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    Ciência e Cultura

    versión On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.66 no.1 São Paulo  2014

    http://dx.doi.org/10.21800/S0009-67252014000100021 

     

    LITERATURA UNIVERSAL

    DA INGLESA STRATFORD-UPON-AVON À MINEIRA SÃO FRANCISCO DE PAULA, SHAKESPEARE VIVE HÁ 450 ANOS

     

    Em abril de 2014 comemoram-se os 450 anos de William Shakespeare, que continua influenciando o teatro e a literatura, principalmente no ocidente. Adaptações de Romeu e Julieta, Hamlet, Rei Lear e tantas outras obras estão em filmes, novelas e peças teatrais encenadas em todo o planeta. Suas tragédias, comédias e dramas são populares até hoje e estudados, encenados e reinterpretados em diversos países. Expressões extraídas de seus textos, como "ser ou não ser" e "há mais mistérios entre o céu e a terra do que sonha a nossa vã filosofia", estão incorporadas em diversos idiomas. E mais, escritas inicialmente em pergaminho, as peças de Shakespeare já estão disponíveis na forma de aplicativos para tablets e smartphones, lançados pela Cambridge University Press, que unem textos com performances de áudio, comentários e outros conteúdos interativos, introduzindo sua obra à era digital.

    Nascido e criado em Strat­ford- upon-Avon, Shakespeare fez sua carreira em Londres. Mas o bardo de Avon, como era conhecido, continua inspirando contadores de histórias, seja no interior da Inglaterra seja nos grotões de Minas Gerais. Que o digam os pouco mais de sete mil moradores da pequena São Francisco de Paula, no centro-oeste de Minas, onde meninos e meninas de 9 a 12 anos, a maioria filhos de empregados de propriedades rurais dos arredores da cidade, encenam atual­mente diferentes trechos de ­su­as peças. O pot-pourri foi criado por Aimara da Cunha Resende e faz parte do projeto "Shakespeare e as Crianças", coordenado por ela e que conta com apoio da prefeitura municipal da cidade mineira.

    Aimara, especialista na obra do dramaturgo inglês, considera o bardo um artista genial: "ele era um apaixonado pela humanidade e a considerava muito divertida; em Hamlet, por exemplo, ele afirma 'Que obra de arte é o homem!'".

    ARTE CIDADÃ Professora aposentada da Universidade Federal de Minas Geras e presidente do Centro de Estudos Shakespeareanos (CESh), Aimara explica que o objetivo do projeto é dar noções de arte e cidadania a crianças. "Começamos nosso trabalho voluntário contando histórias extraídas de comédias de Shakespeare e os estimulamos a escolherem aquela com a qual pretendem trabalhar; com isso, eles aprendem a votar, a ter responsabilidade pelas decisões que tomam, a ter respeito e solidariedade com quem convivem". Além de ampliar seus horizontes culturais, os pequenos shakespeareanos praticam escrita, expressão oral, criatividade, aprendem a ouvir música clássica e a apreciar boas peças de teatro e livros. E a população é periodicamente brindada com peças de Shakespeare.

    O projeto existe há doze anos e, atualmente, integra, com outros quatro projetos, o Circuito Gandarela de Minas, uma iniciativa do Instituto Gandarela, uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) cujo principal projeto é a construção de uma réplica do Shakespeare Globe Theatre, na cidade Rio Acima. A inauguração está prevista para 2016, quando se completam 400 anos de morte do bardo de Avon.

    HUMOR SOCIAL A atualidade dos textos de Shakespeare é reconhecida nos meios acadêmicos e pelo público. Neles, o dramaturgo recriava a sociedade inglesa renascentista e reproduzia o absolutismo político dominante. Num primeiro momento, seus textos parecem aceitar a postura maniqueísta de "certo versus errado". "Mas num nível subjacente, ele relativiza os valores existentes, carnavalizando-os, através da ambiguidade da ironia que os desvela, questiona e subverte", afirma Aimara.

     

     

    Em um texto intitulado "O irônico e subversivo William Shakespeare", a pesquisadora explica: "ao contestar a unidade do ser e a verdade absoluta, Shakespeare nos faz ver a vulnerabilidade humana e a relatividade da lei. Quem seria mais frágil do que o autoritário Rei Lear, ao descobrir a tenuidade de sua verdade? E o que dizer das mulheres shakespearianas, imbatíveis, quase todas, num universo machista e patriarcal? Corajosas, equilibradas, firmes, perspicazes, extremamente inteligentes, quase todas as heroínas criadas pelo bardo suplantam os homens que as rodeiam". Segundo Aimara, ao dedicar seus Sonetos a um desconhecido e amado jovem, e não à inatingível mulher idealizada, Shakespeare desrespeita as normas poéticas e as injunções sociais. "Alguns desses poemas, contudo, são para uma 'dama escura', lasciva e infiel, antítese da alva e etérea deusa petrarquiana". Diferente desta, sua musa, não convencional, "anjo mau", humana, cujos "olhos nada têm do sol", e com "arame negro cresce[ndo] em sua cabeça", tem hálito desagradável, mas, diz ele, no Soneto 130, é mais amada que qualquer "ela, falsamente comparada". Nada mais atual!

     

    Leonor Assad