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    Ciência e Cultura

    versión impresa ISSN 0009-6725

    Cienc. Cult. vol.65 no.1 São Paulo enero. 2013

    http://dx.doi.org/10.21800/S0009-67252013000100025 

    PATRIMÔNIO

    Acervo brasileiro permanece esquecido pelo governo e pela população

     

    Praças, parques, matas, ilhas, paisagens, centros históricos. O Brasil possui 19 sítios considerados patrimônio histórico da humanidade pela Unesco. Trata-se de um acervo variado, repleto de arquiteturas, monumentos, obras artísticas, áreas de preservação ecológica e cultura popular. As áreas reconhecidas pela Unesco vão da Cidade Histórica de Ouro Preto (MG) – primeira a ser reconhecida pela organização – até as paisagens cariocas entre a montanha e o mar – o sítio mais recente, reconhecido este ano – passando pelas ruínas de São Miguel das Missões (RS), o plano piloto de Brasília (DF) e a Serra da Capivara (PI).

    Apesar do reconhecimento internacional, essas áreas sofrem com a má preservação, a falta de políticas públicas de conservação e manejo, e até o desconhecimento da maioria da população sobre sua história. Tal variedade, indicativa de grande riqueza cultural, acaba por se constituir num problema para a preservação e o manejo. "Conservar centros históricos, como os de Salvador, Maranhão e Goiás, não é o mesmo que preservar a Missão Jesuítica de São Miguel, no Rio Grande do Sul. A conservação de áreas protegidas, como as reservas da Mata Atlântica, do Cerrado e do Pantanal, demanda conhecimentos científicos e políticas de conservação e gestão que não são equivalentes àquelas exigidas pela Praça de São Francisco, em São Cristóvão (SE)", salienta o historiador Lúcio Menezes, professor e pesquisador do Laboratório Multidisciplinar de Investigação Arqueológica da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL).

     

     

    DESCASO NO PELOURIHO Apesar do reconhecimento internacional, pouco tem sido feito em prol deste vasto patrimônio histórico e cultural. Para o governo brasileiro estes são locais estratégicos, sob a alçada de órgãos como o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que regulamenta as fases de obtenção de licença ambiental para as obras de engenharia que impactem ou destruam o patrimônio arqueológico. Mesmo assim, esse rico patrimônio histórico sofre com a falta de investimento e de ações concretas para sua preservação e manejo.

    São muitos os relatos de depredação e descaso. Um caso emblemático é o do Pelourinho (BA), um verdadeiro símbolo nacional, que sofre com o descaso e a violência. A ausência de programação cultural, a criminalidade e a má conservação do Pelourinho chamaram a atenção até da organização World Monuments Fund, que trabalha pela proteção de monumentos e patrimônios ao redor do globo. A instituição, que visitou 30 cidades em todo o planeta, listou neste ano o centro histórico de Salvador como um dos patrimônios mundiais mais ameaçados pelo descaso governamental ou pela ação da natureza.

    Por outro lado, alguns sítios sofrem degradação justamente pelo excesso de visitação. É o caso de Ouro Preto (MG). "Os locais mais frequentados, como Ouro Preto, enfrentam uma ação destrutiva oriunda da própria visitação intensa, assim como a reconstrução de edifícios para usos muito distantes dos originais, na forma de cafés ou outros afins", explica o historiador Pedro Paulo Abreu Funari, professor do Departamento de História da Unicamp.

    Pode-se dizer que existem dois lados de uma mesma moeda no patrimônio histórico e cultural brasileiro. Em uma face, estão os locais mais conhecidos e frequentados e que, portanto, acabam recebendo mais incentivos do governo. Na outra, estão os sítios menos conhecidos e visitados, que muitas vezes são esquecidos pelo governo e recebem pouco – ou nenhum – recurso. "Ouro Preto, grande símbolo do país, conta com uma atenção especial e tem recebido muitos investimentos. O Parque da Serra da Capivara, em meio ao sertão, não recebe tantos turistas, é imenso e exigiria recursos muito mais urgentes, mas ressente-se da falta de verbas e atenções", aponta Funari.

    Mas em um ponto os dois cenários se unem: na falta de planejamento para seu manejo. Os sítios mais populares sofrem depredação pela visitação intensa e falta de estrutura. Já os menos conhecidos sofrem com o abandono. Nas duas situações, o planejamento é fundamental. As ações de planejamento podem contribuir não apenas para melhorar a visitação e a estrutura para receber os turistas, mas também para a arrecadação de recursos que poderiam ser revertidos para a própria preservação dos sítios, além de contribuir especialmente para a conscientização da população em conhecer e conservar parte de sua cultura e sua identidade.

    "Não basta ter título, não basta ter reconhecimento internacional, não basta fazer parte de uma lista, é preciso ter projeto, grandes ações, e que devem ser ações do Estado e não de entidades privadas que se beneficiam de reduções de impostos ou de propaganda, mas algo permanente e de longa duração com envolvimento dos representantes das comunidades atingidas pelas decisões políticas", aponta a arqueóloga Neli Galarce Machado, professora e Coordenadora do Setor de Arqueologia e do Centro de Memória, Documentação e Pesquisa da Univates.

    O PATRIMÔNIO E O POVO Outro grande desafio para a preservação desses sítios é envolver a própria população residente acerca da riqueza do acervo histórico e cultural. A maioria dos brasileiros desconhece o vasto patrimônio nacional – até mesmo quando mora nele. "Não é preciso nem mesmo fazer uma etnografia para saber que boa parte da população que convive cotidianamente com os centros históricos simplesmente desconhece que eles são chancelados pela Unesco como patrimônio da humanidade", afirma Menezes.

    Não é possível pensar na conservação e no manejo desses sítios sem considerar a população que vive neles. Segundo os pesquisadores, não adianta apenas incentivar o turismo ou conquistar título internacional de patrimônio histórico, assim como não se podem criar projetos de restauração ou preservação sem antes consultar os próprios moradores dessas áreas, incentivar sua participação e respeitar sua realidade. "Um dos principais desafios que os gestores e moradores dessas áreas enfrentam é viver neles, viver com cautela, viver com segurança e sustentabilidade. O que exige programas permanentes de educação patrimonial, ambiental e ações educativas com a comunidade e especialmente com os turistas e interessados no tema", aponta Machado.

    As políticas públicas de patrimônio cultural devem considerar, portanto, as representações e cosmologias das comunidades. E a população local deve estar envolvida na gestão dos bens e dos sítios, para que esse patrimônio seja efetivamente preservado, conhecido e reconhecido como parte da cultura. "No mundo todo, o grande segredo para o êxito na preservação está na incorporação das pessoas, algo que nem sempre é prioritário na nossa prática. Com isso, é possível envolver as pessoas, diminuir os custos econômicos e maximizar os resultados educacionais e culturais", afirma Funari.

    DESAFIO MUNDIAL O problema, porém, não é exclusivo do Brasil, onde preservar sua história é um desafio constante. Recentemente, o governo italiano encabeçou uma polêmica ao aceitar financiamento de uma única empresa privada para realizar a restauração do Anfiteatro Flaviano – o conhecido Coliseu. O fato levantou um debate fervoroso não apenas sobre corrupção e mau uso do dinheiro para conservação do patrimônio do país, como também expôs o péssimo estado de preservação que muitos locais históricos na Itália, como o Palácio Dourado de Nero, que teve parte do telhado e do jardim destruído em 2010, e Pompeia, cujas ruínas do edifício conhecido como "Casa dos Gladiadores" desabou no mesmo ano. A situação do Coliseu é especialmente grave pois também corre o risco de ver alguns setores desabarem.

    Em contraponto, a União Europeia tem ostentado exemplos notáveis de conservação, restauro e investigação de locais históricos (reconhecidos ou não pela Unesco), por meio do "Prêmio do Patrimônio Cultural da União Europeia". Em 2012, foram premiados 27 exemplos considerados notáveis, como a recuperação total do Edifício Averof, na Grécia, uma das mais importantes obras do neoclassicismo europeu, que hoje abriga as instalações da escola de arquitetura da Universidade Técnica Nacional; e o programa educativo da Fundação Norueguesa do Patrimônio, em que professores e alunos participaram na limpeza e na recuperação de pequenos marcos nas florestas. Além disso, no ano passado foi realizada pela primeira vez uma votação que recompensou com um prêmio público um dos melhores exemplos de recuperação de uma cidadela europeia, atribuído ao projeto fortificações de Pamplona, na Espanha. Os prêmios contam com o apoio do Programa Cultura da UE, que já investiu, desde 2007 quando foi lançado, 30 milhões de euros no co-financiamento de projetos consagrados ao patrimônio.

     

    Chris Bueno