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    Ciência e Cultura

    Print version ISSN 0009-6725

    Cienc. Cult. vol.65 no.3 São Paulo July 2013

    http://dx.doi.org/10.21800/S0009-67252013000300012 

     

    Interação de nanomateriais com biossistemas e a nanotoxicologia: na direção de uma regulamentação

    Diego Stéfani Teodoro Martinez
    Oswaldo Luiz Alves

     

    Um dos maiores desafios deste século é o desenvolvimento com sustentabilidade. Para isto, é consenso que devemos buscar um modelo de gestão que contemple: viabilidade econômica, equilíbrio ambiental, inclusão com justiça social e preservação da diversidade cultural. Naturalmente, as nanotecnologias devem ser incluídas nessas discussões, por se tratarem de tecnologias em grande crescimento, e pelo fato de seus produtos (nanomateriais) apresentarem elevada reatividade química e potenciais aplicações em diversos setores industriais. As implicações das nanotecnologias podem ser observadas, por um lado, pela participação e cobrança de alguns setores da sociedade organizada em estabelecer marcos regulatórios, medidas de precaução e avaliação dos possíveis riscos para a saúde humana e ambiental. Por outro lado, é visada a exploração do seu potencial econômico e científico-tecnológico, através do desenvolvimento de processos industriais, metodologias e protocolos de síntese, preparação, purificação, funcionalização e caracterização de materiais funcionais na escala nanométrica (1; 2).

    Todavia, é importante levar em consideração que os nanomateriais podem tornar-se contaminantes ambientais emergentes, em um futuro não muito distante, uma vez que há um crescente interesse por esses tipos de materiais. Diante desse cenário, muitas questões ainda precisam ser respondidas, discutidas e refletidas, como por exemplo:

    Quais são as principais vias de contacto/interação dos nanomateriais com os biossistemas? Através de qual meio (aquático, aéreo ou terrestre) os nanomateriais penetram no ambiente?

    Quais são os possíveis modos de dispersão e acúmulo dos nanomateriais no ambiente? Esses materiais podem ser transformados por fatores bióticos e/ou abióticos? Eles interagem com outros contaminantes já presentes no ambiente?

    Qual é a estabilidade química da nanoestrutura? São solúveis em água? Formam suspensões estáveis ou se aglomeram em meios biológicos?

    Quais são os subprodutos gerados durante a síntese dos nanomateriais? Quais são os subprodutos gerados na degradação?

    Qual é a toxicidade desses materiais frente aos biossistemas? Quais mecanismos de interação estão envolvidos?

    É possível remover ou remediar nanomateriais do ambiente caso ocorra algum acidente? Qual é o ciclo de vida dos produtos contendo esses materiais nanométricos?

    Dentro deste contexto, duas novas áreas do conhecimento estão emergindo, denominadas bionanotecnologia e nanotoxicologia, nas quais, através de ações multidisciplinares concretas, a bionanointerface pode ser explorada, permitindo estabelecer respostas proativas aos eventuais/potenciais efeitos nocivos mediatos e imediatos dos nanomateriais frente aos biossistemas.

    SOBRE BIOSSISTEMAS, NANOMATERIAIS E A BIONANOINTERFACE Biossistemas representam um complexo conjunto de elementos correlacionados envolvendo componentes do mundo vivo, os quais estão estruturados em níveis hierárquicos de organização: biomoléculas < vias metabólicas < organelas < células < tecidos < órgãos < sistemas < organismos < comunidades < ecossistemas < biosfera. Os biossistemas são termodinamicamente abertos, encontram-se permeados por ordens e desordens em um equilíbrio dinâmico (longe do equilíbrio termodinâmico). Estes são sistemas auto-organizados que absorvem, transformam, produzem e armazenam compostos, energia e informação de maneira sofisticada, construída ao longo do processo evolutivo da vida na terra há mais 3,5 bilhões anos (3; 4). O reconhecimento da relevância desses níveis hierárquicos de organização pode proporcionar uma "unidade conceitual" rumo à implantação e consolidação de uma nova biologia, capaz de integrar e reintegrar conhecimentos para promover um profundo entendimento do mundo vivo, um dos pilares para o desenvolvimento sustentável (5).

    As nanotecnologias podem ser entendidas como a capacidade humana de compreender, modificar e controlar a matéria em escala nanométrica (10-9 m). Está cada vez mais evidente que a redução do tamanho dos materiais leva ao surgimento de novas propriedades físicas e químicas, devido ao aparecimento de efeitos quânticos de tamanho e fenômenos de superfícies (6; 7). Ou seja, um material com seu tamanho reduzido à escala nanométrica pode apresentar propriedades eletrônicas, mecânicas e térmicas diferentes quando em seu estado microscópico (sólido estendido ou bulk). Outra consequência da redução do tamanho dos materiais é o aumento da área superficial, graças ao aumento significativo da quantidade de átomos superficiais quando comparado com o volume total da partícula, alterando assim, sua reatividade química. O interesse atual nos nanomateriais está baseado na exploração dessas propriedades únicas e dependentes do tamanho. Por exemplo, o ouro na forma de sólido estendido, tal como numa aliança de casamento, reflete a luz através de sua superfície e apresenta a cor amarela. Por outro lado, quando temos ouro na forma de nanopartículas, ele absorve alguns comprimentos de onda da luz e, desta maneira, pode apresentar coloração vermelha, verde e até magenta, em função do tamanho das partículas. Outro exemplo, que mostra o efeito de tamanho das partículas sobre as propriedades é a temperatura de fusão do ouro: quando sólido estendido é de 1063 ºC porém quando as partículas são de 2 nm a temperatura é da ordem de 550 ºC, ou seja, uma diferença de mais de 500 ºC! (8).

    Logicamente, uma vez que as biomoléculas (proteínas, carboidratos, lipídios e ácidos nucleicos) e a unidade básica da vida (células) estão compreendidas na mesma escala de tamanho que os nanomateriais, eles podem interagir quando colocados em contato, havendo a formação de uma bionanointerface (Figura 1).

     

     

    Como consequência, dependendo da natureza das bionanointerações, poderão ocorrer significativos reflexos sobre os níveis superiores da organização dos biossistemas, devido à interconectividade entre todos os níveis (9;10). As implicações da bionanointerface podem causar fortes desdobramentos nos diferentes setores da sociedade como: saúde e cuidados pessoais, agropecuária e nutrição, meio ambiente e energia, militar e defesa, e outros. Tal situação nos permite asseverar que os nanomateriais apresentarão impactos (positivos ou negativos) sobre todas as tecnologias e ciências da vida, visto que estão sendo planejados e construídos nanossistemas com a capacidade de interagir com os níveis inferiores da organização biológica, como o DNA e células. As principais motivações para o estudo da interação de nanomateriais com biossistemas são: a) tamanho nanométrico equivalente com a dimensão das biomacromoléculas e células; b) capacidade de interação e penetração celular; c) superfície química pode ser estrategicamente modificada (funcionalização); d) potencial para modulação e controle de funções biológicas específicas; e) avaliação da toxicidade e seus impactos sobre a saúde humana e ambiental.

    NANOTOXICOLOGIA A toxicologia pode ser definida como a ciência que estuda os efeitos adversos de agentes de natureza física, química ou biológica sobre os biossistemas, tendo como meta o tratamento, o diagnóstico e, principalmente, a prevenção da intoxicação. É evidente que a toxicologia possui grande importância na sociedade contemporânea, sendo uma área do conhecimento essencial para o desenvolvimento sustentável. Assim, a nanotoxicologia emerge como uma nova divisão dentro das ciências toxicológicas, tendo como objeto de estudo os nanomateriais (11; 12). Talvez uma pergunta interessante neste contexto seria: a toxicidade dos nanomateriais é diferente quando comparamos com materiais de tamanho micro/macro? Ou seja, a toxicidade do carvão (formado somente por átomos de carbono), que usamos para fazer fogo, é diferente dos nanotubos de carbono que, por sua vez, também são constituídos somente por átomos de carbono? A resposta é: sim!

    Nesse sentido, a preocupação com a nanotoxicidade surge na medida em que diversificados nanomateriais são sintetizados, manipulados e descartados em diferentes ambientes, sejam naturais, urbanos ou industriais, sem o devido controle e regulamentação. Alguns motivos para atenção e cautela com os nanomateriais são: a) crescente produção industrial (aumento do risco de exposição); b) elevada área superficial devido tamanho nanométrico (alta reatividade química); c) enorme diversidade composicional e estrutural (sínteses, preparações, modificações, funcionalizações, heterogeneidade e impurezas); d) ensaios toxicológicos tradicionais não estão adaptados e padronizados para nanomateriais.

    Na Figura 2 apresentamos a evolução no número de trabalhos indexados no banco de dados do ISI Web of Knowledge, que reportam estudos de toxicidade de materiais nanoestruturados nos últimos dez anos. Embora seja expressivo e crescente o número de artigos publicados nesta área, ainda não há um consenso sobre os riscos desses materiais para a saúde humana e meio ambiente (13).

     

     

    Um dos pontos cruciais para a avaliação e gestão do risco de qualquer substância ou agente é a determinação precisa e inequívoca da sua toxicidade, ou seja, o grau ou a intensidade do efeito adverso/tóxico sobre determinado bioindicador/biomarcador de exposição. Classicamente, o "coração" da toxicologia é o emprego de curvas dose-resposta para determinação de valores quantitativos de toxicidade. Neste ponto, a nanotoxicologia tem uma característica singular, pois é difícil avaliar de maneira precisa e inequívoca a toxicidade dos nanomateriais. O cerne desse problema reside na natureza físico-química dos agentes estudados, pois, em geral, a toxicologia clássica está envolvida com o estudo de toxicantes que são moleculares enquanto que em nanotoxicologia são estudados toxicantes que são partículas. Esta dualidade na natureza dos toxicantes estudados (moléculas versus partículas) impõe sérias implicações durante a avaliação da toxicidade. Todavia, também é importante mencionar que a presença dos nanomateriais no ambiente não significa que haverá sempre a manifestação e observação de efeitos adversos ou nocivos (tóxicos) a eles associados. É importante lembrar que a expressão desses efeitos depende das características da exposição e de seu comportamento no meio. Além das propriedades físico-químicas do nanomaterial avaliado, devemos considerar, por exemplo: a magnitude, duração e frequência da exposição, a suscetibilidade dos organismos e, sobretudo, as vias de introdução e contacto com os biossistemas, sendo esta última diretamente interligada aos processos cinéticos e dinâmicos da biointeração, e consequentemente, com a manifestação da nanotoxicidade (14; 15).

    Diante de tal situação, apresentamos um conceito, ainda em construção, mas que acreditamos ser oportuno difundir e discutir dentro do emergente campo da nanotoxicologia. Este conceito é baseado na ideia da existência de três entidades interdependentes (sintética-coloidal-biológica) em interação, que são fundamentais para a avaliação da toxicidade de nanomateriais (Figura 3).

     

     

    ENTIDADE SINTÉTICA Atualmente, estão disponíveis na literatura centenas de métodos, técnicas e protocolos para síntese de nanomateriais. Portanto, dependendo da aplicação final almejada é possível sintetizar em laboratório um nanomaterial que venha atender a esse propósito. Adicionalmente, após sua síntese, os nanomateriais podem passar por processos de modificações químicas intencionais (funcionalização). Desse modo, a entidade sintética é a responsável pela geração de nanomateriais que apresentam características ou propriedades físico-químicas exclusivas (composição, estrutura, tamanho, forma, grupamentos químicos superficiais, carga e área superficial, impurezas, defeitos estruturais, condutividade elétrica, resistência mecânica etc). É extremamente necessário o emprego de instrumentação avançada (microscopias eletrônicas, espectroscopias, análises térmicas etc) para determinação das características ou propriedades físico-químicas de cada nanomaterial sintetizado e/ou funcionalizado, exigindo assim, o uso concertado e aprofundado das diferentes técnicas de caracterização.

    ENTIDADE COLOIDAL É crucial dispersar os nanomateriais em um meio biológico adequado (água mineral, tampões, plasma sanguíneo, meio de cultura celular, e outros fluídos) para determinação da sua toxicidade. Porém, dependendo do tipo de nanomaterial em estudo, este apresentará uma boa capacidade de dispersão ou não, que determinará sua estabilidade ou agregação/aglomeração nesses meios e fluidos biológicos Outro aspecto importante é que as biomoléculas presentes nesses meios biológicos vão interagir com a superfície dos nanomateriais, levando a formação de sistemas híbridos (proteína-nanomaterial ou matéria orgânica-nanomaterial, por exemplo). Desse modo, a influência desses fenômenos coloidais na toxicidade deve ser avaliada, pois é evidente que estes determinarão implicações críticas sobre os resultados. Neste caso, a entidade coloidal é responsável pela geração de suspensões de nanomateriais controladas e com qualidade para a adequada aplicação em estudos toxicológicos.

    ENTIDADE BIOLÓGICA Existem muitos modelos biológicos disponíveis para acessar a toxicidade de substâncias ou agentes, contudo, é usual dividi-los em dois grupos: in vitro e in vivo. Nos modelos in vitro geralmente são utilizadas células isoladas em tubos de ensaio que são expostas aos agentes de interesse. Posteriormente, parâmetros indicadores da toxicidade são avaliados, como a inibição do crescimento e respiração celular, produção de radicais livres, lesões no DNA e outras manifestações bioquímicas e celulares. Por outro lado, modelos in vivo são empregados utilizando organismos como camundongos e coelhos, como também minhocas, microcrustáceos, algas, peixes, plantas, entre outros. Alterações no desenvolvimento dos organismos (crescimento, reprodução, mortalidade etc) são indicadores de toxicidade. Agências reguladoras (e.g. EPA, FDA, OECD, ISO, ABNT etc) (16) já possuem protocolos padronizados para realização desses ensaios de toxicidade in vitro e in vivo. Contudo, para nanomateriais esses ensaios precisam ser reavaliados, levando sempre em consideração as relações existentes entre as três entidades descritas, tendo como perspectiva a construção de um método apropriado para a determinação da nanotoxicidade. Deve ficar claro que os ensaios ou testes de toxicidade não são realizados para demonstrar que um agente é seguro, mas para determinar sua toxicidade (grau ou intensidade de um efeito tóxico). A segurança de qualquer substância ou agente vai depender de um processo mais elaborado de avaliação e gestão do risco, tendo como subsídio os valores experimentais de toxicidade.

    REGULAMENTAÇÃO DE NANOMATERIAIS: O QUE JÁ EXISTE E O QUE VEM POR AÍ O espectro de aplicação dos nanomateriais, dada a sua versatilidade e um grande número de funcionalidades – sem a menor dúvida –, inauguraram uma real revolução tecnológica. Atualmente, existem mais de 1.300 produtos contendo nanotecnologia no mercado global e estima-se que a produção industrial de materiais nanoestruturados deve chegar a 100 mil toneladas na próxima década (17).

    A despeito das enormes vantagens e aplicações esperadas para as nanotecnologias – e aqui os nanomateriais são atores importantes –, também é sabido que essas nanoestruturas podem causar efeitos deletérios aos humanos e ao meio ambiente, de modo que é absolutamente premente a necessidade de diretivas para seu uso seguro. Tal necessidade está ligada a uma minimização da exposição dos pesquisadores, trabalhadores e consumidores, bem como, do meio ambiente. Um dado que chama a atenção é que os investimentos visando a avaliação da toxicidade dos nanomateriais são ainda muito pequenos apesar de, neste momento, serem crescentes. Por exemplo, uma consulta à base de dados ISI Web of Knowledge em março de 2013, usando como palavras-chaves os tópicos nanotecnologia, nanomateriais ou nanopartículas, revela que menos que 4,5% dos trabalhos estão relacionados com toxicidade ou ecotoxicidade. Contudo, desde 2003 a questão dos riscos dos nanomateriais tem sido abordada em várias regiões e países, tais como, Comunidade Europeia, Estados Unidos, Canadá e Austrália.

    No Brasil, a questão da toxicidade associada às nanopartículas é um tema que começa a ser relevante, sobretudo após a iniciativa do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) que passou a financiar especificamente esses estudos através de redes nacionais de nanotoxicologia, criadas em 2011 (18).

    De acordo com o Centre for NanoBioSafety and Sustainability (CNBSS, em português Centro para Nanobiossegurança e Sustentabilidade) o ano de 2012 foi importante para as questões relacionadas com a regulação das nanotecnologias. Foi compilado no site desse centro espanhol os mais relevantes documentos relacionados com regulação, recomendações, relatórios, registro de nanomateriais e padrões, entre outros. Segundo o CNBSS:

    Todos estes (documentos) recomendam uma abordagem preventiva com base na exposição mínima através da substituição (por exemplo, de pós por suspensões), isolamento (ambiente fechado), uso de ventilação específica e de equipamento de proteção individual adequado (dado que os nanomateriais podem atravessar as barreiras de um equipamento padrão) e, finalmente, uma monitorização cuidadosa dos potenciais efeitos crônicos (19).

     

     

    Dentre os documentos selecionados pelo CNBSS destaca-se aquele do governo francês que especifica, de forma mandatória, o conteúdo e os requisitos para a submissão de declarações anuais de informação relacionadas às substâncias em estado nanoparticulado, tanto como substâncias simples ou como componentes em misturas. O decreto fornece detalhes sobre como as empresas devem cumprir as obrigações de declaração obrigatória e entrou em vigor em primeiro de janeiro de 2013.

    As preocupações sobre a regulação das nanotecnologias também começam a fazer parte mais efetiva da agenda do governo brasileiro até porque foi identificado, por várias empresas, que sua ausência cria gargalos para a sua efetiva introdução nos diferentes setores industriais. Do ponto de vista societal, muito há que se fazer no sentido de aumentar a percepção da sociedade brasileira sobre os riscos e benefícios das nanotecnologias. Neste momento, tramita na Câmara dos Deputados uma proposta de Projeto de Lei que visa regulamentar a rotulagem de produtos das nanotecnologias e de produtos que fazem uso das nanotecnologias (20).

    CONSIDERAÇÕES FINAIS Apesar da grande expectativa quanto ao potencial inovador e os benefícios das nanotecnologias, caracterizada pelo "domínio" da matéria em nanoescala, é importante e necessário manter uma visão abrangente sobre a interação de nanomateriais com biossistemas, os quais são auto-organizados (espaço-temporalmente) através de redes, onde propriedades emergentes surgem a cada nível de organização. A morte de um biossistema ocorre quando há a desintegração dessas redes. Ou então, podem ocorrer processos de adaptação pela seleção de novas redes, visto que as conexões entre os elementos dessas redes estão diretamente relacionadas com a estabilidade e manutenção dos biossistemas (21). Obviamente, desenvolver um entendimento integrado da interação dos nanomateriais nos diferentes níveis da organização biológica (das biomoléculas aos ecossistemas) e suas inter-relações constitui um dos maiores desafios dentro da bionanotecnologia e nanotoxicologia.

    Um importante ponto a ser destacado, é a dificuldade encontrada para comparar os resultados de toxicidade de materiais em nanoescala disponíveis na literatura atual, devido não só à grande variedade de métodos de síntese e preparação de nanomateriais, mas também à falta de trabalhos sistemáticos relatando uma adequada caracterização físico-química da amostra utilizada nos estudos. Soma-se a isso, ainda, a ausência de protocolos de dispersão coloidal adequados e modelos biológicos robustos. De fato, tal situação advém da dificuldade encontrada para trabalhar de maneira harmonizada as três entidades apresentadas (sintética-coloidal-biológica) durante a realização de estudos toxicológicos. Outro ponto importante é a dificuldade enfrentada para determinar cenários realísticos de exposição aos nanomateriais. Evidentemente, novos conceitos, metodologias experimentais e computacionais precisam ser aprimoradas, ou mesmo desenvolvidas, para acessarmos e interpretarmos a bionanointerface em profundidade, bem como os seus reflexos físico-químico-biológico-toxicológicos. É importante termos em vista a amplitude do tema abordado neste artigo, que o coloca como uma área do conhecimento altamente multidisciplinar e que está dando seus primeiros passos.

    Muitos dos aspectos aqui tratados são caracterizados pelo fato que as ciências biológicas e toxicológicas ainda não atingiram o mesmo nível de discernimento que as ciências físicas e químicas quanto ao entendimento de nanossistemas. Daí, devemos ser prudentes, evitar extrapolações simplistas e manter o foco nas inter-relações. É mister favorecer e desenvolver uma forma de conciliar a inovação que torna os nanomateriais cada vez mais sofisticados, com a normatização exigida para serem reprodutíveis e seguros para o meio ambiente e por, consequência, para os humanos. Somente assim, acreditamos que avançaremos em direção a uma nanotecnologia segura e sustentável.

     

    Diego Stéfani Teodoro Martinez é biólogo e doutor em química pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) , pesquisador de pós-doutorado do CNPq junto ao Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Materiais Complexos Funcionais (INCT-Inomat), onde desenvolve estudos e pesquisa em bionanotecnologia e nanotoxicologia. Email: diegostefani.br@gmail.com.
    Oswaldo Luiz Alves é professor titular do Instituto de Química da Unicamp, fundador/coordenador científico do Laboratório de Química do Estado Sólido (LQES/Unicamp) e coordenador do Laboratório Associado NanoBioss-SisNano do MCTI. É autor da Cartilha sobre nanotecnologia publicada pela ABDI em 2010. Membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC). Email: oalves@iqm.unicamp.br.

     

    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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    3. http://www.biossistemas.ufabc.edu.br (acesso em setembro de 2011).

    4. Ventura, M. M. 2009. Ordem e forma em biossistemas. Editora UnB, Brasília – DF.

    5. National Research Council (U.S.). Committee on a New Biology for the 21st Century: Ensuring the United States Leads the Coming Biology Revolution. National Research Council (U.S.). Board on Life Sciences and National Research Council (U.S.). Division on Earth and Life Studies. A new biology for the 21st century. 2009, Washington, D.C.: National Academies Press. xiii, 98 p.

    6. Burda, C. et al. "Chemistry and properties of nanocrystals of different shapes". Chem Rev, 2005. 105(4): p. 1025-102.

    7. Cao, G. Nanostructures & nanomaterials : synthesis, properties & applications. 2004, London ; Hackensack, NJ: Imperial College Press. xiv, 433 p.

    8. Schmid, G. and B. Corain. "Nanoparticulated gold: Syntheses, structures, electronics, and reactivities". European Journal of Inorganic Chemistry, 2003(17): p. 3081-3098.

    9. Nel, A.E. et al. "Understanding biophysicochemical interactions at the nano-bio interface". Nature Materials, 2009. 8(7): p. 543-557.

    10. Shvedova, A.A;, V.E. Kagan and B. Fadeel. "Close encounters of the small kind: adverse effects of man-made materials interfacing with the nano-cosmos of biological systems". Annu Rev Pharmacol Toxicol, 2010. 50: p. 63-88.

    11. Oberdorster, G.; E. Oberdorster and J. Oberdorster. "Nanotoxicology: an emerging discipline evolving from studies of ultrafine particles". Environ Health Perspect, 2005. 113(7): p. 823-39.

    12. Nel, A. et al. "Toxic potential of materials at the nanolevel". Science, 2006. 311(5761): p. 622-7.

    13. Johnston, H. et al. "Engineered nanomaterial risk. Lessons learnt from completed nanotoxicology studies: potential solutions to current and future challenges". Crit Rev Toxicol, 2013. 43(1): p. 1-20.

    14. Barros, S. B. M.; Davino, S.C. Avaliação da toxicidade. In: Oga, S.;M.M.A. Carmago and J.A.O. Batistuzzo, Fundamentos de toxicologia. 2008, São Paulo, SP: Atheneu Editora.

    15. Sharifi, S. et al. "Toxicity of nanomaterials". Chem Soc Rev, 2012. 41(6): p. 2323-43.

    16. Environmental Protection Agency (EPA); Food and Drug Administration (FDA); Organisation for Economic Co-operation and Devolpment (OECD); International Organization for Standardization (ISO); e Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

    17. Paschoalino, M.P.; G.P.S. Marcone and W.F. Jardim. "Nanomaterials and the environment". Quimica Nova, 2010. 33(2): p. 421-430.

    18. Chamada MCTI/CNPq N º 17/2011 – Apoio à criação de redes cooperativas de pesquisa e desenvolvimento em nanotoxicologia e nanoinstrumentação (12/09/2011). http://memoria.cnpq.br/resultados/2011/017.htm (acesso em maio de 2013)

    19. Safety and regulation of Nanotechnology and nanomaterials in 2012: what's next? http://www.cnbss.eu/index.php/editorial/item/68-safety-and-regulation-of-nanotechnology-and-nanomaterials-in-2012-what%E2%80%99s-next (acesso em maio de 2013)

    20. Projeto de Lei que visa regulamentar a rotulagem de produtos das nanotecnologias e de produtos que fazem uso das nanotecnologias nanotecnologia. Câmara dos Deputados (acesso em maio de 2013). http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1064788&filename=PL+5133/2013

    21. Souza, G. M. Manzatto, A. G. Hierarquia Auto-organizada em Sistemas Biológicos 2000. In: Auto-organização: Estudos Interdisciplinares, D'Ottaviano, I. M. L. Gozales, M. E. Q. (Org.). Coleção CLE, Campinas – SP.