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    Ciência e Cultura

    Print version ISSN 0009-6725

    Cienc. Cult. vol.65 no.1 São Paulo Jan. 2013

    http://dx.doi.org/10.21800/S0009-67252013000100023 

    TEATRO

    O efêmero eternizado pelos novos registros eletrônicos

     

    Diversas artes são caracterizadas pelo efêmero. Elas têm local e hora para acontecer. Passada essa janela de tempo e espaço elas deixam de ser a expressão artística na sua forma pura, restando, entretanto, registros e vestígios dessas artes efêmeras que são os espetáculos de dança, de música, happenings e de teatro. Porém, aos poucos, esses vestígios estão se popularizando com o uso de recursos que permitem o registro em formatos mais duradouros. Esses registros, apesar de não serem a arte em si, servem para popularizar e democratizar os espetáculos, engajam novos públicos (principalmente os mais jovens) e, no caso do teatro, servem até mesmo para a formação de novos atores, diretores e técnicos, e, inclusive, para que as companhias – de teatro, dança e música – consigam, eventualmente, algum suporte financeiro durante os intervalos entre os espetáculos que saem e entram em cartaz.

    "O teatro é caracterizado pelo instante. Cada apresentação tem características diferentes, pois a interação entre os atores e a plateia é única. Cada apresentação é quase um novo espetáculo. Além do momento, o espaço do palco é singular, imprime suas peculiaridades nesse tipo de arte, que vai desde a movimentação dos atores, a ênfase nas falas, e mesmo na construção da espacialidade determinada pelas luzes, sombras e objetos em cena", explica Tallita Freitas, pesquisadora do Núcleo de Estudo em História Social da Arte e da Cultura (NEHAC) da Universidade Federal de Uberlândia (UFU).

    Filmar um espetáculo não é criar algo totalmente novo, pois usa a base teatral para compor um objeto híbrido. Mas não é nem teatro nem televisão. Os formatos desse tipo de material vêm se modificando para tentar chegar a uma espécie de objeto midiático que seja mais que um registro, pura e simplesmente, e passe a ser um material de acesso ao teatro, mas com qualidades próprias.

    "A câmera fixa, que simplesmente registrava o palco em um enquadramento amplo era o formato mais comum até pouco menos de 10 anos atrás quando novas experiências começaram a ser testadas", aponta Tallita. "No Brasil, um dos primeiros materiais com essa característica mais dinâmica é o espetáculo 7 minutos de Antônio Fagundes. No registro em vídeo dessa peça já há elementos da estética televisiva de forma mais perceptível. Há cortes, edição e um trabalho de composição mais refinado", diz a pesquisadora.

    "Na verdade, pouco tempo antes do projeto com Fagundes, adaptei um outro espetáculo de Antunes Filho para o formato de vídeo. A diferença foi que o diretor, nesse caso, me deixou completamente livre para fazer as adaptações necessárias. A conversas foram mais focadas com o elenco, que já tinha uma grande noção de que seria um processo diferente. O projeto com Antônio Fagundes, entretanto, foi mais complexo do ponto de vista do produto final e do objetivo e passou por reuniões com os atores e diretor para definição da produção. E havia um objetivo claro de lançar o produto pela 'Globo Marcas' na época, ou seja, havia um apelo comercial claro", relata Antônio Carlos Rebelo, diretor de televisão e uma das referências na área sobre o assunto.

    TELETEATRO Rebelo, aliás,­ é um dos precursores desse tipo de registro do efêmero no Brasil. Diretor da TV Cultura de São Paulo, foi responsável pelo Teleteatro, da emissora. No modelo tradicional, o programa partia de planos amplos, valorizando o espaço do palco. A TV Cultura também foi uma das primeiras a registrar espetáculos de dança e apresentações de música erudita.

    "Na minha concepção a televisão tem que ter essa função educativa também. As novelas no país têm qualidade incomparável no cenário internacional. Mas trazer novos formatos para o público é importante. Esse público que assiste TV acaba tendo contato com o teatro e o movimento que se espera é que eles descubram algo novo e procurem ir ao teatro para conhecer essa expressão artística. A diferença está principalmente na maior complexidade – de textos, de intenções e atuações, por exemplo – que o teatro oferece", explica Rebelo.

     

     

    PRECONCEITO E ACEITAÇÃO O registro em vídeo e sua readequação à linguagem televisiva ainda não é unanimidade. Parte dos diretores e atores ainda veem com reticência o processo. "Durante a minha pesquisa, por volta de 2007, a ideia geral era de que esse tipo de produto – ou subproduto – não era algo interessante para aqueles que trabalhavam com o teatro. Muitos afirmavam que era o tipo de relação 'parasitária', que esse tipo de produção roubaria o público do teatro. Cinco anos depois tenho a impressão que há uma menor rejeição do registro e comercialização do teatro adaptado para o vídeo. Mas isso talvez porque as iniciativas são recentes no país", observa Tallita.

    "Na França, EUA e Japão esse tipo de produção é muito bem aceita. Registros de ópera, por exemplo, são facilmente encontrados nesses mercados. Mesmo no Brasil há um público que já está acostumado e procura esse tipo específico de produto", completa. "Aqui os espetáculos que têm maior aceitação do público amplo são as comédias. O Terça Insana foi um relativo sucesso comercial. Agora novos gêneros parecem ganhar maior atenção".

    "Na França, onde fiz intercâmbio profissional, em meados da década de 1970, já havia o interesse por registros de teatro em vídeo. Eles entendiam que era uma forma de educar e formar público. No Brasil, além da TV Cultura, o Sesc tem um grande trabalho nessa linha. Em um trabalho recente chegamos a captar mais de 300 horas de espetáculos de dança para o acervo do Sesc, algo importante como registro histórico, mas que atinge também as pessoas que não tiveram acesso à apresentação in loco", diz Rebelo que trabalha agora em outro projeto ambicioso para o Ministério da Cultura: fazer o registro e editar em moldes televisivos uma série de 10 peças teatrais para serem exibidas na televisão.

    INDO AONDE NÃO HÁ TEATRO O que se pode dizer é que esse novo formato venceu a resistência inicial dos diretores e atores e, aos poucos, o público também passa a se familiarizar com esse tipo de produto. E a tecnologia avança para atrair cada vez mais pessoas interessadas dos dois lados da questão. Se o registro em vídeo e a comercialização já não são novidades, outros canais de distribuição também ganham destaque.

    CENNARIUM.COM Um deles é a internet que, com opções de maiores velocidades e equipamentos de acesso – como computadores, tablets e smartphones – cada vez mais baratos, também entra na equação de popularização do teatro em vídeo. Já há portais se especializando em distribuir os vídeos de peças teatrais gravadas no formato streaming, onde os espectadores assistem on line aos espetáculos. E, ao invés de comprar ou alugar um DVD, elas podem pagar uma mensalidade e assistir a um número pré-programado de peças.

    "A ideia é complementar esse processo da distribuição dos vídeos de teatro. O público que se interessa por esse tipo de produto muitas vezes não tem outra opção para assistir as peças. No Brasil nem toda cidade tem um teatro, por exemplo. Então é importante que esses indivíduos tenham opções, tanto para formação do público, como para a formação dos atores, que podem assistir produções profissionais", afirma Cleston Teixeira, diretor de conteúdo de um desses serviços, o cennarium.com.

     

     

    De acordo com Teixeira, passada a resistência inicial, as companhias de teatro viram nesse tipo de iniciativa uma ótima oportunidade de divulgar seu trabalho para centros urbanos que ficam longe dos mercados tradicionais. "É uma forma de democratizar as produções teatrais e chega a dar algum retorno financeiro, para companhias que podem ficar meses sem um espetáculo enquanto montam a próxima peça. Nesse meio tempo as peças gravadas servem tanto como material promocional como fonte de algum recurso", explica.

    Há também outros modelos se consolidando paralelamente a tudo isso, como os impulsionados por demandas educativas que chegam às companhias teatrais e que fazem surgir espetáculos direcionados – como adaptações de obras de literatura – que são captados em vídeo e comercializados para as escolas através da internet, por exemplo. "Além do retorno econômico captado junto ao público, a outra forma de fomento tradicional das companhias de teatro eram os incentivos de programas governamentais. Com essas novas opções proporcionadas pelas tecnologias, há outras formas dessas companhias – e isso inclui diretores, atores, técnicos e outros profissionais envolvidos – se manterem de diversas outras formas", pondera Teixeira.

     

    Enio Rodrigo Barbosa