SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.65 número4 índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Indicadores

    Links relacionados

    • En proceso de indezaciónCitado por Google
    • No hay articulos similaresSimilares en SciELO

    Compartir


    Ciência e Cultura

    versión On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.65 no.4 São Paulo  2013

    http://dx.doi.org/10.21800/S0009-67252013000400007 

     

    Processos abertos na prática científica

     

    Mais do que compartilhar. Ter acesso livre, aberto e, portanto público e participação colaborativa aberta. Essa é a base do movimento Open Science ou Ciência Aberta, um modo de fazer pesquisa que vem ganhando adeptos em várias partes do mundo, inclusive no Brasil. O movimento, que surgiu oficialmente em 2009, defende que as pessoas devem ser livres para usar, reutilizar e distribuir o conhecimento científico, sem restrições legais, tecnológicas ou social. Ele incorpora noções do Open Source, que começou no fim do século XX e que lida com a abertura dos códigos dos programas de computador, e do Open Access, que visa o livre acesso a publicações e a construção colaborativa do conhecimento. Como um grupo de trabalho, o Open Science promove eventos e coordena discussões em todo mundo sobre a ciência aberta e ainda desenvolve ferramentas para cientistas e editores para ajudá-los a compartilhar dados. Ele é uma das linhas de atuação da Open Knowledge Foundation, instituição criada em 2004, no Reino Unido e que promove o conhecimento aberto na era digital.

    "A ciência se faz colaborativamente. Mas, para que a colaboração possa de fato ocorrer, a condição essencial é que a informação flua livremente. Para o conhecimento poder evoluir ele precisa circular. O pesquisador deve ter o mais amplo acesso aos trabalhos de outros pesquisadores para, assim, gerar avanços para todos. É o conhecimento que gera mais conhecimento, que pode resultar em inovação", analisa Beatriz Cintra Martins, pesquisadora do grupo de pesquisa Novas Tecnologias, Cultura e Práticas Interativas e Inovação em Saúde, na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

    COLABORAÇÕES Beatriz acrescenta que a ideia do compartilhamento é ampliada no Open Science. "São iniciativas de pesquisa colaborativa, nas quais as diversas etapas vão sendo divulgadas, sem a preocupação com o registro de patentes ou com a prévia publicação de artigos, o que é padrão na pesquisa tradicional", aponta a pesquisadora. Um exemplo é o consórcio Open Source Drug Discovery (OSDD), lançado em 2008, com financiamento do governo indiano. "Baseada nos princípios 'colaborar, descobrir e compartilhar', a iniciativa tem como objetivo produzir medicamentos acessíveis às populações dos países em desenvolvimento". Pelos dados do site, são mais de 7,5 mil participantes de 130 países.

    Para Alexandre Hannud Abdo, cientista molecular e pesquisador da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), uma Ciência Aberta é a essência da própria ciência. "Se considerarmos os valores filosóficos e bases epistemológicas, podemos afirmar que, se não é aberto, não é ciência". Ele ressalta que essa abertura tem relação direta com as tecnologias disponíveis e conclui que o movimento Ciência Aberta pode ser entendido como um processo de atualização das práticas científicas frente a essas novas tecnologias. No caso, a internet.

    Aliada a essa incorporação, o movimento também é uma reação às restrições impostas quanto à prática e aplicação do conhecimento científico, que na opinião de Abdo, servem para garantir interesses particulares. "Há grupos da sociedade civil cobrando que o produto de investimentos públicos em ciência seja disponibilizado em domínio público. Essa pressão é fundamental. Não faz sentido ter um movimento de Ciência Aberta que não inclua cidadãos interessados na ciência. E esse comprometimento público é parte da motivação dos cientistas profissionais que participam do movimento", avalia.

    Abdo participa do grupo de trabalho em Ciência Aberta, criado com o objetivo promover discussões para um maior entendimento e difundir práticas de processos abertos na ciência. O grupo de trabalho, que conta com o apoio da Rede pelo Conhecimento Livre (OKFn Brasil), versão nacional da Open Knowledge Foundation, foi criado oficialmente durante o Encontro de Acadêmicos pelo Conhecimento Livre, evento realizado nos dias 7 e 8 de junho, em São Paulo.

    Além do acesso a publicações e dados científicos, outras propostas de trabalho do grupo são ferramentas científicas abertas (como softwares, hardwares, insumos e metodologias) e recursos educacionais abertos, além de ciência cidadã e wikipesquisas (que prevê o compartilhamento e colaboração aberta).

    REDES Na avaliação de Beatriz, a construção colaborativa apresenta características importantes, como o enriquecimento da pesquisa e possibilidade de alcançar resultados de forma mais rápida. Isso porque a colaboração de diversas pessoas alia diferentes habilidades e conhecimentos. "Podemos falar aqui na formação de redes cognitivas que têm muito mais potencial produtivo e criativo do que pessoas ou equipes isoladas", afirma.

    A pesquisadora desenvolveu um trabalho intitulado Meta Autoria Wiki, como parte de sua pesquisa de doutorado, na Escola de Comunicações e Artes (ECA), da USP (2012). "Minha ideia era observar na prática como se dá um processo de autoria colaborativa em um ambiente em que eu tivesse o controle sobre a proposta", explica. Ela convidou as pessoas a participarem, a partir de um texto inicial que tratava de transformações na autoria no meio digital. "O resultado foi muito rico, pois os participantes ampliaram bastante aquilo que eu tinha proposto inicialmente".

    ESPAÇOS Já existem disponíveis na rede diversas formas de colaboração e espaços pelo conhecimento livre. Apenas para citar alguns, o ResearchGate é uma rede social exclusiva para pesquisadores, criada em 2008, na qual os participantes trocam informações, dão dicas, opinam e tiram dúvidas, além de disponibilizar textos resultantes de sua produção científica, como artigos, teses, livros. O arXiv, em funcionamento desde 1991, consiste em um arquivo on line de preprints publicados sem a revisão por pares - e o Peerage of Science (PoS), que permite a submissão de artigos a um sistema de avaliação por pares alternativo ao convencional.

    AVANÇOS Em uma rápida avaliação sobre o desenvolvimento de ações e práticas de Ciência Aberta, Alexandre Abdo aponta que o Brasil está em uma situação avançada em relação a acesso aberto e cita como exemplo a SciELO, biblioteca on line, que neste ano completa 15 anos. Também destaca o crescente interesse de instituições para a implantação de repositórios institucionais, bem como avanços no que se refere aos centros de software livre em universidades. "Mas, ao mesmo tempo, estamos longe de entender que, quando o código não está disponível para auditoria e desenvolvimento por outros cientistas, ele é ineficiente e não cumpre os fundamentos epistemológicos do conhecimento científico que a sociedade espera". Nesse sentido, os principais desafios do movimento pela Ciência Aberta são, de acordo ele, operar mudanças na cultura da comunidade científica, aumentar e fortalecer esforços para investigação de processos abertos na ciência. "Ainda tem gente influente no meio científico que vê o público como audiência e o cientista como portador do conhecimento". Questionando esse posicionamento, Alexandre Abdo lembra que boa parte do conhecimento está disponível, por exemplo, na Wikipedia e PLoS One, uma revista científica de acesso aberto. "Cabe à sociedade, a cada cidadão, decidir se quer ser passivo ou não perante a ciência".

     

    Véronique Hourcade