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    Ciência e Cultura

    On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.65 no.2 São Paulo Apr./June 2013

    http://dx.doi.org/10.21800/S0009-67252013000200006 

     

    ALDEIA GLOBAL

    Comunidades indígenas usam internet e redes sociais para divulgar sua cultura

     

    Denunciar crimes ambientais, preservar e divulgar sua cultura, defender seus direitos, mostrar suas condições de vida. Lutas diárias de diversas comunidades indígenas que, agora, ganharam uma aliada poderosa: a internet.

    Muitos povos indígenas têm usado a rede para atingir um público grande, dentro e fora do país. Os recursos on line são usados para romper o isolamento em que muitas comunidades vivem, e também para vencer a barreira da falta de espaço que esses povos têm nas mídias tradicionais. "A internet possibilita aos indígenas divulgar suas culturas e potencialidades de forma mais independente e autônoma, se fazendo conhecer e dialogando diretamente com a população nacional", aponta Thiago Cavalcante, historiador e pesquisador do Laboratório de Arqueologia, Etnologia e Etno-História (Etnolab) da Universidade Federal de Grande Dourados (UFGD) e do grupo de pesquisas do Centro de Estudos Indígenas Miguel A. Menendéz (Ceiman) da Unesp de Araraquara (SP).

    A internet acabou se tornando uma ferramenta de comunicação fundamental para aqueles que antes não tinham voz. "A internet tem um papel importante na transmissão dessas ideias e na demonstração de que os grupos indígenas são donos de conhecimentos absolutamente pertinentes para o mundo não indígena. As redes sociais também são importantes, pois nelas os índios se fazem muito presentes e conseguem estender suas relações", explica Nicodème de Renesse, pesquisador da Redes Ameríndias e membro do Centro de Estudos Ameríndios, ambos da USP.

     

     

    INCLUSÃO DIGITAL Para apoiar a conexão dessas comunidades com a rede mundial de computadores, o Comitê para a Democratização da Informática (CDI) criou, em 2003, o projeto Rede Povos da Floresta. Desde então foram implantados pontos de acesso à internet em comunidades do Acre, Amapá, Minas Gerais e Rio de Janeiro. No início de 2007, a rede estabeleceu acordo com os Ministérios das Comunicações e do Meio Ambiente, beneficiando direta e indiretamente mais de 120 mil pessoas.

    Em 2010, foi criado o Centro de Inclusão Digital Indígena (Cidi), uma instituição sem fins lucrativos que visa colaborar para a conectividade dos povos indígenas. O Cidi recebe doações de equipamentos de informática diversos, novos ou usados, faz sua manutenção e depois os entrega para as comunidades indígenas. Além disso, a instituição oferece cursos de informática básica e de formação de monitores indígenas para atuarem nas futuras escolas de informática criadas nas aldeias.

    Apesar desse apoio, o primeiro Centro de Inclusão Digital Indígena foi inaugurado apenas em março de 2012, na comunidade Tikuna, situada na zona norte de Manaus (AM). "De modo geral existem políticas públicas de inclusão digital desde 2003, mas ainda são muito marginais. Na prática, a manutenção das infraestruturas em aldeias é caríssima, os pontos existentes não duram muito tempo, e as comunidades não conseguem mantê-los. As únicas exceções são os pontos em escolas indígenas, mantidas pelos governos estaduais. Na realidade, os índios acessam essencialmente a internet quando vão à cidade", diz Renesse.

    ALERTA CONTRA MADEIREIRAS Uma das primeiras comunidades a se conectar à rede mundial de computadores foram os Ashaninka, que vivem na região do Alto-Juruá (AC), na divisa de Brasil e Peru. Para se defender dos madeireiros peruanos, que desmatavam as florestas, prejudicavam seus recursos e muitas vezes entravam em atritos com a comunidade, os Ashaninka resolveram inovar. Munidos de um painel solar para captar a energia e um computador, eles começaram a enviar e-mails para ONGs e para o governo, fazendo denúncias. As informações foram recebidas na Presidência da República e repassadas à Polícia Federal e ao comando do Exército, que montaram uma ação para combater os invasores. Hoje, a tecnologia faz parte da vida da comunidade Ashaninka, que tem um blog e utiliza o twitter para se comunicar.

    O portal Índios Online é um dos projetos mais conhecidos. Trata-se de uma rede de diálogo intercultural, formada pelos povos Kiriri, Tupinambá, Pataxó-Hãhãhãe e Tumbalalá da Bahia, os Xucuru-Kariri e Kariri-Xocó de Alagoas, e os Pankararu de Pernambuco. O projeto foi desenvolvido pela ONG Thydewa, de Salvador (BA), com o apoio do Ministério da Cultura, da Associação Nacional de Apoio ao Índio (Anai) e com assessoria de um etnólogo alemão. O portal tem uma seção de notícias, uma apresentação das atividades desenvolvidas pelos povos, um fórum e uma sala de chat. Ao se conectarem, os índios dessas tribos realizam uma aliança de estudo e trabalho em benefício de suas comunidades.

    Outro projeto reconhecido internacionalmente é o do povo Paiter Suruí, que vive em Cacoal (RO) que, há cinco anos, vem adotando a internet e as redes sociais como estratégia de divulgação de sua causa, ou seja, proteção de seu território, preservação da sua cultura e defesa do meio ambiente. Durante uma palestra nos Estados Unidos, em 2007, o cacique da tribo, Almir Suruí, pediu aos executivos do Google que ajudassem seu povo a monitorar a floresta. O Google acabou comprando a causa e doando laptops, aparelhos de telefone celular e de GPS, que agora são empregados para fiscalizar e ajudar a combater a exploração dos recursos naturais em suas terras. Mais de 30 índios foram treinados para monitorar o território usando os equipamentos. Eles aprenderam a filmar e a postar vídeos no Youtube e a usar as ferramentas de geolocalização na internet para fiscalizar o território. Agora, eles utilizam todo esse arsenal tecnológico para denunciar desmatamento, invasões e outros crimes ambientais.

    O projeto Web Indígena é o primeiro site totalmente em língua indígena no Brasil. Ele foi criado pela comunidade Kaingang, situada da região metropolitana de Porto Alegre (RS), para trocar informações, postar notícias, se comunicar e preservar a língua materna. "Esse povo indígena está usando sua língua, o Kaingang, para trocar informação na internet (e não só os conteúdos, mas boa parte da interface está em língua Kaingang). Isso inevitavelmente terá impacto, a médio prazo, nas formas de uso da língua, no seu léxico, até na sua sintaxe", explica Wilmar D' Angelis, professor do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp, criador e coordenador do projeto.

     

    Chris Bueno