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    Ciência e Cultura

    versão impressa ISSN 0009-6725

    Cienc. Cult. vol.65 no.1 São Paulo jan. 2013

    http://dx.doi.org/10.21800/S0009-67252013000100007 

     

    NEUROCIÊNCIA

    Toxoplasmose crônica pode manipular comportamento

     

    A província japonesa de Fukuoka ficou conhecida, recentemente, como um paraíso para os gatos: centenas deles podem ser vistos pelas ruas e praias, onde moradores os alimentam e os mantêm vivendo à vontade. O que parece uma simples afeição pelos felinos pode esconder uma relação de manipulação voltada para a sua preservação.

    Há pouco mais de uma década pesquisas têm demonstrado que os gatos podem influenciar o comportamento de outros animais, especialmente roedores, sua principal presa, atraindo-os para si. Esse feito, porém, é involuntário aos felinos – quem estaria no comando da atração é o protozoário Toxoplasma gondii, causador da toxoplasmose.

    Normalmente, esse parasita vive no intestino de gatos sem causar nenhum dano. As formas infectantes, cujos precursores são eliminados junto com as fezes felinas, podem contaminar água e vegetação, sendo sua ingestão responsável pelo desenvolvimento da toxoplasmose (doença que também pode ser contraída pelo consumo de carnes mal passadas), principalmente em mamíferos. O ciclo da doença se completa quando roedores consomem alimentos infectados, levando ao aparecimento de cistos de T. gondii, sobretudo nos tecidos muscular e cerebral. Ao alimentar-se de uma presa infectada, o gato passará a portar o parasita.

     

     

    MANIPULAÇÃO A descoberta, retratada em 2000 por pesquisadores da Universidade de Oxford, do Reino Unido (Proc. Biol. Sci, Vol.267, no.1452), revela que, uma vez alcançando o cérebro, o parasita se instala em regiões específicas e "altera a atividade neuronal em áreas conhecidas como hipotálamo e amígdala, associadas ao comportamento animal de defesa", explica Antônio Pereira Jr., professor do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). O roedor, assim, perde o senso de perigo e acaba tornando-se alvo fácil para seu predador. "Além disso, o parasita modifica a atividade de áreas associadas com a atração sexual", conta. A via neural responsável pelo interesse quanto ao sexo oposto também passa pela amígdala e hipotálamo, gerando sinais de odor que incitam aproximação para a cópula, confundindo os roedores. Para Pereira, isso explica um mecanismo evolutivo importante por parte do parasita, permitindo sua reprodução contínua no intestino de felinos.

    O que vem intrigando os pesquisadores, diz Pereira, é que apesar de existirem "evidências conclusivas de manipulação comportamental apenas em roedores, únicos a serem testados de maneira rigorosa até agora, o T. gondii tem capacidade de modular circuitos cerebrais que usam dopamina (comum em mamíferos) como neurotransmissor". Assim, os humanos seriam passíveis de sofrer algum tipo de alteração neural que influenciaria seu comportamento.

    Estudos recentes corroboram essa hipótese sugerindo haver relação entre a presença do parasita no cérebro de humanos e maiores chances destes virem a cometer suicídio, homicídio e até desenvolverem esquizofrenia.

    Uma das frentes de pesquisa de Pereira também chama a atenção: efeitos culturais relacionados a populações com a alta prevalência do Toxoplasma. "Quem sabe se o comportamento peculiar dos protetores e amantes de gatos, que chegam a ter vários animais em casa, como acontece em várias cidades brasileiras, não pode ser explicado dessa maneira (manipulação comportamental)? Afinal, é de interesse do parasita que seu hospedeiro seja preservado".

    Fukuoka certamente seria um bom estudo de caso para investigação.

     

    Daniel Blassioli Dentillo