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    Ciência e Cultura

    versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.66 no.1 São Paulo  2014

    http://dx.doi.org/10.21800/S0009-67252014000100024 

     

    IURI PEREIRA

     

    ELOGIO DE UMA CIDADE – RESPOSTA ATRASADA PARA MINHA IRMÃ

    Desculpe não ter respondido antes,
    estava viajando e voltei ontem.
    Se tiver um tempo
    te recomendo muito uma pequena cidade
    chamada Bolonha,
    que significa "toda boa".
    Fica na Itália.

    Lá tem duas torres na praça
    que são bonitas até
    e antigas
    e vale a pena ver.

    Depois, um lindo castelo,
    a vinte passos,
    de um rei chamado Enzo.
    É bonito também.
    Nem parece de verdade.

    Tem também uma pinacoteca
    com pinturas pequenas
    e grandes, medievais.
    Algumas bem comoventes.

    Uma igreja no alto de um morro
    ela mesma linda e com um caminho
    por galerias cobertas
    que se faz a pé.
    Sem contrição.

    Mas tudo isso é só o ornamento
    de uma vida que a percorre
    e que é feita por uma gente
    grata, otimista e persistente,
    uma vida que está nas ruas
    e continua atrás das portas,
    que está na resposta
    casual ao pedido de informação
    de um viajante desnorteado
    e também na graça dada
    à conversa espontânea na praça
    ou ao redor de uma mesa de jantar,
    donde mais motivada, mas não menos generosa.

    É por essa gente
    amigada às coisas e à vida
    que te recomendo.
    Porque, não são as pessoas
    a mais grata surpresa da vida?

     

    QUEM ME GUIA, RESPIRA

    Quando estou no elevador
    amo a insipidez metálica

    Quando estou na roça
    a umidade da terra
    o canto dos pássaros

    Porque a meu corpo
    só as coisas importam

    Indiferente às ideias
    goza as coisas
    que nele esbarram,
    se espalha e recolhe,
    está presente

     

    INSTRUÇÕES PARA BELISA

    Se for à praia
    convém levá-los prontos.
    Não se pode lutar
    contra o vento e a umidade
    que serão contrários
    à bela execução.

    O papel,
    pré-cortado e perfeitamente seco,
    deslizará entre os indicadores e polegares
    para formar o leito.

    O fumo, sem caroços e bem desfiado,
    encontra então o leito pronto
    onde deitar-se.
    Um pequenimo punhado
    será bastante.

    Em seguida, acrescenta-se o filtro,
    cuja espessura e forma
    delimitará o restante.

    Novamente se rola entre os dedos
    acondicionando o fumo
    como um cilindro.

    Apertando bem
    se dobra para dentro
    a parte sem cola
    deixando saliente
    o outro lado do papel.

    Com pouca saliva
    a cola sensibiliza-se
    para aderir ao papel
    formando um canudo.

    Seu cigarro estará pronto
    para acomodar-se
    entre os lábios.

    Uma pequena chama
    para acionar a combustão
    e a saborosa fumaça poderá descer
    ao quarto escuro dos pulmões.

    Tudo para acabar
    em cinza, fumaça e lembrança.
    Tudo para acabar
    como nós
    em um suspiro.

     

    HAMBURGO ME PARTINDO

    Em todo lugar onde pouso
    eu deixo o meu coração

    e quando parto
    sinto uma dor

    que é a mesma
    dor do parto

    mas parto
    de um coração

    meu coração não se parte
    fica sempre inteiro em mim

    e fica inteiro onde o deixo
    e sobrevive sem mim.

    Céu de Hamburgo, 19 jan. 2013

     

    Iuri Pereira (São Paulo, 1973) é editor e professor de literatura. Mestre em teoria literária (IEL-Unicamp), publicou Dez poemas da vizinhança vazia (2012) e organizou uma edição da Farsa de Inês Pereira, de Gil Vicente (2012). Os poemas aqui publicados pertencem a um trabalho em andamento provisoriamente intitulado Lavoura dentro.