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    Ciência e Cultura

    versión On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.66 no.2 São Paulo jun. 2014

    http://dx.doi.org/10.21800/S0009-67252014000200008 

    MUNDO
    ENGENHARIA CIVIL

     

    Turquia inaugura maior túnel submerso do mundo; Brasil também terá o seu, ligando Santos ao Guarujá no litoral paulista

     

     

    Chris Bueno

     

     

     

    13,6 km de comprimento, 3 bilhões de euros de investimento e 150 anos de planejamento. Estes são os impressionantes números do Marmaray, o túnel submerso que liga a Europa à Ásia numa viagem de apenas quatro minutos. Apesar de túneis submersos não serem mais novidade, este é o primeiro do mundo que liga dois continentes: ele atravessa o Estreito do Bósforo, unindo as partes europeia e asiática de Istambul (Turquia). É também o mais profundo: em alguns trechos, o túnel chega a 62 metros abaixo da superfície. O Marmaray foi inaugurado em 29 outubro de 2013 depois de 150 anos de ter sido sonhado e planejado por vários governantes turcos. A ideia do túnel submerso nasceu em 1860, quando um sultão propôs uma passagem sob a água ligando o território europeu ao asiático em Istambul, na tentativa de transformar a cidade num centro internacional. Porém limitações técnicas e financeiras impediram a construção. O projeto voltou a ser cogitado em 1990 devido à explosão demográfica em Istambul, mas as obras só começaram mesmo em 2004, quando o governo turco conseguiu financiamento. "O sonho de vários séculos se tornou realidade", declarou o primeiro ministro turco, Recep Tayyip Erdogan, durante a cerimônia oficial de inauguração. O empreendimento, contudo, ainda não opera com 100% de sua capacidade. A previsão é de que isso ocorra em 2015, e a expectativa é que o túnel transporte até 1,5 milhão de passageiros por dia e reduza em pelo menos 20% o fluxo de trânsito de Istambul, especialmente sobre as duas pontes que atravessam o Bósforo.

     

    ANTI-TERREMOTO

    O Marmaray é um túnel com duplo tubo submerso e foi desenhado para resistir a terremotos de até 9 graus. Isso porque ele se encontra a apenas 20 km da Falha do Norte da Anatólia, região com forte atividade sísmica. Para garantir a segurança, foram feitos estudos minuciosos que recolheram dados geológicos, geofísicos, hidrográficos e meteorológicos. Especialistas do Japão e dos Estados Unidos participaram do projeto. Para resistir aos abalos sísmicos, a união dos segmentos foi feita com estruturas de borracha, que impedem a entrada de água e garantem a flexibilidade necessária durante os terremotos. O túnel também possui engrenagens das comportas que podem vedar cada trecho. Além disso, seus segmentos metálicos são montados dentro de uma canaleta de nove metros de profundidade, que faz parte de uma base de concreto com 16 metros de altura. O túnel possui 1,4 km submersos a mais de 50 metros da superfície. A área do túnel que fica embaixo d'água foi montada em terra: são 11 segmentos metálicos, de 135 metros de comprimento cada um.

     

    RELÍQUIAS HISTÓRICAS

    A construção do Marmaray começou em 2004, mas sofreu um atraso de quatro anos. Durante as escavações da estação de Yenikapi, no lado europeu de Istambul, foi encontrado um verdadeiro tesouro arqueológico dos períodos neolítico, bizantino e otomano. Mais de 40 mil objetos saíram dessas escavações. Entre as relíquias, foram encontrados, em bom estado de conservação, mais de 30 navios bizantinos dos séculos 6 ao 11 - a maior frota medieval conhecida. Entre eles, provavelmente estão os barcos de guerra mais antigos já resgatados. Também foi encontrada uma tumba neolítica de 8, 5 mil anos que contém os restos humanos mais antigos achados até hoje. Sandálias de madeira dos navegantes, suportes para incenso, ânforas, estátuas, âncoras e outras peças completam o tesouro arqueológico. Devido à importância do legado histórico, o projeto possuiu dois historiadores para certificar as descobertas arqueológicas e cuidar de sua preservação. Os achados, que a Unesco já classificou como patrimônio da humanidade, ficarão expostos nas estações à entrada e saída do túnel e em um museu que deve ser construído futuramente.

     

    EXPERIÊNCIA BRASILEIRA

    O Brasil também tem o ambicioso projeto de construir o seu primeiro túnel submerso. O Submerso, nome do túnel que vai ligar Santos ao Guarujá, em São Paulo, deve começar a ser construído em julho deste ano. A previsão é que as obras durem três anos. Atualmente, a ligação entre Santos e Guarujá é feita pela rodovia Cônego Domenico Rangoni, que tem 43 km de extensão, e pelas balsas da Dersa, que levam em média 18 minutos para concluir a travessia e atendem cerca de 20 mil carros por dia. Com o túnel, a travessia passará a ser feita em apenas dois minutos. Isso acarretará uma economia de 2,5 milhões de horas por ano gastas no trânsito. Além do trajeto mais rápido, a expectativa é que o túnel diminua consideravelmente o tráfego intenso que há nas travessias atuais. "O impacto econômico será imenso. Não será mais necessário esperar 30 minutos pela balsa, nem enfrentar congestionamento e filas intermináveis nos horários de pico. E isso se reflete também na qualidade de vida, com um impacto social e econômico positivo", explica Tarcísio Barreto Celestino, professor da Escola de Engenharia de São Carlos, da USP, e vice-presidente da Associação Internacional de Túneis e Espaço Subterrâneo (ITA).

    O projeto inicial era construir uma ponte entre Santos e Guarujá. No entanto, ele se mostrou inviável porque a ponta teria que ter ao menos 85 metros de altura para permitir a passagem de grandes embarcações em direção ao porto, ao mesmo tempo em que não poderia ultrapassar os 75 metros de comprimento para não interferir no espaço da base aérea de Santos. A construção de um túnel escavado também foi descartada, pois as condições geológicas da região não são favoráveis. "Uma ponte teria que ser muito alta e longa. Um túnel escavado teria que ser muito profundo. Essas obras causariam um impacto urbanístico e econômico maior. Por isso o túnel submerso é a melhor solução", aponta Celestino.

    DESAFIO TECNOLÓGICO O túnel terá 762 metros de extensão, 950 metros de rampas e será construído a 21 metros de profundidade. O Submerso vai ter três faixas de rolamento em cada sentido e uma galeria de circulação para pedestres e ciclistas. O orçamento total do empreendimento é de R$ 2,4 bilhões. Seis módulos de concreto, que serão construídos em terra e depois submersos, comporão o túnel. Para garantir a estanqueidade dos módulos, os materiais empregados no concreto passarão por vários ensaios, para comprovar que sua qualidade obedece às normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e às especificações de projeto. Para evitar a formação de microfissuras e impedir a infiltração da água do mar, será utilizado concreto de alta resistência e impermeabilidade, que será refrigerado com a utilização de gelo. Estuda-se a possibilidade do uso de serpentinas embutidas na massa para promover uma pósrefrigeração das peças durante o processo de endurecimento e impedir a ocorrência de fissuras. A união e estanqueidade entre os módulos serão efetuadas com peças especiais e um sistema de dupla vedação. "O Brasil nunca fez uma obra como essa antes. Túneis submersos são muito comuns no norte da Europa, nos Estados Unidos e no Japão. Cuba e Argentina também têm túneis submersos. Mas nós nunca fizemos um antes", diz Celestino. Por isso, a empresa holandesa Haskoning Nederland B.V., responsável por projetos similares em vários países, dará consultoria à obra.

     

     

    GANHOS E PERDAS

    O túnel fará a ligação entre o cais de Outerinhos, no bairro do Macuco, em Santos, e o Linhão da Codesp, no bairro de Vicente de Carvalho, no Guarujá. O local foi escolhido após um estudo que apontou ser essa a região que gerará o maior número de benefícios, atendendo demandas de automóveis, caminhões, ônibus, bicicletas e pedestres. O projeto também permitirá a passagem de um veículo leve sobre trilhos (VLT) e dará acesso ao futuro aeroporto metropolitano e ao terminal rodoviário de Vicente de Carvalho. "O impacto ambiental também será positivo. Isso porque a emissão de poluentes dos carros nesse trajeto demorado é muito grande. Com a redução do tempo e do percurso, há uma consequente redução de partículas poluentes. Estudos apontam uma redução de 22% na emissão de dióxido de carbono, de 62% de material particulado e de 53% de sulfato até 2020", aponta Celestino.

    Para a construção da obra, a estimativa do governo estadual é que até 270 imóveis sejam desapropriados na área do Macuco, em Santos. No Guarujá, a estimativa é de que sejam necessárias até 1.220 desapropriações no distrito de Vicente de Carvalho. Com isso, quase quatro mil pessoas terão que deixar suas moradias. O governo deve gastar perto de R$ 362 milhões em desapropriações e reassentamentos.