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    Ciência e Cultura

    On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.66 no.2 São Paulo June 2014

    http://dx.doi.org/10.21800/S0009-67252014000200006 

    BRASIL
    AGRICULTURA

     

    Guerra no campo: agrotóxicos são aliados ou ameaça?

     

     

    Marcelo Figueiredo

     

     

    Em 2012 os produtores de soja do Cerrado brasileiro levaram um susto. A ocorrência de lagartas do gênero Helicoverpa atingiu níveis populacionais que nunca tinham sido observados antes, causando sérios prejuízos econômicos. Além da soja, a lagarta atingiu também as culturas de milho, algodão, feijão comum, milho, milheto e sorgo. O diagnóstico da Embrapa foi que o problema foi derivado de práticas de cultivo inadequadas como, por exemplo, o plantio sucessivo de espécies vegetais hospedeiras da praga e o manejo inapropriado de agrotóxicos. A invasão da lagarta Helicoverpa armigera é um dos exemplos de que a agricultura assiste a uma guerra entre as pragas e os agrotóxicos que tentam controlá-las. O saldo até agora parece negativo para os produtores agrícolas e para o meio ambiente. O Brasil, reconhecidamente uma das maiores potências agrícolas do mundo, é também o campeão mundial no uso de agrotóxicos, boa parte deles proibidos no resto do mundo, segundo informações da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), com base em dados das Nações Unidas (ONU) e do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio. Esse caminho começou a ser trilhado em meados da década de 1960, quando o país aderiu à chamada Revolução Verde, processo a partir do qual uma série de novas técnicas de plantio e amplo uso de produtos químicos são introduzidos na agricultura, permitindo aumento considerável na produção, especialmente nos países em desenvolvimento. Graças à ciência e à tecnologia, a agricultura brasileira não para de crescer. Entretanto, esse crescimento traz diversos embates em especial voltados para os efeitos no meio ambiente por conta do uso extensivo de agrotóxicos, como por exemplo, para controlar a Helicoverpa armigera.

     

     

    DESAFIOS NO CAMPO

    Para o agrônomo Carlos Arthur Franz, coordenador geral de proteção de plantas do Departamento de Sanidade Vegetal (DSV), do Ministério da Agricultura, o uso inadequado de produtos químicos pode causar o aumento ou o surgimento de uma nova praga ou doença na lavoura, gerando um desequilíbrio no meio ambiente e, consequentemente, uma seleção de pragas e doenças resistentes aos agrotóxicos. Com isso, o produtor tem que usar esses produtos cada vez mais e em maiores quantidades. Além disso, a falta de rotação de culturas, com a semeadura da mesma planta durante várias safras, ou mesmo sucessões não adequadas de plantas de uma mesma família (milho sobre milheto, por exemplo), pode proporcionar o crescimento populacional de pragas, as quais são capazes de desenvolver várias gerações durante o ano. Segundo o biólogo e produtor de soja e girassol, José Roberto Bronzatti, as aplicações errôneas e abusivas de inseticidas não seletivos diminuem ou eliminam os inimigos naturais das pragas, sejam eles predadores ou parasitoides. Outros agrotóxicos, como os fungicidas utilizados para o controle de doenças, podem afetar o crescimento de fungos benéficos (entomopatogênicos) que atacam e matam as pragas. O aumento constante de pragas é um desafio que o Brasil tem que enfrentar para evitar que essas ameaças se concretizem. "Precisamos reduzir a burocracia na aprovação de novos agroquímicos e melhorar a fiscalização das nossas fronteiras", pondera Bronzatti.

     

    E O FUTURO?

    Para Eduardo Leduc, vice-presidente sênior da Unidade de Proteção de Cultivos da Basf para a América Latina e de Sustentabilidade para a América do Sul, novas pragas vão surgir não somente no Brasil, mas também em seus vizinhos, e de forma mais rápida. "Isso agrava a questão fitossanitária do país", diz Leduc. Ele cita um recente estudo feito por pesquisadores da Embrapa no qual foi constatado que, nos últimos 20 anos, ao menos 20 pragas exóticas foram detectadas no Brasil. "É uma por ano. Será que conseguiremos oferecer tecnologia para lidar com tantos problemas emergentes?", questiona. Os pontos cruciais a serem trabalhados, segundo Leduc, são as deficiências do sistema de inovação e desenvolvimento de novas tecnologias, a transferência de conhecimento e o sistema regulatório fitossanitário do país. Diante desse cenário desafiador, o Ministério da Agricultura e Abastecimento (Mapa) vem se reunindo com as principais entidades do setor para discutir o assunto e estudar a criação de um centro estratégico de política fitossanitária. Segundo Carlos Arthur Franz, engenheiro agrônomo e coordenador de fiscalização do trânsito internacional de vegetais do Ministério da Agricultura, o maior problema do sistema de defesa nacional em funcionamento hoje é a ausência de um fundo de emergência para o socorro imediato dos produtores em caso de ataque de pragas exóticas. Além disso, faltam recursos para a contratação de especialistas e para um trabalho de assistência e transferência de tecnologia aos produtores. "O estado de emergência decretado para a Helicoverpa está nos mostrando, mais uma vez, como são imensas as dificuldades para implementar ações", diz Franz.