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    Ciência e Cultura

    versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.65 no.2 São Paulo abr./jun. 2013

    http://dx.doi.org/10.21800/S0009-67252013000200002 

     

    Como multiplicar os peixes? Perspectivas da aquicultura brasileira

    Roberto Manolio Valladão Flores
    Manoel Xavier Pedroza Filho

     

     

    Mais de 200 anos atrás, o economista inglês Thomas Malthus observou em seu famoso trabalho "Ensaio sobre a população" que o ritmo de crescimento populacional se apresentava mais acelerado que o ritmo de crescimento da produção de alimentos. Assim, indicou que, possivelmente, o mundo atingiria o esgotamento de suas áreas agricultáveis, causando falta de alimentos para abastecer as necessidades de consumo e, como consequência, mortes, doenças, guerras civis e disputas por territórios. Felizmente, as previsões de Malthus não se concretizaram, pois o economista não considerou em seu modelo o desenvolvimento tecnológico acentuado que ocorreu nos anos subsequentes, o que acelerou consideravelmente a produção de alimentos.

    Recentemente, tentando realizar exercício semelhante ao do economista inglês, a Food and Agriculture Organization of the United Nations (FAO) estimou que a população mundial aumentará dos atuais 7 bilhões de habitantes para 8,3 bilhões em 2030 e para 9,1 bilhões em 2050, trazendo a necessidade de incremento da produção de alimentos em aproximadamente 60% nos próximos 40 anos. Assim como o desenvolvimento tecnológico foi um dos principais fatores que permitiram que a produção de alimentos acompanhasse o crescimento populacional da época de Malthus até os dias de hoje, a questão que fica em aberto é saber quais são os fatores que devem permitir o incremento de produção necessário para os próximos anos.

    Sem dúvida, a aquicultura é uma das respostas a essa questão. A atividade, que corresponde ao cultivo de organismos aquáticos, como a criação de peixes, moluscos, crustáceos etc, vem apresentando um espetacular crescimento nos últimos anos. Para se ter ideia, a produção mundial aumentou em quase 12 vezes nas últimas três décadas, crescendo a uma taxa média de 8,8% ao ano e atingindo 63,6 milhões de toneladas em 2011. Outro ponto que conta a favor do setor aquícola é o fato de a carne de pescado (carne advinda da pesca e da aquicultura) ser a mais consumida no mundo e o setor da pesca (que corresponde unicamente à extração de organismos aquáticos do meio natural) vir apresentando estabilidade na sua produção nos últimos anos.

    No caso do Brasil, embora a carne de pescado seja apenas a quarta colocada na preferência de consumo, atrás de aves, bovinos e suínos, a situação da atividade aquícola também é promissora. O setor, que apresentou um crescimento de 31,2% na produção anual no período entre 2008 e 2010, atingindo quase 500 mil toneladas/ano, vem sendo apoiado por diversas ações governamentais tais como fomento, políticas públicas e pesquisa. A criação da Secretaria Especial da Aquicultura e Pesca em 2003, que mais adiante se tornou o Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA), representou um dos principais marcos para o desenvolvimento da atividade. Outra ação de extrema importância foi a criação, em 2009, de nova unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, a Embrapa Pesca e Aquicultura, localizada em Palmas, no estado do Tocantins, que conta com uma equipe de mais de 30 pesquisadores da área e vem desenvolvendo projetos que atendem a diversas demandas tecnológicas da aquicultura.

    As expectativas do setor aquícola no Brasil para os próximos anos também são muito boas devido, principalmente, ao fato de o país possuir uma costa marítima de aproximadamente 8,5 mil km e 12% de toda a água doce do mundo. Além disso, um considerável potencial de crescimento da atividade se situa nos grandes reservatórios das usinas hidrelétricas, onde foram criados parques aquícolas pelo MPA. Os 219 reservatórios hidrelétricos, situados em 22 estados da federação, abrangem uma área total de 3,14 milhões de hectares de lâmina d´água e, segundo levantamento da Embrapa Pesca e Aquicultura, apenas os 37 maiores reservatórios do Brasil apresentam um potencial de produção aquícola anual de aproximadamente 5 milhões de toneladas. Para se ter ideia desse potencial, o valor representa mais de 10 vezes a produção brasileira observada no ano de 2010.

    Mas, embora haja boas perspectivas para o setor aquícola brasileiro, algumas questões importantes devem ser consideradas. A primeira delas corresponde às críticas que as estatísticas geradas para o setor vêm recebendo de alguns especialistas. Essas críticas recaem principalmente sobre a metodologia utilizada no Boletim Estatístico da Pesca e Aquicultura, documento anual elaborado pelo MPA, que contém informações coletadas sobre a produção. Um dos pontos que vêm sendo alvo dos especialistas do setor, por exemplo, é o fato de a estimação de alguns valores de produção aquícola ser resultante de regressão linear sobre a quantidade de ração comercializada. Para os críticos, metodologias como essa, que estimam a produção baseando‑se no histórico de outras variáveis observadas, podem ser as responsáveis pelo notável aumento da produção da aquicultura que vem sendo divulgado nos últimos anos.

    Outra questão a ser considerada é a capacidade do mercado interno brasileiro em absorver o possível aumento de oferta dos produtos resultantes da aquicultura. Alguns agentes tomadores de decisão do setor acreditam que o consumo per capita de pescado no Brasil, hoje em torno de 9 kg/habitante/ano, deve aumentar pelo simples fato deste valor se situar abaixo do consumo mínimo de 12 kg/habitante/ano estipulado pela Organização Mundial da Saúde. Sem dúvida, essa hipótese carece de análise mais aprofundada dada a diversidade de fatores sociais, culturais e econômicos que influenciam o consumo do pescado no Brasil.

    Acredita‑se também que o crescimento da produção aquícola nacional poderá abastecer boa parte da demanda do consumidor brasileiro por pescado que hoje é atendida pelas importações. Atualmente, o déficit anual da balança comercial brasileira de pescado é de aproximadamente 1 bilhão de dólares, valor que vem aumentando a cada ano. Mas, embora esse fato represente uma oportunidade para o setor, deve ser considerado também que a maior parte das importações é composta por filés congelados, como merluza e polaca do Alaska, que apresentam preços altamente competitivos internacionalmente. Além disso, as importações também são formadas por produtos de nichos, como salmão e bacalhau, que competem em segmentos de mercado diferentes daqueles das principais espécies produzidas pela aquicultura brasileira.

    Essas questões devem receber maior atenção por parte do governo e dos agentes tomadores de decisão do setor aquícola. A orientação das políticas públicas essencialmente focadas no aumento de produção da atividade pode levar a problemas como o desequilíbrio entre oferta e demanda no setor, caso os produtos não apresentem qualidade e preço internacionalmente competitivos. O cuidado com esses fatores pode evitar o que aconteceu no setor da manga na região do Vale do São Francisco, onde, ao longo dos anos 1990, diversas instituições de desenvolvimento fomentaram o aumento do volume de produção baseando‑se numa expectativa de crescimento da demanda no mercado nacional e, sobretudo, internacional. No entanto, a partir do início dos anos 2000, o aumento excessivo da oferta de manga brasileira, aliada à entrada de novos competidores internacionais, como países asiáticos e africanos, levou a uma queda acentuada dos preços. Além disso, sendo boa parte da produção brasileira baseada essencialmente em uma única espécie, esta não atendeu a demanda do mercado internacional, que passou a optar por outras variedades de manga. Como resultado, o setor perdeu competitividade no mercado internacional e várias empresas encerraram suas atividades.

    É importante, nesse sentido, a realização de ações nos próximos anos que ajudem a desenvolver um maior entendimento do setor aquícola no Brasil. Essas ações devem atender tanto a necessidade de um monitoramento mais qualificado dos dados estatísticos da atividade, quanto à necessidade de pesquisas e estudos mais aprofundados sobre o comportamento de variáveis econômicas do setor.

     

    Roberto Manolio Valladão Flores é mestre em economia pela Universidade de São Paulo (USP), pesquisador da Embrapa Pesca e Aquicultura e coordenador do Projeto Aquapesquisa. E‑mail: roberto.valladao@embrapa.br

    Manoel Xavier Pedroza Filho é doutor em economia pela SupAgro Montpellier/França, pesquisador da Embrapa Pesca e Aquicultura e coordenador do Projeto Divinópolis‑TO. E‑mail: manoel.pedroza@embrapa.br