SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.65 número3 índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

    Links relacionados

    • Em processo de indexaçãoCitado por Google
    • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

    Compartilhar


    Ciência e Cultura

    versão impressa ISSN 0009-6725

    Cienc. Cult. vol.65 no.3 São Paulo jul. 2013

    http://dx.doi.org/10.21800/S0009-67252013000300022 

    ARTES

    FLÁVIO DE CARVALHO: A REBELDIA COMO LINGUAGEM

     

    Nos dias de hoje, "saiaço" no colégio, com chamada pelas redes sociais, pode ser visto como uma forma inteligente e divertida de protestar contra medidas arbitrárias e ineficientes. Mas ousadia mesmo foi, na década de 1950, um homem de 57 anos sair pelo centro de São Paulo vestido com trajes provocativos bolados por ele: um blusão de mangas curtas e folgadas e saiote de pregas largas.

    Flávio de Carvalho, em sua Experiência nº 3, fez isso em 1956, quando circulava pelas ruas paulistas um carro chamado DMK-Vemag e Beatles era apenas uma banda que começava a se formar em Liverpool. Flávio, morto há 40 anos, foi um dos grandes nomes da geração modernista brasileira. E exerceu sua criatividade como arquiteto, engenheiro, cenógrafo, teatrólogo, pintor, desenhista, escritor, filósofo, performer, músico, flashmobist (muito antes de isso virar termo da moda). Mas foi acima de tudo um artista à frente do seu tempo.

    Ele nasceu em Barra Mansa, no estado do Rio de Janeiro, em 1899. Com um ano de idade mudou-se com a família para a cidade de São Paulo. De família abastada, anos mais tarde foi estudar na Europa. Primeiro na França, de 1911 a 1914, depois na Inglaterra, onde frequentou a Universidade de Durham. Lá, formou-se em engenharia civil em 1922, e fez seus estudos de belas artes.

    De volta a São Paulo, empregou-se como calculista no renomado Escritório Técnico Ramos de Azevedo, responsável por importantes obras como o Teatro Municipal de São Paulo, a Pinacoteca do Estado e o Mercado Municipal de São Paulo. Nessa época, Flávio costumava andar pelos corredores do escritório só de short, o que era inadmissível para os padrões da época. Ante um abaixo-assinado dos inquilinos, exigindo sua imediata saída do prédio, Flávio não apenas se recusou como ainda afirmou: "Não vou sair daqui de jeito nenhum. Vocês só me tiram daqui a bala... mas vai ser difícil, porque vou instalar uma metralhadora em meu ateliê (...)" E mais, no dia seguinte, publicou um anúncio no Diário Popular "Compra-se uma metralhadora. Tratar com Flávio de Carvalho no Instituto de Engenharia".

    Flávio de Carvalho foi um grande representante do Movimento Modernista. Seu profundo interesse pelo experimental refletia sua total fuga das regras e formas acadêmicas de tratar a arte, predominantes na primeira metade do século XX. Seu estilo era na verdade uma fusão de estilos. Suas pinturas, cenários, esculturas e performances tinham traços surrealistas, cubistas e do expressionismo alemão. Mas revelavam principalmente um grande apego ao polêmico e à renovação.

     

     

    Tinha como ideal a antropofagia pura, numa releitura de movimentos artísticos europeus, adaptando-os para a sociedade brasileira. Um traço marcante em seus trabalhos, muitas vezes chamados de "experiências", era a busca por um contato direto com o espectador, o qual ele observava, buscando entender as reações psicológicas aos seus trabalhos.

    Ele faleceu em 4 de junho de 1973, em Valinhos, no interior de São Paulo, deixando uma vasta obra, que inclui livros, pinturas, desenhos, cenários, projetos arquitetônicos e ensaios. Suas obras estão espalhadas pela cidade de São Paulo – no Palácio dos Bandeirantes, na Pinacoteca do Estado de São Paulo, no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, na Associação Paulista de Medicina, no Museu de Arte Moderna, no Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand, no Museu de Arte Brasileira da FAAP, na Pinacoteca Municipal do Centro Cultural São Paulo –, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, na Pinacoteca da Universidade Federal de Viçosa (MG), na Galleria Nazionale d'Arte Moderna di Roma (Itália), no Musée d'Art Moderne de la Ville de Paris (França) e no Museum of Modern Art – MoMA – de Nova York (Estados Unidos).

    Mas, além das obras e acima de tudo, deixou-nos o exemplo de que é possível ser genial e irreverente, trabalhador incansável e crítico mordaz, independentemente da roupa que se use e que pode ser um short, uma saia ou um traje a rigor.

     

    Leonor Assad