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    Ciência e Cultura

    versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.65 no.2 São Paulo abr./jun. 2013

    http://dx.doi.org/10.21800/S0009-67252013000200007 

     

    NEGÓCIOS DA CHINA

    Nova face oriental ganha força na economia da Europa

     

    Se para os europeus, a crise econômica desencadeada em 2008 agravou a situação de desemprego, para os muitos imigrantes chineses que chegam à Europa, esse parece ser um período de oportunidades. Setores tão tradicionais como as chocolaterias belgas, os negócios do couro e da moda italianos ou até os bares de tapas na Espanha estão trocando a nacionalidade de seus proprietários.

    Em países como a Espanha, um dos mais afetados pela crise, são frequentes os relatos de imigrantes chineses que estão prosperando. "A comunidade chinesa é muito ativa economicamente, os imigrantes tendem a atuar como proprietários de pequenos negócios ou como empreendedores", explica o antropólogo Dan Rodríguez Garcia, diretor do Grupo de Pesquisa sobre Imigração, Miscigenação e Coesão Social da Universidade Autônoma de Barcelona.

    A diferença, contudo, é que ao invés do padrão tradicionalmente conhecido há décadas – ou seja, proprietários de restaurantes ou de pequenas lojas de importados circunscritas aos bairros chineses –, esses imigrantes estão ascendendo na hierarquia social e diversificando suas atividades.

    Dados da Federação Nacional de Associações de Trabalhadores da Espanha, mostram que, em 2012, os chineses estavam à frente de metade dos 3.177 novos negócios abertos por trabalhadores autônomos estrangeiros no país – num cenário em que houve queda de 1,5% do total de empreendedores, considerando espanhóis e estrangeiros. No universo de empreendedores estrangeiros, os chineses representam 18%.

    As oportunidades de negócio associadas à capacidade financeira da comunidade chinesa explicam esse movimento, aparentemente na contramão da economia. "Apesar dos efeitos da crise, os chineses têm um desempenho melhor do que outros grupos de imigrantes, por vários motivos", analisa Garcia.

    "Eles têm uma ampla rede social que os ajuda a conseguir empregos e empréstimos dentro da comunidade chinesa em nível europeu, somado à sua ética e flexibilidade para trabalhar", complementa.

    RAÍZES CULTURAIS É fundamental ter em mente, no entanto, que o sucesso econômico desses imigrantes tem raízes numa cultura que se mantém graças à coesão da comunidade, onde quer que ela se encontre, e que tem na dedicação ao trabalho, prosperidade e sucesso por meio do próprio esforço – entenda‑se, aqui, trabalho autônomo – seus valores centrais, relacionados ao xiao.

    "O xiao ou piedade do filho é a principal virtude da cultura chinesa. Significa honrar o nome dos pais e dos ancestrais por meio de uma conduta correta na sociedade e da dedicação ao trabalho, de modo que a pessoa consiga obter bens materiais suficientes para sustentar os pais", conta o antropólogo da Universidade Autônoma de Barcelona. Tradicionalmente, o xiao se traduz na propriedade da terra; na contemporaneidade, se apresenta como a posse de um negócio próprio.

    Outra virtude fundamental que explica o sucesso dos chineses é o guanxi, o sistema de redes sociais e de relacionamento que facilita negócios, transações, apoio mútuo, cooperação e troca de favores. "A mentalidade dos chineses nos negócios é: eu coço suas costas, e você coça as minhas", sintetiza Garcia. É essa visão de mundo que ajuda a compreender o avanço desses imigrantes inclusive em territórios tradicionais da economia espanhola, como os bares de tapas.

    No município litorâneo de Benidorm, região de Alicante, por exemplo, o avanço dos chineses sobre o comércio local, inclusive bares de tapas, se intensificou de tal forma nos últimos anos que a Confederação Empresarial de Alicante ofereceu um curso de mandarim e de cultura chinesa para espanhóis, com a finalidade de prepará‑los para se relacionar com os chineses tanto na condição de parceiros de negócios quanto na de turistas.

    "Os chineses têm uma visão de negócio e vão onde as oportunidades estão", sintetiza a antropóloga Ching Lin Pang, do Centro de Pesquisas sobre Interculturalismo, Migração e Minorias da Universidade Católica de Leuven, na Bélgica.

    CHOQUE DE CULTURAS Se, por um lado a presença chinesa, com sua marcante cultura, promove sucesso econômico para os imigrantes, por outro, é um fator que alimenta conflitos étnicos. Na cidade toscana de Prato, tradicional centro produtor de lãs e tecidos desde a Idade Média, vive a maior colônia chinesa da Itália: eles chegaram a representar 30% dos 118 mil habitantes da cidade em 2008.

     

     

    "Nos anos 1990, houve um grande fluxo de imigrantes, principalmente da região de Wenzhou. Muitos foram para a Itália. Esses imigrantes têm um perfil muito empreendedor, são conhecidos como os judeus da China", conta a antropóloga. Por causa desse perfil, eles buscaram regiões da Europa onde havia menos regulação, como a Itália, Espanha e Grécia.

    O resultado dessa onda migratória é que, em duas décadas, o número de imigrantes chineses na União Europeia aumentou 146%. Em 1998, havia cerca de 940 mil chineses nessa região do mundo; em 2011, eles passaram a ser 2,3 milhões, caracterizando a "nova era da imigração chinesa", nos termos dos pesquisadores Kevin Latham (Universidade de Londres) e Bin Wu (Universidade de Nottingham).

    Segundo a Europe China Research and Advice Network (Ecran), um projeto da União Europeia voltado para fomentar a aproximação entre as duas regiões, hoje os chineses representam 4,7% da população europeia, ante os 2,8% de três décadas atrás.

    Em seus estudos, Latham e Wu concluíram que os chineses se dirigiram à Europa movidos pelas perspectivas de uma vida mais próspera, frente às desigualdades sociais que marcam a China contemporânea, e estimulados pelo aumento da demanda de trabalhadores de todos os níveis. Além disso, a intensificação do relacionamento comercial entre China e União Europeia no período recente, o aumento da renda da população chinesa (o que viabiliza viagens para o exterior) e a internacionalização da educação superior são fatores que favoreceram a imigração para a Europa.

    A forte presença dos orientais não passa incólume. Em Prato, segundo a jornalista italiana Silvia Pieraccini, autora do livro L'assedio cinese (O assédio chinês), os chineses se tornaram os proprietários de cerca de 5 mil empresas, predominantemente no setor de vestuário, controlando toda a cadeia produtiva – desde a importação dos tecidos, até a confecção e venda. Mais do que controlar o mercado, os chineses introduziram um novo modelo de negócios, muito mais dinâmico do que o adotado pelos italianos, que resulta em mercadorias a preços muito baixos para o consumidor final.

    O domínio chinês despertou reações inflamadas do empresariado e da comunidade local que, se sentindo expropriados da própria tradição, condenam o estilo chinês de fazer negócios, muitas vezes baseado na exploração da mão de obra (jornadas excessivamente longas, baixos salários etc) e os acusam de adotarem práticas ilegais. Paralelamente, o modo de vida dos imigrantes chineses – essencialmente com seus pares, em suas comunidades – acirra o distanciamento e os conflitos entre os dois mundos. O resultado são relações sociais tensas e aumento da xenofobia.

    De fato, aponta a professora Pang, os chineses tendem a viver em suas comunidades interagindo somente o necessário com os cidadãos dos países onde vivem. É por isso que o sucesso econômico não se reflete, necessariamente, na plena inclusão social. Ao contrário. Seus estudos realizados com comunidades chinesas na Bélgica demonstram que grande parte do impacto das tensões recai sobre os filhos dos imigrantes, a segunda geração, que nasceu e se socializou na sociedade estrangeira.

    Pang aponta que eles vivem uma situação de "bricolage" da própria identidade, construindo e desconstruindo barreiras étnicas, ora se aproximando da cultura da família, ora da do país onde vivem. "Esses jovens têm diferentes estratégias para lidar com a discriminação que enfrentam", analisa ela. Seus estudos mostram, ainda, que apesar da forte presença no continente europeu, os chineses são "invisíveis" nas políticas para imigrantes em países como a Bélgica, Inglaterra e Holanda.

     

    Marta Avancini