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    Ciência e Cultura

    versión On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.66 no.1 São Paulo  2014

    http://dx.doi.org/10.21800/S0009-67252014000100025 

     

    SUELI CAVENDISH

     

    NA ESCADA

    No alto da escada teve coragem para começar o fim. Já não podia ser, entre eles. Não se formava uma imagem quando queria pensar nos dois juntos. 'Havia outro', disse. Não que ele não soubesse. Mesmo assim a reação foi brutal. Ele agarrou com as duas mãos o corrimão da longa escada em L, que veio inteiro ao primeiro puxão. Como se tivesse levantado o dorso de um enorme animal, de uma proto-lagarta, os pregos-patas visíveis na parte inferior da barriga desnuda. Foi então que o terror a levou a negar tudo. Não tivera todo esse terror quando dias antes ele apontara a arma para ela. Ao contrário, enfrentou-o; desafiou-o a atirar, que estava disposta a enfrentar esse fim, tudo para que ele soubesse – para que ela soubesse – que pertencia a si mesma. Ser de si mesma é o que seria a qualquer preço. Ele então se acovardara – deixara que tomasse corpo por inteiro a covardia que era da sua natureza, coisa feia de se ver, como a barriga da lagarta. Todo aquele medo não a fazia, entretanto, querer pensar num futuro como fora o passado. Não formava imagem. Há muito saltara à frente de si mesma. Vivia ali numa espécie de limbo, esperando o tempo de viver.

    A inevitabilidade de esse acontecer assim por essa forma surgira de um lugar incerto. Nele nela, num quando e circunstância que antecipava os dois. Nascera n'algum estranho, desarvorado mito. Não era, portanto, como se jamais tivesse duvidado de que aquilo era preciso. Da necessidade, da inevitabilidade, daquilo, é o que digo. Pensar pensava, e pensava mais ainda, sobre se era preciso, se era inevitável e necessário que viesse a ser. Ou não, se não era nem necessário, nem inevitável nem preciso. Passava assim os dias a equilibrar-se, ou desequilibrar-se, no mesmo pêndulo. Era ou não era, evitável, inevitável, certo ou errado, normal ou absurdo, preciso. . .impreciso. Totalmente impreciso, é o que era. Mas vinha, sim, viria, assim mesmo, tanto que veio.

    Porque até então nunca lhe ocorrera que não era necessário ser necessário. Não era preciso. Nunca lhe ocorrera que tudo o que ela tinha de fazer era querer, e então decidir e em seguida agir. Querer sim, talvez fosse necessário. Mas precisava de uma inevitabilidade só pra se livrar da culpa. Boba, como se algum dia alguém pudesse se livrar de culpa. Nada era necessário, nada era preciso. Inevitável só a agonia de se ver só, só, completamente só diante do que vinha, sem ter quem lhe dissesse "você não tem saída, o que vai acontecer é necessário e preciso".

    Ela então moveu a primeira pedra.

     

    Este conto foi publicado na íntegra em Eutomia – Revista de Literatura e Linguística da UFPE, em dezembro de 2013. http://www.repositorios.ufpe.br/revistas/index.php/EUTOMIA/index

    Sueli Cavendish é professora doutora de literaturas de língua inglesa do Departamento de Letras da mesma universidade. É editora de Eutomia, ensaísta e tradutora.