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    Ciência e Cultura

    versión impresa ISSN 0009-6725

    Cienc. Cult. vol.65 no.3 São Paulo jul. 2013

    http://dx.doi.org/10.21800/S0009-67252013000300004 

     

    ESPORTE

    Olimpíadas e Copas de Futebol: oportunidade para avanços científicos e tecnológicos

     

    É grande a expectativa brasileira ao sediar uma Copa do Mundo de Futebol e, dois anos depois, uma Olimpíada inédita em território nacional, pois são eventos que agitam os cenários sociais, econômicos e tecnológicos do país. Mas o chute inicial desses grandes acontecimentos pretende ser emblemático para a ciência do esporte: o neurocientista Miguel Nicolelis comanda pesquisa para que o pontapé de abertura dos jogos da Copa de 2014 seja dado por um tetraplégico usando um exoesqueleto controlado pelo cérebro. Dessa forma, o diretor do laboratório de neuroengenharia da Universidade Duke, nos Estados Unidos, usa a visibilidade do esporte para divulgar a ciência feita nos laboratórios e o trabalho que vem desenvolvendo em seu centro de pesquisa em Natal (RN).

    Quase sempre longe dos holofotes a ciência do esporte percebe uma incipiente movimentação, causada pela maior divulgação de temáticas inerentes à área. No ano passado, o Prêmio Jovem Cientista apresentou o tema "Inovação tecnológica nos esportes" e para este ano a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia tem como mote "Ciência, saúde e esporte". É, ainda, uma oportunidade de captação de recursos para as pesquisas com a consequente ampliação da divulgação científica na área.

    O reconhecimento da área vem atrelado, no entanto, à expectativa de retorno imediato, na forma de medalhas, por exemplo. O que se espera com os investimentos efetuados é melhorar o quadro de medalhas do Brasil em 2016, o que dificilmente acontecerá conforme o esperado. Serão R$ 2,5 bilhões para tentar figurar na lista dos 10 primeiros países na Olimpíada e em quinto lugar na Paraolimpíada – na última edição aparecemos em 22º e 7º, respectivamente – porém, seria preciso muito mais tempo, preparo e planejamento, dentro de uma política de capacitação esportiva de nossos atletas para que isso pudesse acontecer.

    "Em paralelo ao que parecem ser as maiores preocupações – infraestrutura e segurança – uma pequena parcela das atenções e investimentos têm se voltado ao desenvolvimento científico, até porque a 'extração' do máximo potencial de um atleta somente pode ser alcançada com intervenções fundamentadas em conhecimento científico", aponta o vencedor do Prêmio Jovem Cientista 2012, Rodrigo Gonçalves Dias, doutor em biologia funcional e molecular e pesquisador da área de genômica funcional no Instituto do Coração (InCor). Dias descobriu uma mutação genética que afeta a vasodilatação muscular durante o exercício físico e agora busca genes responsivos ao treinamento.

    CETICISMO "Em um cenário bastante otimista, imagine que os investimentos feitos neste momento serão mantidos e até mesmo ampliados após 2016. Ainda assim, resultados expressivos só serão colhidos, quem sabe, daqui a duas ou três gerações de atletas de elite. E essas primeiras gerações beneficiadas com os novos investimentos ainda sofreriam com as deficiências, resistências e erros, que são naturais quando qualquer sistema que funcionou décadas da forma X passa por transformações para funcionar da forma Y", completa.

    De maneira geral, entre os pesquisadores impera o ceticismo. "Sinceramente, não vejo avanços significativos", lamenta Alcides José Scaglia, docente do curso de ciências do esporte e atualmente coordenador de graduação da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) da Unicamp.

    Ele aponta que ainda existe um abismo entre as ciências e o esporte, com exceção do setor paraolímpico, onde essa união tem sido bastante promissora no Brasil. "Veja, por exemplo, os centros de excelência esportivos, como o de Campinas. Eles foram construídos distantes (até fisicamente) das universidades, enquanto em outros países de referência estão junto a um grande polo de pesquisa, e os professores muitas vezes integram as comissões das equipes. Nossos atletas de ponta estão treinando fora do país, porque a única preocupação é com as medalhas, e não com um legado metodológico e de infraestrutura", compara. Ciente do pouco tempo disponível, o plano oficial optou por financiar apenas os atletas com mais chances de subir ao pódio em 2016, sem a preocupação em criar uma base sólida e permanente de acesso ao esporte e condições de treinamento.

    CIÊNCIA NO FUTEBOL O esporte mais acompanhado e praticado no Brasil é um dos primeiros a apresentar deficiências seriíssimas e está longe de servir como vitrine dos avanços da ciência. Para o treinador e fisiologista Renato Buscariolli de Oliveira, mestre em biologia funcional e molecular pela Unicamp, o futebol precisa urgentemente readequar seus modelos de treinamento e inserir a ciência na pauta do dia. Em sua opinião, não é raro que clubes de alto nível cometam erros grosseiros, com resultados que vão de lesões ao baixo rendimento do time.

    Em sua pesquisa de doutorado, Buscariolli estuda os benefícios dos chamados Jogos Reduzidos (JR), em que preconiza modelos de treino relacionados especificamente à realidade do jogo, em vez das sessões tradicionais. São jogos adaptados para áreas pequenas, com poucos jogadores e regras modificadas, bastante rápidos e intensos, exigindo agilidade na tomada de decisões dos jogadores.

    O futebol tem caráter intermitente, no qual períodos curtos de alta intensidade (tiros) são intercalados por períodos mais longos de recuperação ativa ou passiva, e as ações no jogo configuram-se a partir de uma intrincada trama de relações de oposição e cooperação, com a variação de atividades sendo alta e imprevisível (em média, em uma partida há entre 1000 a 1400 ações motoras). E, em geral, essas atividades de alta intensidade são as que possuem maior relação com o placar final. "Não adianta apenas correr para ganhar condicionamento físico. Devem constar do treinamento os aspectos que se relacionam diretamente ao jogo, porque o futebol exige capacidade de adaptação às situações imprevisíveis. Comparado aos treinos físicos tradicionais os jogos adaptados são mais eficazes na otimização do tempo de treino e aprimoram não apenas a parte física, mas também a cognitiva, de forma que as reações no jogo sejam automáticas e ágeis", explica o pesquisador.

    Essa necessidade de mudança drástica, com a inserção da ciência na área esportiva, é observada em todas as modalidades praticadas no Brasil, não apenas no futebol. Muito do que é feito tem base no empirismo, e poucos centros esportivos têm à disposição análises bioquímicas que poderiam, por exemplo, medir os níveis de estresse celular e de recuperação ao esforço, reduzindo o risco de lesões e potencializando o treinamento.

    A ciência do esporte no Brasil está apenas iniciando outro ciclo, pois sempre primou pela parte prática, considera Antonio Carlos Gomes, superintendente de alto rendimento da Confederação Brasileira de Atletismo com passagens pelas seleções de handebol e triathlon, além de outros projetos, do Comitê Olímpico Brasileiro. Para ele, que fez seu doutorado em teoria e metodologia da educação física e dos esportes pela Universidade Nacional de Cultura Física da Rússia, "a partir dos grandes eventos vamos amadurecer com a convivência e confronto com países que há muito se apoiam nos avanços científicos na área. O esporte ainda é praticado de forma romântica. Demoramos para perceber que o mundo tem como norma a ciência acadêmica para dirigir o processo de preparação de um atleta. No Brasil o futebol, por exemplo, é uma modalidade sustentada pelas leis do empirismo, da arte, do espetáculo e, na maioria das vezes, tudo ocorre por tentativa e erro", afirma.

    A importância da ciência no esporte pode ser exemplificada com o gráfico 1, mostrando a queda vertiginosa dos tempos de conclusão das maratonas, provas extenuantes de 42,195 km. No início do século XX o vencedor cumpria a distância em quase 3 horas, e atualmente a busca é para fechar o percurso o mais próximo possível das 2 horas. Ou seja, em menos de 100 anos houve uma redução de quase 35% no tempo necessário para os melhores cumprirem o trajeto. Trata-se da mesma distância, em um esporte individual e sem aparatos significativos (apenas um par de tênis), fazendo com que a força do movimento venha apenas do competidor. O sucesso da redução de tempos, portanto, deve-se às intervenções da ciência e da tecnologia no treinamento e no corpo dos atletas.

     

     

    LEGADO OLÍMPICO Mesmo com todas essas considerações, é preciso reconhecer que sediar uma Olimpíada pode significar uma verdadeira revolução para uma cidade e para a pesquisa acadêmica de um país. Um dos melhores exemplos, até hoje, são os Jogos de Barcelona, em 1992.

    Uma das implementações mais marcantes na época foi a criação da Associação de Desportos Olímpicos (ADO), com investidores privados, cinco anos antes do evento. A ADO teve papel tão fundamental que a Espanha ganhou 22 medalhas em 1992 – para se ter uma dimensão do feito observa-se que o país só havia conquistado 27 medalhas olímpicas em toda a história.

    Os grandes eventos têm sido vistos como uma oportunidade de canalizar investimentos para a área urbana , mas a experiência do Brasil com o Pan-Americano em 2007 não é muito animadora sequer para o esporte. O velódromo – primeiro do Brasil com pista de madeira, construída com pinho siberiano ao custo de R$ 14 milhões – não atende as especificações do Comitê Olímpico Internacional e está sendo demolido para dar lugar a outro de R$ 147 milhões. O Parque Aquático Maria Lenk custou R$ 85 milhões e, obsoleto, deve passar por reformas.

    Além do suporte para atletas, outro desafio é aproximar a ciência do esporte do público, como se faz em outros países. Em uma época em que o esporte está ligado a valores e decisões éticas – como doping, melhoramento genético e seleção de futuros talentos na infância –, é fundamental que seja também incorporado definitivamente como uma área científica, de reflexão e inclusão social.

     

    Marina Gomes