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    Ciência e Cultura

    On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.66 no.1 São Paulo  2014

    http://dx.doi.org/10.21800/S0009-67252014000100004 

     

    BIOLOGIA DO AUTISMO

    Pesquisadores já trabalham com a perspectiva de cura e de criar centro de referência no Brasil

     

    Nos Estados Unidos, o Transtorno do Espectro Autista (TEA) afeta uma em cada 88 crianças, sendo quatro vezes mais comum em meninos do que em meninas – a proporção aumentou após a redefinição do espectro, com a inclusão de sintomas mais leves. Estima-se que na Europa, ou mesmo no Brasil, os índices sejam bem semelhantes. Apesar da alta incidência, o transtorno é ainda mal compreendido, e apenas entre 10 a 15% dos casos possuem causa genética específica. Mas tal síndrome, com mecanismos ainda tão pouco compreendidos, desafia os pesquisadores, e os estimula a buscar não apenas tratamentos, mas soluções definitivas.

    O biólogo molecular Alysson Muotri é um deles. Em seu laboratório em San Diego (EUA), o brasileiro, formado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), faz parte de um grupo pioneiro que conseguiu reverter a condição de neurônios autistas. Sua equipe fez história ao transformar neurônios de portadores da síndrome de Rett em células saudáveis. Esta síndrome é bastante semelhante ao autismo, mas seu funcionamento já está mais bem definido. Em sua pesquisa, Muotri reprogramou células de pele em células de pluripotência induzida, que podem se especializar em qualquer outra (como as células-tronco embrionárias) e, usando duas substâncias (o fator de crescimento insulínico tipo 1 e a gentamicina), observou que elas passaram a se comportar como se fossem saudáveis. Outros grupos também vêm apresentando resultados incipientes que indicam breve possibilidade de cura no horizonte.

     

     

    É apenas o início de um longo caminho – que promete ser bastante promissor. E os investimentos devem crescer, pois se há pouco tempo não havia sequer neurônios autistas para estudo, agora já se fala na triagem de novas drogas que os alterem. A estimativa é que essa pesquisa se reverta em medicação disponível no mercado em 10 anos, considerando a existência de uma nova droga experimental nos próximos 2 ou 3 anos.

    Se hoje ainda são poucas as pesquisas com enfoque de cura, parte disso é porque durante muito tempo imaginou-se o transtorno como doença incurável. "Por meio de modelos animais aprendemos que era possível reverter aspectos da condição mesmo em indivíduos adultos. Isso foi feito pela primeira vez em 2008 e atraiu a atenção de muita gente. No entanto, como modelos animais não recapitulam completamente a condição autista, os resultados não tiveram o devido impacto. Porém, em 2010 nosso grupo mostrou ser possível fazer a reversão fisiológica e funcional de neurônios autistas em laboratório. O impacto foi enorme, pois agora estamos falando de neurônios humanos", diz o pesquisador.

    CENTRO DE EXCELÊNCIA Muotri, pós-doutor em neurociência e células-tronco no Instituto Salk de Pesquisas Biológicas e atualmente professor da Universidade da Califórnia, em San Diego, tem planos de retornar ao Brasil, encabeçando um projeto de um centro de excelência nacional para estudos do autismo. Com a ajuda de um grupo multidisciplinar formado por pais, médicos e empresários, o objetivo é criar uma estrutura única para pesquisa e atendimento. "Entendemos que a cura é fruto de um trabalho científico sério, por isso o centro não deve ter uma postura assistencialista, mas sim científica. A razão de ser desses centros baseia-se no fato de que a ciência seria a forma mais rápida e eficiente de atingir resultados promissores para tratamento de sintomas", diz. A proposta foi apresentada em 2013 aos ministros da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, e da Saúde, Alexandre Padilha, mas ainda não houve uma resposta. Com apoio governamental, o cientista avalia que poderia começar os ensaios clínicos para autismo no Brasil em um ou dois anos.

    A estrutura agruparia laboratórios multidisciplinares em diversos níveis: molecular, genético, celular, anatômico e comportamental. "Não tenho certeza se os laboratórios deveriam ou não estar vinculados às universidades. Estou inclinado a pensar que não, por causa dos conhecidos modelos arcaicos e corporativistas que ainda as regem. De qualquer forma, profissionais qualificados seriam bem-vindos. Talvez o maior entrave esteja no próprio Brasil. Temo pela falta de ambição, inovação e autoestima. Temo também pela busca da gratificação meramente acadêmica ou financeira dos eventuais participantes desse projeto", completa o pesquisador.

    FADA DO DENTE Trabalhando em parceria com Muotri, Patrícia Beltrão Braga, bióloga e professora da USP, é coordenadora do projeto "A fada do dente" em São Paulo, no qual neurônios autistas para pesquisas são produzidos a partir da polpa de dente de leite de crianças afetadas pela doença. Com isso, ela pretende identificar as diferenças existentes entre esses neurônios e os saudáveis, estudar o funcionamento e testar novos medicamentos. Para ela, é essencial para o avanço rápido das pesquisas a criação de um local que centralizasse as informações. "O Brasil tem excelentes pesquisadores, mas estão muito dispersos pelo país, o que não é bom para pesquisa. Quem trabalha com a parte biológica precisa da área clínica muito próxima, pois muitas vezes os pais e terapeutas ajudam a levantar hipóteses, dão pistas importantes para o rumo do trabalho, e quando as pesquisas são casadas, ficam mais rápidas e eficientes. Ter um centro de excelência aqui, nos moldes que conhecemos no exterior, seria ideal. E temos que pensar no número de pessoas que seriam beneficiadas, pois se estima que 1% da população mundial tenha autismo. Não temos dados específicos no Brasil, mas certamente estamos na mesma proporção", aponta ela, que contabiliza em pelo menos US$ 70 milhões o valor necessário para montagem do centro.

     

    Marina Gomes