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    Ciência e Cultura

    Print version ISSN 0009-6725

    Cienc. Cult. vol.65 no.1 São Paulo Jan. 2013

    http://dx.doi.org/10.21800/S0009-67252013000100017 

     

    Matérias em tramitação no Congresso Nacional, sob o tema "faixa de fronteira"

    Marcia Anita Sprandel

     

    Em novembro de 2012, a partir da pesquisa por assunto "faixa de fronteira", e pelo recorte "Projetos de Lei (PL)" e "Propostas de Emenda à Constituição(PEC)", nos sites de busca de matérias legislativas do Senado e da Câmara dos Deputados, estavam em tramitação nas duas casas do Congresso Nacional 4 PECs e 22 PLs, num total de 26 (vinte e seis) matérias.

    A faixa de fronteira está definida no § 2º, do art. 20 da Constituição Federal (1) e tem como legislação infraconstitucional a Lei nº 6.634, de 2 de maio de 1979 (2) , que dispõe sobre a faixa de fronteira, altera o Decreto-Lei nº 1.135, de 3 de dezembro de 1970, e dá outras providências.

    As propostas de Emenda à Constituição são tentativas de alterar a Carta Magna. Em função de sua importância, precisam de trâmite específico, quórum qualificado e concordância das duas casas (ou seja, o texto não pode ser alterado pela casa revisora) para serem sancionadas. Diferentemente dos Projetos de Lei, as PECs não podem ser vetadas pela Presidência da República.

    A análise das quatro PECs em tramitação no Congresso, aponta que duas delas têm o mesmo texto e mesmo objetivo, reduzir a atual faixa de fronteira de 150 km para 50 km. Inicialmente, o senador Sérgio Zambiasi (RS) apresentou a PEC 49/2006. Dois anos depois, o deputado federal Jorge Mendes Ribeiro Filho (PMDB/RS), apresentou a mesma PEC na Câmara dos Deputados, como PEC 235/2008.

    Não é a toa que as matérias tenham sido apresentadas por parlamentares do Rio Grande do Sul, uma vez que este é um debate que tem mobilizado aquele estado (3). De um lado, a Associação Gaúcha de Empresas Florestais (Ageflor) (4), a Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs), e a Associação dos Municípios da Fronteira Oeste do Estado, apoiados por setores políticos e acadêmicos. Do outro, o Ministério da Defesa e Movimento Gaúcho em Defesa do Meio Ambiente, apoiados por outros setores políticos e acadêmicos.

    Da leitura das PECs, suas justificações e dos pareceres elaborados pelos relatores nas Comissões de Constituição e Justiça (CCJ) das duas casas, percebe-se, no mínimo, a defesa de dois argumentos: uma faixa de fronteira nos moldes da CF de 1988, pensada como de defesa nacional, não se coadunaria mais com o momento alto, de integração regional e globalização; e existe uma faixa de fronteira dinamizada, ao sul do país, e outra – na região amazônica – onde o sentido de defesa ainda seria necessário.

    Assim, na justificativa de sua PEC, Zambiasi afirma que o texto constitucional e a norma infraconstitucional em vigor (Lei 6634/79) (5) se encontram em descompasso com a realidade internacional:

    De resto, a própria Constituição de 1988 foi concebida ainda sob os influxos da Guerra Fria, em contexto totalmente alheio à realidade presente. Vivemos o tempo da integração regional e da construção de blocos econômicos. O tecido mais sensível para que se apliquem tais dinâmicas é, em verdade, a faixa de fronteira, que hoje se vê engessada e relegada economicamente à hipossuficiência, diante da legislação que ora pretendemos atualizar. Hoje, os mecanismos de segurança, controle e informação instantânea dos quais dispõe o Estado transformam a legislação brasileira de faixa de fronteira em obsoleta e comprometedora do desenvolvimento regional. As regiões fronteiriças são sacrificadas pela geografia e pela história. Não há mais razão para que o sejam também pelo direito e pela política.

     

     

    O relator da PEC 49/2006 na CCJ, senador Epitácio Cafeteira (PTB/MA), concorda com a tese da necessidade de ressignificação das fronteiras em um mundo globalizado:

    Com a intensificação do processo de globalização, verificado sobretudo após o fim da Guerra Fria, passamos a viver em um "mundo sem fronteiras". Sabemos que, especialmente após o advento da internet, muitas atividades e transações entre atores internacionais são realizadas a despeito da existência de fronteiras físicas entre os países em que se encontram. Além disso, conceitos tradicionais como o de soberania vêm sofrendo transformações em seu conteúdo. Diante dessas constatações, não há como negar a necessidade de rever antigos paradigmas que levaram o Estado brasileiro a fixar a faixa de fronteira em cento e cinquenta quilômetros de largura. A faixa de fronteira está tradicionalmente ligada à defesa nacional e, mais precisamente, tem o cunho de proteger o território estatal de eventuais ataques de forças estrangeiras. Entretanto, não deve estar alheia à ideia de desenvolvimento regional. De fato, não há mais como persistir o atual limite para a faixa de fronteira, tal como estabelecido na Constituição, ignorando-se as mudanças provocadas no Estado brasileiro pelo fenômeno da globalização, bem como pelo processo de integração regional.

    No entanto, o senador Cafeteira propõe uma diferenciação entre o tratamento a ser dados às fronteiras que ele denomina de "centro-sul" e de "centro-norte do país". Sugere, neste sentido, que permaneça existindo uma faixa de fronteira de até 150 km de largura ao largo das fronteiras terrestres localizadas ao norte de Mato Grosso do Sul e de 50 km de largura nos demais estados, incluindo Mato Grosso do Sul. Assim justifica sua decisão:

    Entendemos, nesse sentido, que as fronteiras do centro-sul do território brasileiro – por serem diretamente atingidas pelo processo de integração, notadamente mais intenso nessas regiões, e sobretudo em virtude de sua alta densidade populacional – devem ter disciplina diferenciada em relação às fronteiras do centro-norte, cujas especificidades locais ainda justificam a manutenção da extensão atual (baixo povoamento nas fronteiras, relativa ausência do Estado, presença de recursos naturais supostamente cobiçados por estrangeiros, entre outras).

    A PEC 49/2006 foi aprovada na forma do substitutivo do senador Cafeteira e encontra-se pronta para ser votada pelo plenário do Senado e enviada para a casa revisora.

     

     

    Enquanto isso, sua congênere na Câmara dos Deputados, a PEC 235/2008, do deputado Mendes Ribeiro Filho, teve seu parecer pela admissibilidade, consoante relatório do deputado José Genoino (PT/SP). No entanto, como a matéria não chegou a ser discutida, foi arquivada no final da última legislatura e desarquivada pelo autor, que se reelegeu deputado federal. Atualmente, encontra-se novamente em exame na CCJ da Câmara, tendo como relator o deputado Sibá Machado (PT/AC), que ainda não produziu seu relatório.

    A leitura do parecer do deputado Genoíno (6), no entanto, é importante para uma maior compreensão da complexidade do debate e dos motivos da demora na tramitação das duas PECs. Após afirmar a admissibilidade da matéria, o parlamentar começa a discorrer sobre o que chama de "contornos de complexidade especial que o tema apresenta". Passa a discorrer, a partir daí, sobre Nota Técnica contrária elaborada pelo Ministério do Exército.

    Segundo o relator, a Nota Técnica busca desconstruir a afirmativa de que a atual largura da faixa de fronteira estaria em descompasso com a realidade internacional de hoje, utilizando os seguintes argumentos:

    No que concerne aos interesses da defesa externa, devido ao fato de as ameaças serem imprevisíveis, mesmo na atualidade do pós-Guerra Fria, qualquer redução nessa faixa implicará restrições ao Exército quanto às Estratégias da Presença e da Dissuasão, devendo importar em incremento das pressões de organizações estrangeiras, principalmente ONGs, sobre atividades militares em Terras Indígenas (TI) e Unidades de Conservação (UC), o que resultará na limitação de um dos poucos instrumentos de controle do Estado em extensa área do território nacional, dessa forma favorecendo o "aprofundamento da desnacionalização indesejável (sem controle estatal), o que constituirá...dificuldade adicional no caso de defesa externa", ao que acrescento a observação de que isso preocupa muito mais em se tratando de Amazônia, cabendo acrescentar que o estreitamento proposto com a PEC ensejará a necessidade de se vir a obter permissão de lideranças locais, o que afetará "diretamente o sigilo das operações, notadamente em TI, pós a Declaração da ONU sobre Direitos dos Povos Indígenas", ao que também acrescento a observação de que o Brasil fez as ressalvas fundamentais relativas a tal Declaração, sendo certo, só por tais razões, que a redução proposta é de todo inconveniente aos interesses nacionais no campo de nossa indispensável defesa;

    No que concerne à cooperação com o desenvolvimento nacional, os limites atuais da nossa faixa de fronteira facilitam o "cumprimento da Diretriz da Política de Defesa Nacional (PDN) referente à vivificação da faixa de fronteira, sobre a qual incidem programas de incentivos do governo federal, que na área da defesa são traduzidos no Programa Calha Norte, Projeto Rondon, ações cívico-sociais das Forças e outras advindas da cooperação com outros setores governamentais...";

    No que concerne à Garantia da Lei e da Ordem (GLO), sendo que o Exército opera na faixa de fronteira sob os auspícios das Leis Complementares nºs 97, de 1999, e 117, de 2004, a redução da faixa inibirá a "atuação do Exército contra os ilícitos transnacionais...tendendo a estimular o agravamento rápido dessas situações, já que fugirão totalmente ao controle do Estado";

    No que concerne à "vedação da prática de determinados atos na faixa de fronteira sem o assentimento prévio do Conselho de Defesa Nacional (CDN), em conformidade com o inciso III do §1º do art. 91 da CF/88..." é de todo conveniente aos interesses nacionais e do Exército Brasileiro que essa regra perdure, o que resultaria prejudicado na hipótese de redução da faixa;

    No que concerne à Política de Defesa Nacional, estabelecida nos termos do Decreto nº 5.484, de 2005, esta deve nortear também a avaliação da PEC em questão, pois essa política se assenta, especialmente na premissa de que, "apesar do longo período que separa o país de conflitos que pudessem ter impacto direto no território nacional, não seria prudente imaginar que o Brasil não possa vir a enfrentar situações de antagonismos ou disputas em defesa de seus legítimos interesses, provocados, principalmente, pelo grandioso potencial de bens e riquezas de que dispõe".

    Além disso, o Ministério do Exército apresenta os seguintes argumentos para a rejeição da PEC:

    "Modificar a legislação que dá suporte à faixa de fronteira nacional, considerando-se só o aspecto econômico como vetor de integração regional, como apresentado pelo autor, se mostra pouco conveniente, pois os aspectos estratégicos, de segurança e políticos têm relevância destacada no arco fronteiriço do país, conforme preconizado na Política de Defesa Nacional vigente".

    "O Brasil estabelece fronteira com quase todos os países da América do Sul, desde a época do Império, quando consolidou sua base territorial, situação esta que reforça as necessidades de exercer acentuada vigilância naquelas importantes áreas...".

    "Cabe salientar que o atual disciplinamento legal da matéria não inviabiliza a ocupação e a exploração racionais das terras e bens nela situados, nem exclui o direito de propriedade de quem as possui".

    As outras duas PECs (PEC 6/2009 e PEC 409/2009) tratam, respectivamente, da criação de um Fundo de Desenvolvimento para os Municípios de Fronteira e da possibilidade da criação de uma polícia de segurança federal, que teria entre suas atribuições exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras.

    Para fins desta análise, apenas a PEC 6/2009 apresenta interesse, uma vez que em sua justificativa a autora, senadora Marisa Serrano (PSDB/MS), afirma que "há problemas de desenvolvimento socioeconômico em vários municípios fronteiriços". Seu relator na CCJ, senador Antonio Carlos Junior (DEM/BA), apresentou substitutivo determinando que os recursos do fundo a ser criado não devem ser repassados aos municípios, mas sim destinados (1) a empréstimos para os agentes econômicos dos municípios fronteiriços e (2) ao financiamento de obras de infraestrutura que facilitem o escoamento da produção. Também acatou emendas do senador Romero Jucá (PMDB/RO), que ampliam os benefícios do fundo para os municípios da área da faixa de fronteira, e não apenas àqueles localizados na área limítrofe da fronteira. Desta forma o fundo passa à denominação de Fundo de Desenvolvimento dos Municípios da Faixa de Fronteira.

    Nas duas casas, projetos de lei que incidam sobre a temática da fronteira são de mérito das respectivas Comissões de Relações Exteriores e Defesa Nacional.

    Desta forma, conforme o Regimento Interno do Senado Federal, art. 103, inciso V, compete à Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional emitir parecer sobre forças armadas de terra, mar e ar, requisições militares, passagem de forças estrangeiras e sua permanência no território nacional, questões de fronteiras e limites do território nacional, espaço aéreo e marítimo, declaração de guerra e celebração de paz (Const., art. 49, II).

    Nos termos do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, compete à Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional apreciar matérias referentes a, entre outros campos temáticos ou áreas de atividade, assuntos atinentes à faixa de fronteira e áreas consideradas indispensáveis à defesa nacional.

    Vale ressaltar que no Senado Federal, no âmbito da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, funciona a Subcomissão Permanente da Amazônia e da Faixa de Fronteira – Crepaff, cujo presidente é o senador Mozarildo Cavalcanti (PTB/RR) e vice-presidente a senadora Ana Amélia (PP/RS).

    No entanto, dos 22 projetos identificados, nem todos tem como temática principal a faixa de fronteira, daí o porquê de sua tramitação em outras comissões de mérito.

    Numa classificação temática aleatória (ou seja, que não coincide com aquelas da tramitação legislativa), pode-se identificar que desses 22 projetos, 5 tratam de incentivos fiscais às regiões fronteiriças; 5 buscam modificar a legislação referente à presença de estrangeiros em regiões de fronteiras ou no capital de empresas que ali atuem; 3 pretendem alterar a faixa de fronteira; 3 pretendem ampliar prazos para ratificação de terras na faixa de fronteira; 2 propõe políticas nacionais e estatutos; 2 estão referidos à questões de segurança pública; e 2 ao subsolo.

     

    Marcia Anita Sprandel é antropóloga, assessora técnica do Senado Federal. Integra o Comitê de Migrações Internacionais da Associação Brasileira de Antropologia.

     

    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

    1. Art.20, São bens da União:

    § 2º - A faixa de até 150 km de largura, ao longo das fronteiras terrestres, designada como faixa de fronteira, é considerada fundamental para defesa do território nacional, e sua ocupação e utilização serão reguladas em lei.

    2. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6634.htm

    3 Sobre a mobilização no Rio Grande do Sul a favor da redução da faixa de fronteira ver, no site da Assembleia Legislativa daquele estado:
    http://www2.al.rs.gov.br/forumdemocratico/Not%C3%ADcias/Not%C3%ADcia/tabid/3240/IdOrigem/1/IdMateria/276756/Default.aspx

    Os posicionamentos contrários podem ser encontrados no mesmo site, no endereço:
    http://www2.al.rs.gov.br/noticias/ExibeNoticia/tabid/5374/IdMateria/208004/language/pt-BR/Default.aspx

    4. O debate da redução da faixa envolve hoje interesses de segmentos de florestamento e celulose. Um exemplo é a empresa sueco-finlandesa Stora Enso, que adquiriu áreas localizadas na faixa de fronteira e depende de liberação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e do aval para a exploração do Conselho de Defesa Nacional (CDN), que é responsável por aprovar projetos que estejam situados na faixa de 150 quilômetros.

    5. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6634.htm

    6. Disponível em http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=577998&filename=Parecer-CCJC-19-06-2008

    7. Projeto de Lei (PL) – denominação comum a todos projetos de lei que tramitam na casa, independentemente de sua origem (Câmara ou Senado).

    Projeto de Lei da Câmara (PLC) – denominação que recebem os projetos de lei originários da Câmara dos Deputados, quando em tramitação no Senado Federal.

    Projeto de Lei do Senado (PLS) – denominação dada a projetos de lei de autoria de senadores ou senadoras, quando em tramitação no Senado Federal.