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    Ciência e Cultura

    On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.65 no.4 São Paulo  2013

    http://dx.doi.org/10.21800/S0009-67252013000400002 

     

    Satélite brasileiro geoestacionário de defesa e comunicações

    Waldo Russo

     

     

    Em uma época agitada pelo vazamento de informações sobre os programas de vigilância da NSA, a agência de segurança nacional dos EUA, o fato de que todos os satélites de comunicações atualmente operando no Brasil serem controlados por empresas estrangeiras, gera preocupação quanto ao risco à segurança nacional. É importante destacar que o risco não é exatamente a captura de informações sigilosas hoje trafegando nos satélites estrangeiros. A segurança das comunicações sensíveis do governo brasileiro está garantida por criptografia avançada nas informações veiculadas pelos satélites (ou seja, são "embaralhadas" através da aplicação de códigos somente conhecidos por quem transmite e por quem recebe). Cabe frisar que este tipo de criptografia é necessário para comunicações seguras, porém não suficiente em si mesmo. Deve-se considerar que existe possibilidade de ataques a qualquer tipo de criptografia, por mais sofisticado que seja o algoritmo criptográfico utilizado, sendo imperioso procedimentos de segurança bem definidos, tais como a correta criação, proteção e troca periódica de chaves, entre outros.

    Porém, é praticamente impossível impedir que, em caso de conflito, um país ou uma empresa torne inoperante o satélite que controla. Assim, mesmo levando em conta que a estação de controle de qualquer satélite "brasileiro" está em território nacional, existe um risco inerente no conhecimento, por estrangeiros, dos códigos de controle desses satélites.

    Por si só essa situação justificaria o controle de um satélite pelo Estado brasileiro, principalmente para as aplicações de defesa. Mas existem várias outras motivações e justificativas. A primeira questão, básica - porque investir em um satélite? - é a mais fácil de justificar. Com uma população de 201 milhões de pessoas em um território ocupando uma área de 8,5 milhões Km2, com 15.700 km de fronteiras com dez países, 8.000 km de costa oceânica e 4.450.000 Km2 de plataforma continental marítima, não há outro sistema de telecomunicações capaz de prover conexões rápidas, confiáveis, fixas ou móveis, de alta capacidade e custo independente de distância, em uma geografia tão ampla.

    Outra questão bastante relevante está associada ao acesso à tecnologia espacial, tópico em que o Brasil está bastante atrasado quando comparado a outras nações em condições geo-sóciopolíticas semelhantes. Existem apenas cinco nações em todo o mundo que possuem, ao mesmo tempo, população superior a 100 milhões de pessoas, economia (PIB) superior a 750 bilhões de dólares, e área territorial superior a três milhões de Km2. São elas, Brasil, Estados Unidos, China, Índia e Rússia. Desse grupo, o Brasil é o único que não possui satélite de comunicações próprio, não tem veículo lançador de alta capacidade, nem tecnologia para projeto e produção de satélites geoestacionários de comunicações.

    Esta situação, no entanto, está mudando: em agosto de 2013, a Visiona Tecnologia Espacial S.A comunicou a escolha da empresa europeia Thales Alenia Space para o fornecimento do Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas (SGDC) do governo brasileiro, a ser lançado em 2016 pela Arianespace. A Visiona, uma joint-venture entre a Embraer (51%) e a Telebrás (49%), irá atuar como integradora do sistema e principal contratada para o fornecimento dos vários elementos do sistema de comunicações via satélite pretendido.

    O SGDC será um satélite multimissão, com duas aplicações básicas: defesa, empregando equipamentos na banda X (7 a 8 GHz), e suporte a comunicações civis na banda Ka (20 a 30 GHz).

    A missão de defesa na banda X engloba três cenários distintos, que requerem diferentes áreas de cobertura e capacidades: a) uma cobertura regional, abrangendo as Américas do Sul e Central, o Caribe, costa leste norte-americana, costa oriental da África e grande parte do Oceano Atlântico; b) cobertura nacional, sobre todo o território brasileiro e; c) cobertura gerada por um feixe móvel, capaz de gerar uma área de cobertura estreita (40 a 50.000 Km2), em qualquer ponto do globo terrestre visível pelo satélite em sua posição orbital.

    Já o serviço de comunicações de dados de alta capacidade na banda Ka deverá ser fornecido através de 40 a 60 áreas de cobertura estreita (150 a 600 mil km2), distribuídas sobre o Brasil continental. Em cada uma dessas áreas, terminais de usuários, de pequeno porte e baixo custo, serão conectados a um número limitado de estações de grande porte (6 a 10 estações), denominadas estações de coleta ou gateway. Cada gateway está associado a um grupo diferente de 6 a 8 áreas de cobertura estreita, e são conectados por redes terrestres de alta capacidade à estrutura nacional de telecomunicações. A capacidade total de transmissão de dados do satélite será de 50 a 60 Gbps (50 a 60 bilhões de bits por segundo). A principal aplicação do sistema na banda Ka é apoiar o Plano Nacional de Banda Larga do Brasil (PNBL) da Telebrás, com o objetivo de fornecer serviços de banda larga à população carente nas áreas rurais e suburbanas em todo o território brasileiro.

    O programa inclui ainda a implantação de estações de controle do satélite e do sistema de comunicações, principal e reserva, situadas em Brasília e no Rio de Janeiro. A operação do satélite estará a cargo da Telebras (parte civil) e do Ministério da Defesa (parte militar).

    A um custo previsto hoje de R$1,5 bilhão é natural que um programa dessa magnitude provoque discussões, ainda mais levando em consideração a existência de mais de 40 satélites de telecomunicações autorizados a operar no território nacional.

    No entanto todos esses satélites são hoje controlados por empresas estrangeiras, o que, do ponto de vista de segurança nacional, apresenta um risco a ser considerado.

    Um programa como o SGDC é, portanto, bem vindo, principalmente com os condicionantes específicos previstos no contrato de fornecimento: i)estímulo ao emprego de conteúdo brasileiro em partes ou serviços; ii)programa de transferência de tecnologia, a ser validado pela Agência Espacial Brasileira (AEB).

    Dessa forma, bem conduzido, o programa pode ajudar o Brasil a avançar nessa tecnologia, a qual possui um valor agregado imenso: as áreas associadas a atividades espaciais movimentam globalmente mais de US$300 bilhões por ano. Pode-se, portanto, afirmar que o programa SGDC é importante para o país, tanto do ponto de vista estratégico como social. No primeiro caso, envolvendo progressos nas áreas de defesa, segurança, domínio de tecnologia de ponta. No segundo, viabilizando ampliação dos benefícios do PNBL, com maior integração da população brasileira, através do provimento de acesso de qualidade a informações e comunicações.

    O programa, no entanto, apresenta alguns riscos a serem mitigados. O principal vem a ser o uso da banda Ka, ainda insipiente no Brasil. O primeiro satélite a utilizar esta banda na América Latina é o Amazonas 3, lançado apenas este ano com nove feixes Ka. Ou seja, como não há dados experimentais significativos de propagação na banda Ka no Brasil, há uma incerteza quanto à qualidade possível nas transmissões do SGDC nessa faixa.

    O segundo risco aos objetivos do programa refere-se à imperiosa necessidade de continuidade dos investimentos no desenvolvimento de tecnologia espacial no Brasil. A história recente de cortes e limitações de recursos para o Programa Nacional de Atividades Espaciais (PNAE) tem obrigado a AEB, responsável pela coordenação do programa, a constantes reajustes e adaptações que limitam os resultados alcançados.

    Concluindo, o programa SGDC, com planos para lançamento de um segundo satélite em 2021 (cinco anos após o primeiro lançamento), tem tudo para representar um significativo impulso qualitativo nas atividades espaciais no Brasil, estimulando a indústria espacial local a ocupar um lugar compatível com o potencial tecnológico e criativo que o país possui.

     

    Waldo Russo é graduado e pós-graduado em engenharia de telecomunicações pela PUC-RJ, com mestrado no IME. É consultor em sistemas de telecomunicações pela Union Engenharia de Telemática, empresa associada ao Centro de Estudos em Telecomunicações (Cetuc) da PUC-RJ. É o atual presidente do capítulo da Communications Society do IEEE no RJ.