SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.66 número2 índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

    Links relacionados

    • Em processo de indexaçãoCitado por Google
    • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

    Compartilhar


    Ciência e Cultura

    versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.66 no.2 São Paulo jun. 2014

    http://dx.doi.org/10.21800/S0009-67252014000200005 

    BRASIL
    CAMPOS SULINOS

     

    Planícies recheadas de biodiversidade

     

     

    Raíssa de Deus Genro

     

     

    Grandes extensões de terras planas ou levemente onduladas, com arbustos baixos e vegetação rasteira. Esta é a principal característica dos campos sulinos, localizados no bioma Pampa, na porção sul e oeste do Rio Grande do Sul, e nas partes mais altas do planalto sul-brasileiro, onde predomina o bioma Mata Atlântica. Os campos sulinos são ecossistemas naturais, ou seja, eles já existiam na região sul do Brasil muito antes da expansão das formações florestais. Atualmente, porém, enfrentam grande degradação em virtude da expansão da monocultura da soja e da silvicultura. Conforme levantamentos do geógrafo Henrich Hasenack, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, as perdas já são de 60%.

     

    CAMPOS FÉRTEIS EM BIODIVERSIDADE

    A aparente monotonia das planícies contrasta com os altos índices de biodiversidade: considerando os 174 mil quilômetros quadrados de campos originais no estado do Rio Grande do Sul, existem 2,6 mil tipos de plantas vasculares (que possuem tecidos especializados para transportar o alimento para as células). Outra característica marcante dos campos sulinos é o alto grau de endemismo (quando uma espécie ocorre em uma área geográfica única) da flora da região: cerca de 500 plantas são endêmicas, ou seja, crescem somente no Rio Grande do Sul. O alto grau de biodiversidade e de endemismo são resultado da combinação de influências das florestas tropicais, situadas no Brasil Central, e das floras temperadas originárias do sul da América do Sul.

     

     

    A fauna dos campos sulinos também merece destaque: só na parte brasileira (esse ecossistema se estende pelo Uruguai e Argentina) são conhecidas 480 variedades de aves e cerca de 90 de mamíferos. Além disso, mais de uma centena de aves e pelo menos 25 espécies de mamíferos estão intimamente associados aos habitats campestres. Considerando tanto a parte brasileira do bioma Pampa como os campos do planalto sul brasileiro, são conhecidas 21 variedades endêmicas de vertebrados, número que deve aumentar com novas descobertas. A maior parte desses endemismos é exclusiva dos campos planálticos do bioma Mata Atlântica, ocorrendo do nordeste do Rio Grande do Sul até os campos gerais do Paraná. Os vertebrados endêmicos dos campos do sul do Brasil incluem cinco tipos de peixes, oito de sapos, rãs e pererecas, quatro de répteis (três serpentes e um lagarto), três de aves e uma de mamífero.

     

    SERVIÇOS AMBIENTAIS

    Os campos sulinos prestam também importantes serviços ambientais: eles são a principal fonte forrageira para a atividade pastoril, um dos pilares da economia do Rio Grande do Sul; conservam recursos hídricos superficiais e subterrâneos, além de oferecer beleza cênica com grande potencial turístico.

    Para estudar esse ecossistema, e os serviços ambientais que ele oferece para o homem, foi criada em 2012 a Rede de Pesquisa Campos Sulinos, que tem apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e é composta por mais de 20 instituições do Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina. Entre as pesquisas realizadas estão levantamentos de grupos de espécies, análise dos impactos das mudanças climáticas nos campos nativos, entre outras. Um desses estudos indicou, por exemplo, que manejos pastoris conservativos da biodiversidade aumentam a resiliência dos ecossistemas campestres, contribuindo, assim, para a adaptação dos sistemas produtivos pecuários às mudanças climáticas.

     

     

    PRINCIPAIS AMEAÇAS

    A partir dos anos 1970, os campos de capim barba-de-bode do noroeste do estado do Rio Grande do Sul foram impactados pelas transformações no uso da terra, principalmente pelas lavouras de soja e trigo, que foram se estendendo por outras regiões campestres do Rio Grande do Sul e hoje ocupam grande parte da região. Ao todo, 32 espécies de animais e plantas ameaçadas de extinção no âmbito regional, nacional e/ou mundial dependem dos ambientes campestres para a sua sobrevivência (ou dos mosaicos de campos florestais) como o veado-campeiro, lobo-guará e a águia-cinzenta do charão. A silvicultura, com plantio de eucalipto, pinus e acácia-negra (ainda que em menor extensão) tem causado grandes transformações na região. O plantio de eucalipto, especialmente a partir de 2005, passou a ocupar o espaço dos campos e, sobretudo, da pecuária, em regiões com solo e clima menos favoráveis a uma agricultura com lavouras anuais, mas bastante adequadas para a silvicultura.

     

    QUEIMADAS

    A dinâmica natural dos campos sulinos está ligada à ocorrência de pastejo animal e fogo. Avaliações sobre esses distúrbios mostraram que sua ausência reduz a diversidade de espécies vegetais. Eles são essenciais para a conservação. Existe, porém, uma relação inversa entre a intensidade de pastejo e a frequência de queimadas: onde o pastejo é suprimido, a vegetação se torna mais inflamável e as queimadas tendem a apresentar maior extensão e intensidade. Por outro lado, áreas manejadas adequadamente com pastejo são menos inflamáveis. O uso pastoril com manejo adequado pode ser produtivo e manter a integridade dos ecossistemas campestres e demais serviços ambientais.

     

    AÇÕES PARA EVITAR EXTINÇÃO

    Para Valério Pillar, coordenador da Rede Campos Sulinos e professor do Centro de Ecologia, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, para garantir a conservação desse importante ecossistema, é urgente cumprir a o Código Florestal brasileiro (Lei 12.651/2012), com a delimitação dos remanescentes e áreas consolidadas dos campos sulinos. É preciso também exigir autorização e fiscalizar a supressão de vegetação nativa (Artigo 26 do Código), bem como convencer os proprietários e gestores públicos de que o manejo pastoril da reserva legal de vegetação campestre é essencial para conservação da biodiversidade. Outro ponto destacado pelo pesquisador é a necessidade de tornar a atividade pecuária nos campos sulinos mais competitiva e atraente em relação a outras opções de uso da terra. Segundo ele, isso pode ser feito com manejo pastoril adequado (ajuste de carga animal, manejo em rotação), que resultaria em aumento da produtividade. "O Estado precisa incentivar atividades econômicas que conservem os campos e, ao mesmo tempo, penalizar as que causam a degradação dessas paisagens", finaliza Valério Pillar.