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    Ciência e Cultura

    On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.66 no.1 São Paulo  2014

    http://dx.doi.org/10.21800/S0009-67252014000100008 

     

     

    ESPORTE

    A ciência e a arte de correr descalço

     

    Desde o lançamento do livro Born to run de Christopher McDougall pregando a corrida descalça, o uso de tênis e a maneira de correr entraram em xeque. O jornalista narrou a vida dos índios mexicanos Tarahumara – exímios corredores descalços ou com huaraches (sandálias feitas com tiras de pneu) – e reacendeu uma ideia latente desde que, em 1960, o etíope Abebe Bikila venceu a Maratona Olímpica correndo sem tênis.

    A maneira como os pés tocam o chão produz uma reação em cadeia afetando o corpo todo. A maior parte dos estudos atuais na área são de Daniel Lieberman, pesquisador do Departamento de Biologia Humana Evolutiva de Harvard. Ele notou que corredores quenianos descalços pisam de maneira suave sobre a parte da frente do pé, gerando quase zero impacto.

    Estima-se que 80% dos corredores pisem, ao contrário, predominantemente primeiro com o calcanhar, o que gera uma força de até quatro vezes o peso corporal. Um estudo publicado no American College of Sports Medicine constatou que quem pisa dessa forma tem mais lesões, pois o impacto diretamente nos joelhos é maior, e é por isso que o uso de tênis é reforçado. "Estamos aptos a realizar propulsão quando o corpo está exatamente acima dos pés no momento da passada, mas ao tocar o chão com o calcanhar, a perna está à frente do corpo, sem condições de maximizar a propulsão. Ao pisar primeiramente com o calcanhar, 'empurramos' o chão para frente e, pela lei da ação e reação, o chão nos empurra para trás. Por outro lado, ao tocar o chão com o antepé, o corpo naturalmente está acima dos pés e dessa forma a pisada é fisicamente mais eficiente", explica Fernando Nóbrega Santos, professor do Departamento de Matemática da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) que ministra cursos de divulgação científica unindo sua formação em física teórica e sua atuação como triatleta amador.

    DESCALÇO É MELHOR Há uma nítida mudança de técnica quando descalço. A tendência é aterrissar primeiro com a parte anterior do pé, o que diminui o impacto, pois o amortecimento ocorre no joelho e na articulação do tornozelo e a impulsão é feita com menos esforço. "Este tipo de pisada é mais rápida e faz com que o organismo não gere contração muscular para atenuá-la", explica Vitor Tessutti, mestre em ciências da reabilitação pelo Laboratório de Biomecânica do Movimento e Postura Humana da Universidade de São Paulo (USP).

    Uma coisa é certa: os tênis com sistema de amortecimento mudaram a pisada natural. Um artigo de revisão publicado em The Journal of Foot and Ankle Research revelou que crianças deixam os passos mais longos quando começam a usar calçados – e pisam com mais força no calcanhar. "O tênis possui grande importância para a técnica de passada. Dependendo dele, a passada pode modificar, significativamente, a técnica de corrida", diz Marcus Peikriszwili Tartaruga, coordenador do Laboratório de Biomecânica (Labier) do curso de educação física da Universidade Estadual do Centro-Oeste.

    MUDANÇA DE HÁBITO Mas jogar o tênis fora não é necessariamente a melhor solução. Com base em pesquisas, surgiu uma série de calçados chamados "minimalistas", com pouco ou sem nenhum amortecimento. O biólogo Peter Larson, professor do Saint Anselm College em New Hampshire (EUA), descobriu que a maior parte dos que testaram esses calçados continuavam a pisar primeiramente com o calcanhar.

    Por isso, todos que se interessam em testar a corrida descalça devem fazer com pacimônia. "É importante que a transição para o minimalista seja feita em progressão, seguindo os princípios do treinamento, aumentando gradativamente a quilometragem e o tempo", alerta o treinador Marcos Almeida, especialista em ciência da musculação e mestre em ciência da motricidade humana pela Universidade Campos dos Goytacazes (UCG).

     

    Marina Gomes