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    Ciência e Cultura

    versión On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.66 no.1 São Paulo  2014

    http://dx.doi.org/10.21800/S0009-67252014000100007 

     

    BIOTECNOLOGIA

    Transgênicos dividem o continente europeu

     

    Mesma moeda, mesma bandeira, mas quanta diferença! Para além da história e da cultura de cada um dos países que compõem o continente europeu, uma das questões que atualmente os separam é aceitar ou não o cultivo e a comercialização de organismos geneticamente modificados. Áustria, Alemanha, Hungria e França são contra a adoção de transgênicos, independentemente do fato da Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar (EFSA) considerá-los seguros para o consumo humano. Espanha, Portugal e Inglaterra são favoráveis, enquanto a Holanda tem adotado uma posição mais neutra. Em junho de 2013, o Conselho Consultivo das Academias de Ciências da Europa (Easac) divulgou um relatório defendendo que a UE deveria rever sua política em relação aos transgênicos, sob o risco de sofrer consequências econômicas, científicas e sociais, como a perda de competitividade no mercado internacional e o encarecimento dos produtos.

    Uma das recomendações feitas no relatório "Planting the future: ­opportunities and challenges for using crop genetic improvement technologies for sustainable agriculture", do Easac, foi a criação, em caráter de urgência, de um sistema regulatório sobre os OGM's que fosse válido em todos os países da União Europeia.

    A resistência aos OGM's na Europa levou a multinacional norte-americana Monsanto a retirar todos os pedidos de autorização para o cultivo de novos transgênicos que há anos esperavam por uma decisão. Hoje somente o milho resistente a insetos (milho Bt) tem autorização para cultivo em solo europeu.

    DEMORA Na opinião da bióloga Lúcia de Souza, vice-presidente da Associação Nacional de Biossegurança (ANBio), as decisões de países europeus, no que diz respeito à regulamentação dos transgênicos, resultam em um processo lento e caro. "O sistema regulatório, que não foi bem implementado, é mal gerenciado. As regras que existem são ignoradas e produtos geneticamente modificados aguardam muito tempo, numa espécie de limbo burocrático, até uma decisão sobre sua liberação ou proibição", afirma. De acordo com ela, atualmente, além dos custos de pesquisa e desenvolvimento, são necessários cerca de quatro anos, com custos da ordem de sete milhões de euros (cerca de R$ 20 milhões) adicionais para a liberação comercial de uma nova variedade. Na Europa, a aprovação comercial de um cultivo transgênico pode custar até 11 milhões de euros e requerer uma equipe jurídica por muitos anos. "Por exemplo, dos 15 anos que a batata transgênica Amflora levou para ser liberada, 13 foram gastos somente com a obtenção de conformidade regulatória. Em dezembro passado, a UE anulou a autorização que existia para o cultivo e comercialização da batata.

    Esse processo é especialmente impeditivo para instituições do setor público e empresas de pequeno a médio porte", diz. Esse é um dos pontos destacados pelo Easac. Para o Conselho, a situação, do jeito que está, acaba favorecendo o monopólio da produção e distribuição de sementes por grandes empresas multinacionais como a Monsanto e a Basf. Essa é justamente uma das grandes críticas das ONGs ambientalistas, contrárias à adoção dos transgênicos.

    Críticos das restrições ao cultivo de sementes geneticamente modificadas afirmam que essa política retira o direito de escolha do produtor, deixando-o em desvantagem em relação a produtores de países onde os transgênicos são liberados. "Nos últimos anos tem ocorrido uma perda de mão de obra qualificada, além da migração da pesquisa e inovação do setor agrícola", destaca Lúcia de Souza, que também é secretária executiva do Public Research and Regulation Initiative (PRRI), um grupo internacional de especialistas em biotecnologia, que participa nas negociações de tratados e regulamentações relevantes para a adoção segura de biotecnologia. Enquanto a Hungria queima lavouras de milho transgênico, a Espanha é o país onde a área plantada com lavouras transgênicas mais cresce. Os espanhóis plantam há mais de 14 anos o milho Bt, resistente a insetos. Segundo o Ministério de Agricultura e Meio Ambiente espanhol, a área cultivada bateu novo recorde em setembro de 2013, com quase 139 mil hectares, um aumento de 19% em relação a 2012.

    OPINIÃO PÚBLICA Entretanto, se as barreiras para o cultivo são difíceis de transpor, na esfera do consumo, elas não são tão sólidas. Segundo relatório da Comissão Europeia, o bloco europeu é o maior importador de grãos do planeta, com números que chegam aos 30 milhões de toneladas de grãos por ano. No caso da soja, a produção doméstica cobre apenas 7% da demanda e 94% das importações são do Brasil e Argentina, onde predominam variedades transgênicas (ver box). O comportamento de compra dos consumidores tem se mostrado contraditório em relação às atitudes declaradas. Dados do Programa da União Europeia, "Escolha do Consumidor", indicam que, quando produtos alimentares transgênicos estão disponíveis nas prateleiras, os consumidores geralmente estão dispostos a comprá-los como qualquer outro novo produto. Em 2012, um relatório da Comissão Europeia revelou que República Checa, Estônia, Holanda, Polônia, Espanha e Reino Unido têm produtos rotulados como transgênicos à venda, como a batata frita em óleo transgênico, na Holanda, pipoca transgênica, na República Checa e na Bélgica, chocolate informando a presença de soja e milho transgênico.

    Pesquisa recente, liderada por Carl Johan Lagerkvist, do Departamento de Economia da Universidade Sueca de Agricultura, mostra que consumidores europeus não são mais contrários aos transgênicos do que os de outras regiões do mundo. A equipe de cientistas analisou informações de 214 estudos, incluindo mais de 200 mil respostas de 58 regiões geográficas. Eles concluíram que a maioria das perguntas foi enquadrada em uma forma negativa, abordando mais os riscos e questões morais, ao invés de benefícios, inclusive em pesquisas do Eurobarometro. Se os benefícios forem explicitados, espera-se que os resultados sejam diferentes, concluíram os pesquisadores.

    EUROPA LIVRE Por outro lado, o plantio de transgênicos na União Europeia encontra forte oposição de ONGs como o Greenpeace e a Friends of the Earth (Amigos da Terra). Os ambientalistas e cientistas ligados a essas entidades afirmam que os OGM's representam uma ameaça em potencial tanto para a saúde humana quanto para o meio ambiente. Em um relatório sobre o uso do glifosato, encomendado pelo Greenpeace internacional, Charles Benbrook, pesquisador da Washington State University, afirmou que o uso das sementes transgênicas resultou no surgimento e na propagação de ervas daninhas resistentes ao glifosato nas plantações de milho, algodão e soja nos Estados Unidos. Assim, os produtores tiveram que aumentar as aplicações do herbicida, aumentando os custos da produção.

     

     

    VALOR AGREGADO Nesse cenário os produtores que optam por métodos tradicionais de produção, como o melhoramento genético, têm espaço garantido. Há 17 anos o Programa de Melhoramento de Soja da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) atua em pesquisas com objetivo de desenvolver sementes de soja adaptadas ao Cerrado, com maior produtividade de grãos e de óleo, resistência à ferrugem asiática e outras doenças. De acordo com Osvaldo Hamawaki, coordenador do programa na UFU, as sementes proporcionam o pagamento de bônus adicionais aos produtores, cujos valores vão de R$ 4 a R$ 11 por saca de 60 quilos.

    A Caramuru Alimentos investe, há pelo menos três anos, nas pesquisas para melhoramento genético da soja desenvolvidas na UFU. Segundo César Borges de Sousa, vice-presidente da empresa, o programa já deu resultados positivos, como o lançamento de cultivares convencionais de alta produtividade como a Carajá, Milionária e Impacta. "O avanço das lavouras transgênicas está fazendo da soja geneticamente modificada uma commoditie, enquanto que a soja não transgênica passa a ser um produto com valor agregado", diz ele. A empresa vende sementes não-transgênicas no Brasil e em países como a França, Alemanha, Holanda e Japão, onde há fortes restrições ao cultivo e ao consumo de OGMs.

    Para Lúcia de Souza, países como a Áustria, por exemplo, dificilmente mudarão sua posição nos próximos anos. O país é um dos que proíbe a produção da batata Amflora. Desenvolvida pela Basf, ela foi especialmente modificada para ter uma composição de amido que permite o processamento com menos energia, água e produtos químicos em aplicações industriais, como na indústria de papel. A batata Amflora não serve para consumo humano. Por outro lado, ainda segundo a bióloga, alguns discursos e decisões políticas recentes geram a impressão que a situação pode estar mudando em alguns países. Nos anos 1990, o Reino Unido era fortemente contra os transgênicos. Hoje várias autoridades, como o ministro da Agricultura, David Heath, George Freeman, membro do Parlamento e conselheiro científico do governo, Owen Paterson, secretário do Meio Ambiente, Alimentação e Questões Rurais e, ainda, o primeiro ministro, David Cameron, vêm, abertamente, defendendo que a adoção da tecnologia OGM oferece "grandes oportunidades" e admitindo a necessidade de informar melhor ao público que ela é segura.

    MUDANÇA COM A CRISE Além dos fatores científicos, políticos e culturais, as questões econômicas exercerão um peso fundamental na balança que vai decidir ou não pela disseminação dos transgênicos na Europa. "A crise econômica e os preços dos alimentos, além do desafio de alimentar a população e ainda diminuir o impacto ambiental, podem ser decisivos na criação do espaço que falta para ideias inovadoras", afirma Lúcia de Souza. Além disso, acredita, a dependência da importação de grãos transgênicos para alimentar a produção animal juntamente com a crescente adoção global de transgênicos, pode fazer com que as decisões políticas acabem tendo que refletir, na Europa, o desenvolvimento tecnológico e mudanças na agricultura do resto do mundo. "Acredito que mudanças no Velho Continente são lentas, mas no caso dos transgênicos e outras tecnologias novas, que vêm sendo desenvolvidas para a agricultura, são inevitáveis e, com o tempo, simplesmente vão se estabelecer", finaliza.

     

    Patrícia Mariuzzo