação e comentários de alguns cenários possíveis, da redistribuição espacial da população.

    Levando em conta as 27 unidades federativas do Brasil, os dados revelam que o volume de migrantes de data fixa (1) aumentou de 4,2 milhões no período 1986/1991 para 5,2 milhões em 1995/2000; porém diminuiu para 5,0 milhões entre 2005/2010. Isso mostra diminuição relativa do contingente de migrantes interestaduais, uma vez que houve aumento da população brasileira, especialmente naquelas idades de maior propensão a migrar – adultos jovens. No entanto, tal observação não deve esconder o fato de que o número de migrantes intraestaduais aumentou de 8,9 milhões, no período 1986-1991 para 9,5 milhões, no quinquênio 2005-2010.

    Tal diminuição das migrações interestaduais refletiu-se nos saldos migratórios. Em quatro das cinco regiões, ocorreu diminuição dos volumes dos saldos, quer seja onde houve ganhos de população, quer seja onde houve perdas líquidas, mostrando que, nestes níveis de agregação geográfica, há redução do papel da componente migratória para o crescimento demográfico. Entre aquelas unidades que tradicionalmente apresentaram migração líquida positiva enquadram-se as regiões Norte, Sudeste e Centro-Oeste, enquanto o Nordeste continuou perdendo população, especialmente para o Sudeste.

     

     

    Entretanto, houve uma exceção a este comportamento geral, uma vez que a região Sul passou, de perdedora líquida de população para um ganho substancial, ainda mais se levando em conta seu saldo negativo de 185 mil pessoas, entre 1986 e 1991. Este ganho deve-se, exclusivamente, aos constantes saldos migratórios positivos de Santa Catarina, que atingiram a marca de 174 mil pessoas, no período 2005 a 2010 – um dos maiores do segundo quinquênio do século XXI. Isso ajuda a explicar as constantes e cada vez mais significativas perdas do Rio Grande do Sul, uma vez que ocorreu expressivo aumento dos fluxos deste estado para Santa Catarina.

    Tal comportamento, de aumentos gradativos e sustentados nos ganhos líquidos de população, só foi repetido em Goiás, que apresentou a maior TLM Taxa Líquida de Migração (2) – de 3,56% – do país e o segundo maior saldo, no período 2005/2010, sendo atualmente uma das mais importantes áreas de atração do Brasil.

    Colocados em perspectiva, cabe indagar se mesmo as unidades da federação com ganhos migratórios constantes prosseguirão com esses níveis, no futuro. A experiência histórica tem demonstrado que mesmo as unidades espaciais com destacado ganho líquido de população tendem, no decorrer do tempo, a experimentar redução em seus saldos.

    Tomando como base as tendências históricas, é possível que nas próximas décadas as áreas que exerceram atração sobre grandes volumes de migrantes no passado continuem a perder participação relativa de seus contingentes populacionais no total do país. Há uma tendência de diminuição dos saldos líquidos positivos e, consequentemente, das TLM, em unidades como São Paulo, Tocantins, Mato Grosso e Distrito Federal. Isso significa que estas unidades da federação, apesar de atraírem população, experimentam relativo enfraquecimento no poder de atração e absorção da população migrante, em que pese o expressivo saldo migratório do caso paulista, com ganhos de mais de 300 mil pessoas, entre 2005 e 2010, mas bem menores do que aqueles três milhões dos anos 1970, e mesmo comparado às quase 750 mil pessoas, entre 1986 e 1991. Considerando a tendência histórica, esse estado deve continuar com queda em suas TLM, mas de forma bem gradativa, dado seu peso populacional e seu histórico poder de atração, uma situação que dificilmente mudará abruptamente.

    Mato Grosso, Mato do Grosso do Sul e Tocantins, áreas com participação expressiva das atividades agropecuárias, parecem ter estabilizado seus ganhos populacionais. No caso do Distrito Federal, certamente sua dinâmica migratória relaciona-se fortemente com aquela do estado de Goiás, que tem sido uma área de atração também para aqueles que deixam a capital federal. Este é um fenômeno nos moldes das grandes regiões metropolitanas brasileiras, cujas sedes perdem população para o entorno mais imediato.

    Muitos outros estados apresentam histórico de ganhos líquidos de população desde meados dos anos 1980, porém, dificilmente se reverterão em grandes áreas de atração populacional nas próximas décadas. Tanto em termos absolutos quanto relativos, Rondônia, Amazonas, Roraima, Amapá e Tocantins, na Região Norte, sofreram redução dos saldos e da participação destes na população. O caso de Rondônia é particular. Pode-se especular que este estado provavelmente sentirá os impactos das obras das usinas hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, o que deverá favorecer os saldos migratórios positivos, mesmo por algum tempo após o término das obras.

    Parece que obras de infraestrutura e a exploração de recursos naturais estão incrementando os ganhos populacionais ou até mesmo revertendo antigas perdas em algumas áreas, uma vez que estados como Rio de Janeiro, Espírito Santo e Sergipe, onde as indústrias petrolíferas e de gás natural possuem expressiva participação nas economias locais, experimentaram saldos migratórios positivos, no quinquênio 2005-2010. Mesmo assim, com exceção do Espírito Santo, as TLM são próximas de zero.

    No outro extremo, as tradicionais áreas de evasão, principalmente o Nordeste, também devem continuar a experimentar diminuição gradativa do ritmo de perdas líquidas. De fato, houve uma tendência de diminuição dos saldos migratórios negativos, como na Paraíba, Pernambuco, Bahia, Minas Gerais e Paraná. Contudo, alguns dos estados mais pobres do Nordeste tendem a continuar com expressivas perdas populacionais, como Alagoas, Maranhão e Piauí. Estes situam-se entre aqueles com as mais expressivas perdas populacionais do país.

    Em face do quadro delineado anteriormente, tudo apontaria para uma tendência geral de redução da mobilidade populacional no país, ao menos no nível de unidades da federação. Mas tal conclusão parece precipitada, à luz de alguns outros resultados do próprio Censo Demográfico 2010.

    A INTENSIFICAÇÃO DOS MOVIMENTOS DE CURTO PRAZO A seguir, analisamos um fenômeno relativamente pouco conhecido no Brasil: os movimentos de retorno que ocorrem dentro de um curto prazo de tempo – neste caso, os quinquênios captados pelos recenseamentos, independentemente dos migrantes serem ou não naturais das unidades da federação. A forma de tratamento das informações censitárias que permitem esse tipo de análise são explicadas em detalhes em alguns textos, e não serão detalhadas neste artigo (3).

    A relevância desse tipo de mobilidade reside no fato de que esses migrantes retornados, em um curto prazo, não contribuem para o saldo migratório e, portanto, não estavam incluídos nas análises anteriores. Os dados dos censos de 1991 e de 2000 mostraram que essa modalidade de movimento vinha ganhando importância no Brasil (Rigotti, 2008). Com a recente divulgação dos dados da amostra do Censo Demográfico 2010, torna-se possível averiguar se esse tipo de mobilidade continuou se intensificando. A tabela 2 mostra os migrantes que residiam em determinada UF no início de cada quinquênio e para ali retornaram antes do final do período.

     

     

    No quinquênio de 1986-1991, o volume de imigrantes interestaduais de retorno de curto prazo somava pouco menos de 580 mil pessoas no Brasil, ou seja, 10,4% do total de migrantes de última etapa (4), com menos de 5 anos de residência. Este contingente aumentou 156,9% (para quase 1,5 milhão de pessoas) no período seguinte, correspondente a 22,3% do total. Chama atenção o fato de que todas as unidades da federação, sem exceção, experimentaram aumentos percentuais substanciais desse tipo de mobilidade, sendo que os maiores ocorreram naqueles estados cuja participação era menor, no primeiro quinquênio considerado. Alguns destaque são: os estados da região Norte, área de ocupação mais recente; bem como o estado de São Paulo, com o maior volume entre todas as unidades da federação e aumento relativo de 289,7%, entre os dois períodos; e também o Mato Grosso, com o maior aumento relativo, se desconsideramos os estados da região Norte. Portanto, há fortes evidências de que o início deste novo século foi marcado pela intensificação dos movimentos migratórios interestaduais de ida e volta, em curto período de tempo.

    Os dados do Censo Demográfico 2010 revelam que houve um aumento de cerca de 350 mil imigrantes retornados de curto prazo, quando se compara o período 2005-2010 com o anterior, 1995-2000. Relativamente mais modesto do que o aumento verificado entre os dois primeiros quinquênios, os dados do período 2005-2010, no entanto, mostram que a proporção de retorno de curto prazo no Brasil sobre o total de migrantes do quinquênio (28,3%) é ainda maior.

    Em termos de aumento relativo, destacam-se o Distrito Federal (173,0%) e o Amazonas (133,0%), enquanto em números absolutos, São Paulo novamente se destaca, com aumento de 63 mil pessoas, seguido por Minas Gerais (43 mil pessoas), Goiás (41 mil pessoas), Rio de Janeiro (34 mil pessoas) e Distrito Federal (32 mil pessoas). Em contrapartida, também ocorreram casos de diminuição do número de retornados de curto prazo, como em Rondônia, Tocantins, Piauí, Paraíba e Mato Grosso. Vale notar que, em todo o país, apenas no Tocantins e Paraíba houve diminuição relativa de migrantes de retorno de curto prazo. Em outras palavras, a intensificação desta modalidade de migração foi muito consistente, ainda que seu grande salto tenha se dado no último quinquênio do século passado.

    Parece haver uma relação inversa entre a participação de retornados de curto prazo e o histórico dos saldos migratórios, isto é, onde houve grandes perdas líquidas de população no passado, esta participação é maior, e vice-versa. Enquanto os três maiores percentuais de migrantes de curto prazo se encontram no Rio Grande do Sul, Ceará e Bahia, os três menores se localizam em Santa Catarina, Tocantins e Amapá.

    Em resumo, as informações analisadas deixam clara a tendência de redução do volume dos saldos migratórios interestaduais, tanto positivos quanto negativos, fato acompanhado também pela regionalização dos fluxos e emergência de novas formas de mobilidade, como vêm ressaltando vários autores (Cunha e Baeninger; 2005; Baeninger, 2008; Rigotti, 2006 e 2008; entre outros). Paradoxalmente, tudo leva a crer que a mobilidade populacional se intensificou, constituindo-se em uma tendência deste início de século.

    CONSIDERAÇÕES FINAIS Na última década do século passado, os estudiosos das migrações no Brasil se depararam com novas formas de mobilidade, que ainda estão longe de ser totalmente elucidadas. Sinteticamente, no início do milênio, o conjunto das TLM das regiões apresentadas neste artigo mostra que, proporcionalmente, o Centro-Oeste foi quem mais atraiu população de outras regiões, seguido pelas regiões Norte e Sudeste. Na região Sul, o estado de Santa Catarina é o grande destaque, atraindo pessoas do Paraná e Rio Grande do Sul, haja vista o saldo praticamente nulo da região como um todo. Continuando a histórica incapacidade de reter população nas suas fronteiras regionais, o Nordeste continuou com perdas líquidas, embora, tudo indique que alguns de seus estados estejam atraindo migrantes da região.

    Do ponto de vista dos fluxos de população, a incapacidade das áreas de destino em reter os migrantes por longos períodos, como na fase de urbanização acelerada, a maior rotatividade migratória, transformações nas regiões metropolitanas e emergência de novas áreas de retenção de migrantes marcam a virada do milênio.

    Este artigo procurou lançar luzes em alguns desses aspectos, levantando informações mais recentes, que apontam para um provável recrudescimento da mobilidade espacial dos migrantes, paradoxalmente acompanhada pela diminuição dos saldos migratórios interestaduais, especialmente aqueles de mais longa distância.

    Muitas das questões aqui levantadas e analisadas precisam ser aprofundadas, com novos estudos baseados nos resultados da amostra do Censo Demográfico 2010. Certamente muitas das questões ainda não respondidas poderão ser analisadas mais profundamente nos próximos anos, mas a aparente diminuição da mobilidade populacional entre unidades da federação que muitos creditam ao arrefecimento dos saldos migratórios não foi confirmada, ao contrário, os indícios sugerem que ela tenha aumentado, ainda que com novos contornos.

     

    José Irineu Rangel Rigotti é professor de demografia do Cedeplar/Universidade Federal de Minas Gerais.

     

    NOTAS

    1. Corresponde aos migrantes que, há cinco anos, não residiam na UF onde moravam na data do recenseamento.

    2. Proporção do saldo migratório do quinquênio 2005-2010 em relação à população recenseada em 2010.

    3. O leitor interessado encontrará os detalhes nos textos: de Carvalho e Rigotti (1998), Rigotti (1999) e Rigotti (2008), referenciados na bibliografia abaixo.

    4. Corresponde aos migrantes com menos de cinco anos de residência na UF, com cinco anos ou mais de idade.

     

    BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

    Baeninger, R. "Rotatividade migratória: um novo olhar para as migrações no século XXI". Anais do XVI Encontro Nacional de Estudos Populacionais, Caxambu, 2008.

    Becker, Bertha k. Geopolítica da Amazônia, São Paulo:Garamond: 2006.

    Carvalho, J. A. M de.; Garcia, R. A. "Estimativas decenais e quinquenais de saldos migratórios e taxas líquidas de migração do Brasil, por situação do domicílio, sexo e idade, segundo unidade da federação e macrorregião, entre 1960 e 1990, e estimativas de emigrantes internacionais do período 1985-1990". Cedeplar/UFMG, 2002.

    Carvalho, J.A. M. de. & Rigotti, J.I.R. "Os dados censitários brasileiros sobre migrações internas: algumas sugestões para análise". Revista Brasileira de Estudos Populacionais, São Paulo, Vol. 15, n.2, 1999.

    Cunha, J. M. P. "(Des)continuidades no padrão demográfico do fluxo São Paulo/Bahia no período 1970/91: qual o efeito da crise?" Revista Brasileira de Estudos da População, Campinas: Abep, Vol.16, n.1/2, p.83-98.1999.

    _____. "A migração no Brasil no começo do século 21: continuidades e novidades trazidas pela Pnad 2004". Parcerias Estratégicas. Brasília, n. 22, p.381-439. 2006.

    _____. e Baeninger, R. "Cenários da migração no Brasil nos anos 90". Cadernos do CRH. Salvador, Vol. 18 nº 43. 2005.

    Rigotti, J.I.R. "Técnicas de mensuração das migrações: aplicações aos casos de Minas Gerais e São Paulo". Tese de doutorado em demografia. Cedeplar/UFMG, 1999.

    Rigotti, J. I. R. "A geografia dos fluxos populacionais brasileiros". Estudos Avançados, São Paulo, Vol.20, n.57, p.237-254. 2006.

    Rigotti, J.I.R. (2008). "A (re)distribuição da população brasileira e possíveis impactos sobre a metropolização". In: 32º Encontro da Anpocs. Caxambu.

    Rigotti, J. I. R. "Información de los censos demográficos del Brasil sobre migraciones internas: críticas y sugerencias para el análisis". Notas de Población, Santiago, nº 88, 2010.

    Rigotti, J. I. R. Dados censitários e técnicas de análise das migrações no Brasil: avanços e lacunas. In: Cunha (Org.) Mobilidade espacial da população: desafios teóricos e metodológicos para o seu estudo. Nepo/Unicamp, Campinas, 2011.