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    Ciência e Cultura

    versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.65 no.4 São Paulo  2013

    http://dx.doi.org/10.21800/S0009-67252013000400019 

     

    Precisão e força dos gestos delicados sobressaem-se nas imagens criadas pela artista

     

    Telas que ressoam as imagens das grandes nebulosas feitas por telescópios. Linhas, manchas, círculos e cores, em gravuras e pinturas, emergem da textura e força das pinceladas. Com elas, adentramos o universo criado pela artista plástica Tomie Ohtake. Também pelos painéis e esculturas de grandes dimensões criados para espaços públicos: dezenas de obras integram a paisagem de algumas cidades brasileiras, com destaque para São Paulo - onde Ohtake vive e trabalha - e para os quatro grandes painéis da Estação Consolação do metrô, na capital paulista.

    Pintora japonesa naturalizada brasileira, Tomie Ohtake nasceu em Kyoto. Aos 23 anos, veio ao Brasil para visitar o irmão e, por conta da Segunda Guerra Mundial, não regressou ao Japão. De sua chegada ao país, costuma lembrar-se do impacto que a luminosidade lhe causou ao desembarcar no porto de Santos: as cores vivas da paisagem e do sol - que faziam, segundo ela, até o próprio ar parecer amarelo - estariam, posteriormente, presentes em muitas de suas criações.

    Ohtake começou a pintar aos 39 anos. Os primeiros trabalhos foram figurativos, mas a abstração logo ganhou predominância em sua obra. "Espaços cromáticos e cores intensas são fortes características do estilo de Tomie Ohtake e estão presentes na maioria dos seus trabalhos", destaca Tatiane Elias, historiadora da arte e pesquisadora da Stuttgart State Academy of Art and Design, na Alemanha.

    Elias conta que entrou em contato com as pinturas de Tomie Ohtake ao estudar o abstracionismo brasileiro e a formação do chamado Grupo Seibi, nome formado pelas iniciais que, em japonês, significam Grupo de Artistas Plásticos de São Paulo. Criado em 1935, reuniu artistas japoneses cuja formação artística se deu inteiramente no Brasil. Flávio Shiró e Manabu Mabe também fizeram parte do grupo, artistas que, como Ohtake, aderiram mais tardiamente a ele, após sua reorganização e retomada de suas atividades - interrompidas por conta da guerra - a partir do final dos anos 1940.

    "A imigração de artistas japoneses ao Brasil contribuiu significativamente para o cenário da arte brasileira", afirma Elias ao lembrar a importância do grupo Seibi e, ressaltar que, nas obras de Ohtake, há um intenso diálogo entre o Brasil e o Japão, entre as diferenças estéticas e culturais desses dois países: "Ao criar sua arte, Tomie Ohtake conjuga de maneira singular as duas culturas".

    Ohtake extrai a força das cores da paisagem brasileira; inspira-se também na simplicidade e precisão do haikai - poesia de intensa expressão através do uso de poucas palavras - e, ainda, valoriza os espaços vazios, presentes na arquitetura dos templos e jardins de Kyoto. Sua busca é por afetar o espectador num engajamento imediato com suas obras e com o próprio gesto de pintar. "As formas, os contrastes das cores intensas e primárias - o vermelho, principalmente - querem seduzir o espectador. Suas pinceladas e as esculturas curvas, abertas e soltas no espaço são elementos marcantes do estilo de Ohtake", lembra Elias.

    Rigor e simplicidade Em sua economia de traços e cores, a pincelada ganha evidência nos trabalhos da artista plástica. Ato pictórico que se distingue da agitação frenética e da veemência da action painting de Jackson Pollock, aproximando-se mais do gesto de Mark Rothko, pintor americano de origem russa que, juntamente com Pollock, é considerado um dos grandes nomes do expressionismo abstrato: "O gesto pictórico de Rothko é o gesto pacato, uniforme, do caiador que pinta um muro; pouco a pouco, seguindo o ritmo regular do movimento que espalha a cor, percebe-se que a tinta altera a situação ambiental, e que está nascendo um espaço onde não havia senão uma interrupção na continuidade do espaço", escreve o crítico e historiador da arte Giulio Carlo Argan, em seu livro Arte Moderna (Companhia das Letras, 1992, p. 623).

    Tal como em Rothko - a quem Ohtake se refere como um mestre - a contenção e o comedimento do gesto de pintar da artista, a variação e a suavidade do ritmo da mão que vai criando texturas, manchas, linhas e cores nas telas, querem fazem chegar ao espectador sensações que afetam não somente o olhar, mas todo o corpo. A criação dessa sensibilidade, através da abstração que prescinde de referentes externos à obra - como a situação vivida pela artista ou alguma referência a um contexto social ou realidade histórica - é alcançada, por Ohtake, numa combinação paradoxal entre o simples e o complexo.

    HOMENAGENS Para comemorar o centenário da artista, o Instituto Tomie Ohtake - projetado por seu filho, o arquiteto Ruy Ohtake, programou a realização de três exposições ao longo de 2013. No primeiro semestre, a mostra "Correspondências" buscou tecer aproximações entre a obra de Ohtake e a de diversos artistas contemporâneos como Mira Schendel, Lia Chaia, Cildo Meireles e Nuno Ramos.

    De agosto ao final de setembro aconteceu, por sua vez, a exposição "Influxos das Formas" para a qual os curadores, Agnaldo Farias e Paulo Miyada - dentre os milhares de esboços que a artista fez durante mais de seis décadas de trabalho e das centenas guardadas em seu ateliê - selecionaram colagens, desenhos, cadernos, croquis e maquetes de esculturas. Em novembro, mês em que a artista completa 100 anos, o Instituto deverá inaugurar a exposição, "Gesto e Razão Geométrica".

     

    Carolina Cantarino