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    Ciência e Cultura

    versão impressa ISSN 0009-6725

    Cienc. Cult. vol.65 no.3 São Paulo jul. 2013

    http://dx.doi.org/10.21800/S0009-67252013000300006 

     

     

    ENTREVISTA GERALD R. FINK

    Investimento e criatividade para impulsionar a ciência

     

    Gerald Fink assumirá em fevereiro do próximo ano o cargo de presidente da American Association for the Advancement of Science (AAAS), maior sociedade científica geral do mundo, composta por 120 mil membros individuais e institucionais, 261 sociedades e academias de ciência afiliadas, servindo dez milhões de indivíduos.

    Membro fundador do Instituto Whitehead e professor de genética no Massachusetts Institute of Technology (MIT), Fink esteve duas vezes no Brasil, a convite dos professores Ana Clara Shenberg e Spartaco Astolfi-Filho, para ministrar curso de biologia molecular na Universidade de São Paulo (USP), nos mesmos moldes do curso que ele lecionou por 17 anos em Cold Spring Harbor.

    As pesquisas desenvolvidas por Fink têm contribuído, nas últimas décadas, para o melhor entendimento dos mecanismos de regulação gênica, mutação e recombinação, principalmente usando leveduras como modelo de estudo. Ele foi pioneiro no desenvolvimento da técnica de transformação de leveduras, fornecendo bases para o uso comercial desse sistema para a produção de vacinas e medicamentos. Além disso, seus trabalhos na área de biologia molecular de fungos, mostrando as vias de sinalização e genes envolvidos no crescimento filamentoso, têm ajudado a entender os processos de virulência e patogenicidade. Participou também das primeiras etapas de introdução da Arabidopsis thaliana como modelo de estudo do desenvolvimento de plantas. Foi diretor do Instituto Whitehead entre 1990 e 2001 e é membro da National Academy of Sciences e do Institute of Medicine e fellow da American Academy of Arts and Sciences.

    Nesta entrevista à Ciência e Cultura, realizada em Cambridge, nos Estados Unidos, Fink falou tanto de sua carreira como pesquisador, influenciado pela concorrência tecnológica entre os Estados Unidos e a União Soviética, quanto sobre os esforços para valorizar a ciência e garantir níveis adequados de financiamento público para a pesquisa básica. Apesar das dificuldades existentes para quem quer seguir a carreira de pesquisa acadêmica hoje em dia, Fink traz uma mensagem de otimismo e desafio aos jovens pesquisadores: "Não tenham medo de seguir suas melhores ideias, [essa é] a única maneira de chegar à frente na ciência."

    Se o senhor tivesse que escolher uma única realização como presidente da AAAS, qual seria sua prioridade durante o mandato de 3 anos?

    Garantir que o governo coloque mais recursos na ciência. A maneira de conseguir isso é fazer com que todos no país percebam o quanto a ciência é importante em suas vidas, o que é muito difícil. Já se faz isso por meio de diversas iniciativas. Existe o programa "AAAS fellows", [AAAS Science & Technology Policy Fellowships], onde cientistas vão ao Congresso, Departamento de Defesa, entre outros. A ciência deveria influenciar as decisões dos políticos, mas muitas vezes eles não sabem que existe um ponto de vista científico. Por exemplo, a AAAS recebe repórteres do mundo inteiro. Na primeira reunião do conselho da AAAS que participei tivemos acesso à reportagem de um correspondente da Coreia do Norte. Fiquei impressionado com o relato sobre o aumento de casos de tuberculose resistentes a drogas no país. Talvez essa seja uma área onde a ciência poderia ajudar a resolver problemas políticos. Eles não têm os medicamentos necessários e dispõem de uma estrutura hospitalar decadente, mesmo nos melhores hospitais. Talvez exista alguma possibilidade de cooperação científica com o Irã. Subestimamos a importância de fazer conexões científicas com países com os quais não temos [boas] relações políticas.

    Diplomacia por meio da ciência?

    Sim. A AAAS já faz muito disso. Não sei se a informação sobre tuberculose chegou até o Departamento de Estado. Acho esse dado muito importante por conta da estabilidade do próprio país e também pela ameaça mundial, considerando que bactérias não têm fronteiras políticas.

    Devo dizer também que minha esperança é encontrar alguma forma de que crianças frequentem ótimas escolas, conheçam a AAAS e, assim como os cientistas, leiam a Science, saibam o que está acontecendo no mundo da ciência. Se tivessem seu próprio website da AAAS, cujo acesso se tornasse hábito, mesmo que não se tornassem cientistas, estarariam melhor preparadas para questionar sob o ponto de vista científico.

    Melhorando a alfabetização científica, incluindo a dos políticos no Congresso?

    O verdadeiro problema que vejo é que o Congresso está tomando decisões o tempo todo sobre temas que têm importantes componentes científicos, e se você não tem um senso de dimensão, a diferença entre milhões, trilhões, um mícron e um metro, você está fazendo um julgamento deixando a parte da ciência de fora. Provavelmente todas as decisões tomadas têm um componente científico, daí a importância dos "AAAS fellows" no Congresso, construindo conexões, falando com os parlamentares. Isso é muito importante mas, em termos de nação, a única maneira é que todos os cidadãos considerem a ciência importante.

    Um Congresso mais diversificado, com mais cientistas, teria melhores resultados?

    Nem toda decisão tomada por cientistas é boa, por isso insisto que é tão importante termos um conhecimento básico de ciência, apreciar e entender aquele ponto de vista. Não acho que seja bom que todos se tornem cientistas. Estando em um lugar como o MIT, posso dizer que se trata de uma instituição realmente bem administrada porque todos sabem que o objetivo é fazer ciência de excelência. No caso de políticos e legisladores o objetivo de engrandecer o nosso país é vago, mas a ciência deveria desempenhar um papel mais importante nesse contexto.

    A AAAS foi uma das primeiras signatárias da Dora (San Francisco Declaration on Research Assessment). O que o senhor acha de iniciativas como essa que visam a restringir o uso abusivo do fator de impacto na avaliação da produção acadêmica?

    Concordo com qualquer um que diga que o uso indiscriminado do fator de impacto é terrível. Acho que o fator de impacto é venenoso. Nos Estados Unidos não o usamos muito, o que não diminui o reconhecimento de periódicos mais importantes, aqui chamados de "alto impacto". Em um lugar como o MIT confiamos no nosso próprio julgamento. Professores participantes de bancas de seleção precisam confiar em seus próprios julgamentos; na minha opinião o fator de impacto é utilizado quando tal confiança inexiste. Outra discussão importante é a da longevidade dos artigos. Sempre fico contente quando alguém cita um artigo meu de mais de dez anos. Há pouco tempo vi uma citação de um artigo meu publicado há 23 anos.

    Como o senhor se interessou pela ciência?

    Sempre me interessei por temas de ciência, desde o ensino médio. Meu pai era médico e com frequência discutíamos ciência na mesa do jantar. Aí, em 1957, os russos lançaram o Sputnik [primeiro satélite artificial a orbitar a Terra], fazendo com que de repente o ensino de ciência se tornasse uma questão nacional, com amplos investimentos do governo. Cursos de matemática e engenharia avançadas passaram a ser oferecidos nas escolas. Foi assim que me interessei pela ciência. Em seguida fui para a universidade, onde desenvolvi projeto de pesquisa e adorei trabalhar no laboratório, pois me pareceu ser um lugar onde você sempre está fazendo algo de vanguarda, que ninguém fez antes. Sempre focando o futuro, ao invés de olhar para o passado.

    O senhor acha que se beneficiou por ter nascido em uma geração onde a ciência era valorizada?

    Sim. Sem ter um concorrente político, como nós tivemos a União Soviética [na época], acho que há um problema em convencer as pessoas e o governo de que a ciência é importante. Durante a Guerra Fria, os físicos estavam no topo da "cadeia alimentar" porque o governo sempre temia que um ICBM (intercontinental ballistic missiles) viria da União Soviética e precisávamos ter nosso próprio.

    O que levou o senhor a estudar leveduras?

    [No doutorado] trabalhei com metabolismo de leveduras, assunto pelo qual ainda me interesso. Gosto de entrar em um sistema quando ainda não há muitas pessoas fazendo a mesma coisa. Naquele tempo havia pouquíssimas pessoas trabalhando com leveduras. Se você entrar em uma área que já está no final do jogo ao invés dos primeiros minutos, há muita leitura a ser feita, inúmeros artigos científicos, e você não sabe em que acreditar. Já no começo do jogo você não precisa ler nada, pode apenas fazer experimentos. Assim era a área de leveduras na época, que agora se tornou muito mais sofisticada. Escrevi um artigo há mais de 20 anos com um colega ("Yeast: an experimental organism for modern biology") e recentemente pediram que escrevêssemos outro ("Yeast: an experimental organism for 21st century biology"). A mensagem é que todas as novas tecnologias, como genômica e proteômica, são testadas primeiro em leveduras. Achei a área atrativa pois havia muitos desafios. Desde que comecei a trabalhar com leveduras a única coisa que podíamos fazer era genética clássica, até que pessoas no meu laboratório acharam uma maneira de fazer transformações de DNA e de repente tudo podia ser feito, você podia manipulá-las.

    Trata-se do seu artigo científico mais citado, com a descrição de tecnologia de transformação de leveduras. Gostaríamos de saber mais sobre o contexto em que foi gerada.

    Outros 15 laboratórios estavam tentando fazer o mesmo. Havia um pós-doutorando suíço trabalhando no meu laboratório. Ele era muito organizado e mantinha seu caderno de laboratório perfeito, o que só um suíço poderia fazer. Um norte-americano trabalhava com o suíço, ajudando-o a fazer com que as transformações funcionassem. Ele havia passado pela Marinha e não anotava nada. Tínhamos truques técnicos que terminaram funcionando e o resto virou história.

    Por que o interesse especificamente na transformação?

    Era a única maneira de manipular o genoma, abrindo a possibilidade de alterá-lo como você quisesse, inserindo qualquer gene de interesse, o que levou indústrias farmacêuticas e biomédicas a usar levedura para produzir inúmeras vacinas e medicamentos, como é o caso das vacinas Gardasil (HPV) e hepatite B. Metade da insulina produzida mundialmente vem de leveduras. O impacto foi enorme porque hepatite B era endêmica na China.

    Há várias razões importantes para utilizar esse sistema, que traz uma série de vantagens. Assim que cheguei aqui no MIT havia 15 laboratórios trabalhando com leveduras e atualmente ainda há cerca de 10 laboratórios que utilizam esse microorganismo como modelo experimental. Atualmente, estamos trabalhando com leveduras como modelo para prever interações genômicas complexas.

    Que conselho o senhor daria a um jovem cientista que esteja iniciando sua graduação?

    O mesmo que digo aos meus estudantes: não tenha medo de seguir suas melhores ideias, [esta é] a única maneira de chegar à frente na ciência. Por isso que eu digo que é tão importante estar presente onde o jogo esteja apenas começando. Há um jovem professor aqui no Whitehead que fez seu PhD no MIT com Robert Horwitz [vencedor do Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina em 2002], em modelo padrão que todo mundo trabalhava, um verme. Ele é muito bom, muito inteligente, e poderia ter optado por continuar trabalhando com o mesmo modelo, mas ele estava interessado em regeneração e havia um outro verme capaz de regenerar nova cabeça quando cortado. Ninguém havia trabalhado antes nesse sistema. Agora ele é o líder nesse campo e regeneração acabou tornando-se uma área muito importante e interessante. Ele poderia simplesmente ter continuado no mesmo caminho e teria um sucesso limitado. Agora todo mundo quer trabalhar com esse verme.

    Falando um pouco sobre os cortes fiscais automáticos que estão em curso (sequestration), a AAAS tem defendido limitar o impacto desses cortes em programas científicos. Como o senhor vê a questão fiscal americana no longo prazo?

    Eu espero que o Congresso veja rapidamente a loucura que fez e perceba o quão importante é a ciência. Meu receio é que, nesse caso, investimentos em ciência não são como atrasos em aeroportos, os quais eles [os políticos] perceberam pois os atrapalhavam no deslocamento de casa até Washington, e eles rapidamente consertaram a situação. Eu não acho que cortes automáticos sejam uma boa forma de gestão de um governo. Minha esperança é que isso não destrua as vidas de muitos jovens cientistas, pois o problema é que se você tiver jovens muito inteligentes e com senso de oportunidade, ao verem que não há futuro em ciência, eles vão buscar fazer outras coisas. Eu cresci na era do Sputnik e não tinha que ficar pensando em recursos financeiros. Eu apenas fazia o que queria e sempre havia recursos adequados. Acredito que essa seja a mesma história de várias pessoas e é a razão do florescimento das ciências nos Estados Unidos na época em que a ciência era bem financiada. E essa é também a razão de termos todas essas vacinas. Eu acho que há um equívoco na ênfase em ciência aplicada e uma falta de compreensão de onde as descobertas se originam. Mesmo o financiamento atual da ciência, que pode parecer não ser ruim, tem se direcionado cada vez mais para ciência aplicada, o que significa que vamos perder todas as descobertas fundamentais que foram necessárias para se chegar a um estágio em que podem ser transformadas em aplicações. O problema com o câncer não é que não existam medicamentos voltados para o câncer. O meu colega Bob Weinberg sempre diz que já curamos o câncer nos ratos mais de mil vezes. A outra parte dessa questão é que não está claro para o público, e até mesmo para os cientistas, o quão difícil é lançar uma droga eficaz no mercado. Alguns estudantes de meu laboratório, há 13 anos, deixaram o laboratório e decidiram fundar uma empresa. A maioria dessas empresas não consegue se firmar, mas esta teve sucesso. São cinco jovens que mal tinham barba, agora eles têm mais de 300 funcionários. No ano passado eles conseguiram a aprovação do FDA para uma droga, após muito tempo e muita confiança por parte dos investidores de que eles iriam conseguir. E essa é uma história comum a essas empresas que nos rodeiam [em Cambridge], que vieram da ciência básica.

     

    Cristina Caldas e Renato Lima