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    Ciência e Cultura

    versão impressa ISSN 0009-6725

    Cienc. Cult. vol.65 no.1 São Paulo jan. 2013

    http://dx.doi.org/10.21800/S0009-67252013000100006 

     

    OBESIDADE

    Problema exige ações de educação e controle da publicidade para deter incidência em crianças e jovens

     

    L'enfant gras (A criança gorda), escrito em preto sobre um fundo cinza fosco rarefeito: em primeiro plano, um rosto infantil, arredondado, com certa expressão de felicidade pueril. Trata-se do quadro do italiano Amedeo Modigliani, feito em 1915, quando a gordura na criança era um sinal de vitalidade e força. Desde meados da década de 1980, contudo, a obesidade infantil vem sendo considerada um sério problema pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

     

     

    Ao trazer imagens de bebês que bebem refrigerantes todos os dias, crianças com exames médicos com resultados semelhantes aos de idosos enfermos, alunos de escolas públicas e privadas que não sabem diferenciar uma batata de uma cebola, a documentarista Estela Renner mostra, em Muito além do peso, a seriedade do problema no Brasil. Quase um século após o quadro de Modigliani, um médico entrevistado no documentário vaticina ser a obesidade infantil uma pandemia mundial.

    Muito além do peso foi um dos finalistas da última Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. O cenário que o filme traça é preocupante, para crianças, pais e sociedade. De acordo com o documentário, no Brasil, 33% das crianças são obesas. Quatro de cada cinco delas deverão manter-se assim até o fim da vida.

    "Nos últimos anos, tem havido um crescimento exponencial da obesidade infantil no Brasil e no mundo", afirma Durval Damiani, endocrinologista do Instituto da Criança, ligado ao Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP). "O Brasil saltou do problema da desnutrição para o outro oposto, o da obesidade", afirma.

    Para a professora Elza de Mello, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que é chefe do serviço de nutrologia do Hospital das Clínicas de Porto Alegre, as consequências desse problema são sérias. "Hoje já temos crianças que, em função da obesidade, apresentam pressão alta, diabetes e problemas ortopédicos", explica. "Além disso, a criança obesa tem dificuldades sociais e muitas são vítimas de bullying", aponta.

    Some-se a esse contexto a dificuldade com o próprio corpo, de praticar esportes e de se sentir bem em grupo. A pressão que a própria sociedade exerce sobre o indivíduo, tendo como padrão a magreza, é outro fator a complicar a situação.

    FALÊNCIA NO SISTEMA PÚBLICO De acordo com Damiani, as consequências não se resumem, porém, a impactos na vida de crianças, mas trazem preocupações adicionais para a sociedade. "Se a obesidade infantil não for controlada, vai onerar muito o sistema de saúde. No limite, pode levar esse sistema à falência", adverte.

    "As doenças relacionadas à obesidade levam a um maior gasto em relação à saúde pública", concorda Mello. "Além disso, é preciso um esforço da sociedade para se adaptar ao obeso, tendo em vista que essas crianças apresentam necessidades próprias", acredita.

    Esforço esse que, muitas vezes, é pouco visto no Brasil. "Existe uma crença arraigada na sociedade de que o obeso tem mais peso porque não tem força de vontade", acredita a professora Mariana Zambon, da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Para ela, "parte da sociedade ainda não acredita que a obesidade seja um problema sério e não sabe como tratar o problema".

    PREOCUPAÇÃO GERAL O combate à obesidade infantil é uma questão discutida atualmente por governos do mundo inteiro e alguns já formulam políticas públicas para combater o problema. Entre as principais ideias estão a regulação de propagandas televisivas sobre comidas gordurosas voltadas para o público infantil, a criação de impostos sobre comidas que não fazem bem à saúde e a colocação de etiquetas que alertem o quanto de gordura existe em cada alimento.

    Em 2011, após longos debates, a Dinamarca impôs uma "fat tax" ("imposto sobre gordura"), de modo a onerar os alimentos mais gordurosos. Após sofrer diversas críticas na imprensa local, o governo dinamarquês se viu obrigado a derrubar o imposto ao final de 2012, como parte de um pacote de medidas negociado com a oposição.

    Damiani diz que políticas restritivas como impostos não são a melhor forma de combater a obesidade. "Muitos alimentos que não fazem bem à saúde, como bolachas e biscoitos de polvilho, são muito baratos, diferente dos alimentos que são mais saudáveis", diz ele. "Um imposto vai aumentar o preço, mas se a pessoa quiser consumir o alimento gorduroso vai consumir de qualquer modo, mesmo porque o preço depois do imposto não será tão diferente assim", argumenta.

    BARATEAR O SAUDÁVEL Para Mello, o que poderia ser feito seria baratear a alimentação saudável. "Talvez o ideal fosse tirar os impostos sobre frutas e verduras", sugere. "Hoje o que o ocorre é que o alimento saudável é mais caro. Reduzir impostos sobre essas comidas poderia contribuir para que as pessoas se alimentassem melhor". Para Zambon, "a tentativa de criar impostos é válida, mas nenhuma ação sozinha resolve o problema".

    Já o controle de propagandas dirigidas à população infantil foi implementado como política pública em regiões do Canadá e na Suécia. Na província de Quebec foi instituído, no início da década de 1980, o Quebec Consumer Protection Act, que proíbe a veiculação de propagandas de alimentos nos horários em que crianças costumam assistir mais à televisão. A Suécia adotou normas ainda mais rígidas: proíbe qualquer propaganda televisiva com apelo comercial dirigida ao público infantil.

    As primeiras pesquisas sobre os efeitos da lei em Quebec, surgidas na última década, mostram que houve progressos no combate à obesidade infantil. Contudo, não há evidências conclusivas que permitam afirmar que a redução do número de crianças obesas se deve somente à lei ou a uma conjunção de fatores, que inclui o alto grau de educação dos canadenses.

    Medidas como essa dividem os especialistas brasileiros. "O apelo de propagandas sobre alimentos é de fato muito explorado, mas nunca fui a favor da proibição pura e simples", diz Damiani. Para o médico da USP, a questão tem muito mais a ver com educação do que com o que é veiculado na televisão. "As escolas em geral não educam para a alimentação. Se educassem, as crianças e os pais saberiam o que é uma alimentação saudável e os números de obesidade infantil não seriam tão significativos", defende.

    Elza Mello vê a questão de um modo diferente. Para ela, as pessoas que assistem muito TV já têm propensão a ser sedentárias. Por isso, "criar regulação que proíba propaganda em um horário determinado ou a associação de desenhos com alimentos seria um modo de controle eficaz", afirma.

    ETIQUETAGEM A colocação de etiquetas em alimentos para indicar o quanto de gordura eles têm é outra política pública sobre a qual não há consenso. Em países como a Inglaterra, é comum que os alimentos recebam uma etiqueta, na qual o consumidor pode se informar a respeito da quantidade de gordura presente. Etiquetas verdes, amarelas e vermelhas, cores tradicionais de sinais de trânsito, são colocadas para indicar o quanto de gordura o alimento carrega.

    Damiani afirma que essa política é educativa e que, em vez de proibir, informa o consumidor sobre as consequências da escolha que ele está fazendo ao comprar o alimento. "As pessoas não têm que ser proibidas de comer, têm que ser educadas e a etiquetagem traz informações muito relevantes", defende Elza.

    Para ela, "embora colocar etiquetas seja importante, talvez não seja tão eficaz porque é difícil para parte da população raciocinar com números. "A pessoa sabe o quanto de gordura está consumindo quando come um determinado alimento, mas é um pouco ilusório acreditar que ao fim do dia ela irá saber o quanto de gordura ingeriu", argumenta.

    Damiani considera que a obesidade infantil não é mais um problema localizado. "Existem crianças obesas em todas as classes sociais", indica. Em meio a números alarmantes, o debate sobre políticas públicas que combatam o que é visto como uma doença crônica, embora distante de um consenso, tem aumentado nas universidades.

    Mariana Zambon ressalta ser necessário mudar a alimentação que é oferecida na rede pública de ensino. "A merenda escolar foi instituída em um período no qual o principal problema era a desnutrição. Hoje, estamos em uma situação bastante diferente", explica a profissional da Unicamp.

     

    Ricardo Manini