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    Ciência e Cultura

    versão impressa ISSN 0009-6725

    Cienc. Cult. vol.65 no.3 São Paulo jul. 2013

    http://dx.doi.org/10.21800/S0009-67252013000300019 

    HUMOR

    DOS TRAÇOS SOFISTICADOS AO VALE TUDO NAS REDES SOCIAIS

     

    De 24 de agosto a 20 de outubro deste ano acontece a 40ª edição do Salão Internacional de Humor de Piracicaba, no interior paulista. Começou pequeno, como uma mostra de humor gráfico dentro do Salão de Arte Contemporânea de Piracicaba, em 1974, em plena ditadura militar. Alceu Marozzi Righeto, Adolpho Queiroz e Carlos Colonnese foram alguns dos idealizadores do evento que contataram os editores do jornal Pasquim pelo apoio de Jaguar, Millôr Fernandes, Paulo Francis e Zélio Alves Pinto para a primeira edição do evento. A partir de então, grandes nomes do humor brasileiro levariam suas obras para o salão: Ziraldo, Fortuna, Henfil, Luis Fernando Veríssimo, Paulo e Chico Caruso, Miguel Paiva, Angeli, Laerte, entre outros. A grande repercussão logo na estreia anteviu a carreira da mostra que se tornou internacional a partir de sua terceira edição, e hoje é tida como a maior no gênero, exibindo trabalhos em cartum, charge, caricatura e tiras, além de mostras paralelas em vários espaços culturais da cidade.

    No Brasil, humor se mescla com a crítica política e social e virou uma das características nacionais mais marcantes. "Sem dúvida o povo brasileiro é um constante piadista, faz humor de tudo e de todos. A possibilidade do riso abre a possibilidade de entender, ou pelo menos começar a entender, as questões, sejam trágicas ou cômicas", afirma Edu Grosso, diretor do Centro Nacional de Humor Gráfico de Piracicaba (CEDHU). O jornalista e escritor Barão de Itararé, pioneiro do humorismo político brasileiro, não poupava o governo brasileiro de suas críticas bem-humoradas já em meados de 1930.

     

     

    HUMOR E POLÍTICA "Até o período anterior ao governo militar muitas críticas eram feitas sob a égide do bom gosto e, como se vivia em tempos menos rígidos, elas eram melhor toleradas e, por isso, podiam ser mais explícitas e menos agressivas", explica o psiquiatra Francisco Baptista Assumpção Jr, do Instituto de Psicologia da USP.

    Mas o cenário mudou com a ditadura militar, que censurou e até mesmo exilou muitos humoristas. Juca Chaves teve que se mudar para Portugal na década de 1970, mas não deixou de fazer suas sátiras lá – o que acabou incomodando o governo nacionalista e repressor do primeiro-ministro António de Oliveira Salazar, obrigando o humorista a se mudar novamente, desta vez para a Itália.

    Na ditadura, outros humoristas se destacaram por sua forte crítica política e social. Foi a época do humor refinado de Henfil, Millôr Fernandes, Ziraldo e Jaguar marcos de inteligente e forte crítica política e social. E todos tiveram problemas com o regime militar. "O governo militar não tolerava que se risse dele. Por isso as críticas não podiam ser explícitas, tendendo a ser metafóricas, porque o humor só era tolerado se não fosse direto. E isso piorou a insatisfação e as válvulas de escape se tornaram cada vez menores", explica Assumpção.

    Segundo o pesquisador, enquanto o poder se manifesta através da força, os oprimidos acabam se valendo do humor para criticar o estado das coisas. "A única possibilidade que sobra é rir daqueles que oprimem e abusam", conclui.

    POLITICAMENTE INCORRETO A ditadura militar terminou, mas o assunto para a crítica e para o humor, não. O cenário voltou a mudar com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para a presidência, em 2003. "Com a eleição do Lula, originalmente um operário pouco letrado, houve certa inibição, da parte de muitos humoristas engajados politicamente, de tomar o presidente como objeto da crítica humorística", aponta o psicanalista Daniel Kupermann, professor do Instituto de Psicologia da USP. Ele conta que houve uma espécie de esvaziamento da resistência ao pensamento hegemônico que hoje vigora no país, assim como um descrédito generalizado das instituições reguladoras da vida social. "Nos falta, efetivamente, alguma reverência em relação aos valores inegociáveis para a vida cultural", afirma.

    Se por um lado as ferozes críticas sociais e políticas sofreram um esvaziamento, por outro o humor brasileiro tornou-se mais escrachado e até mesmo ofensivo. Os pesquisadores apontam que isso surge como uma revolta contra o politicamente correto, que condena tudo o que possa ser discriminatório e ofensivo. "Não somos perfeitos nem tendemos a isso. Rimos daquilo que consideramos constrangedor, ridículo ou feio, e esses conceitos, nos últimos anos, passaram a sofrer uma censura marcante por não serem considerados politicamente corretos", diz Assumpção. No entanto, Kupermann lembra que o humor propriamente dito não poupa ninguém, mas incide sobre os ideais que sustentam a ordem social, promovendo a abertura para o nonsense e o impensado.

    Por outro lado, essa teórica liberalização contra a ditadura do politicamente correto acaba considerando o desrespeito ao outro como uma manifestação democrática da própria opinião. Em nome desse individualismo e da liberdade de expressão, muitos humoristas acabam exagerando e fazendo comentários ofensivos e preconceituosos. "O privilégio da individualidade possibilitou o surgimento da 'falta de educação' e cortesia, como um atributo de uma 'pós-modernidade' onde tudo é fluido, as relações são descartáveis e o respeito idem", analisa Assumpção.

    O HUMOR CAIU NA REDE Hoje, grupos de humor têm se tornado virais na internet. Youtube, redes sociais, blogs e vlogs são locais de compartilhamento de vídeos e também de tirinhas, charges e cartuns que abrangem uma temática tão vasta quanto seu público. A característica mais marcante desse "novo humor" é a acessibilidade. E podem ser compartilhados pelas redes sociais e outros tantos mecanismos disponíveis pela internet. Esse compartilhamento faz com que ele atinja um número muito grande de pessoas, mesmo fora da grande mídia. Estar fora dos meios como a televisão, jornais e revistas, aliás, permite que esse humor seja mais explícito e, até certo ponto, com menor censura.

    Além disso, esse humor que circula na rede tem como principal público os adolescentes e jovens adultos, "Isso porque, em termos psíquicos, o adolescente se encontra em meio a um difícil trabalho, no qual precisa, para atingir a maturidade e responsabilizar-se pelos seus atos, romper os laços com os objetos que o sustentavam até então – notadamente os pais e as figuras às quais conferia autoridade", explica Kuppermann, que lidera o grupo de pesquisa no Laboratório de Pesquisas e Intervenções Psicanalíticas do Instituto de Psicologia da USP. "Além disso, a urgência em encontrar novos territórios existenciais favorece uma intensa adesão a grupos e a identidades prêt-à-porter. Dessa maneira, não é surpreendente que se busque uma via de escape, na qual tudo o que é abominável é posto no outro do qual se ri. Trata-se, assim, de usufruir de uma espécie de 'licença poética' que a cultura tolera e, mesmo, oferece, para que nossa agressividade encontre uma via lúdica de expressão", afirma.

     

    Chris Bueno