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    Ciência e Cultura

    On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.66 no.2 São Paulo June 2014

    http://dx.doi.org/10.21800/S0009-67252014000200012 

    ARTIGOS
    FUTEBOL/ARTIGOS

     

    Por uma análise social e política dos megaeventos esportivos no Brasil

     

     

    Luiz Carlos Ribeiro

     

     

    Como o próprio título anuncia, dada a complexidade do tema, a proposta é limitar a abordagem da realização de megaeventos esportivos no Brasil a alguns aspectos políticos. O debate no Brasil sobre as potencialidades do país sediar megaeventos esportivos já tem mais de uma década. É um tempo que coincide com o aumento vertiginoso da exploração econômica do chamado "movimento olímpico" e do fair-play do futebol, com a crescente internacionalização da economia nacional, embora fundada em um frágil pacto social e político.

    Nos últimos anos houve algumas tentativas de cidades brasileiras sediarem os Jogos Olímpicos, como foi o caso do Rio de Janeiro em 2004 e 2012 e de Brasília em 2000. Mas é a partir da realização no Rio de Janeiro dos Jogos Panamericanos, de 2007, e dos preparativos da campanha do Brasil para sediar a Copa da Fifa (Fédération Internationale de Football Association), de 2014, e os Jogos Olímpicos de 2016, que a discussão sobre o interesse político e cultural, os impactos e os legados possíveis de megaevento ganharam mais consistência.

    A partir de então, diversas empresas públicas e privadas desenvolveram diagnósticos e perspectivas. Consultores externos foram convocados, o sistema de televisão e as empresas patrocinadoras dos eventos participaram na formalização de estratégias e logísticas. Além, é claro, da direção das entidades internacionais organizadoras dos eventos, como a Fifa e sua filiada nacional, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), o Comitê Olímpico Internacional (COI) e o Comitê Olímpico Local (COL).

    Portanto, há mais de um década que, no Brasil, vem se constituindo, em torno desses eventos específicos - a Copa da Fifa de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016 -, uma complexa rede de agentes e instituições, envolvendo instâncias públicas e privadas, tendo se criado, com isso, uma importante massa crítica sobre megaeventos esportivos.

    No plano internacional, desde os Jogos Olímpicos de Atenas (2004) e de Pequim (2008), e da Copa do Mundo de Futebol na África do Sul, em 2010, por motivos econômicos e políticos diferenciados, o business esportivo e as empresas de consultorias aprimoraram seus conhecimentos sobre impacto, viabilidades e organização desses megaeventos. Essas edições esportivas citadas, seja por se encontrarem fora do eixo dos países da economia central, seja por conta de seus problemas políticos e sociais internos, foram especialmente estudadas, pois eram vistas pelos organizadores e investidores como eventos de risco. Mais recentemente, pode-se incluir nessa lista os Jogos Olímpicos de Inverno, de 2014, realizados em Sochi, na Rússia. De modo inverso e para ficar apenas com exemplos mais recentes, a Copa do Mundo de Futebol de 2006, na Alemanha, e os Jogos Olímpicos de 2012, em Londres, são considerados paradigmas opostos aos exemplos acima. Em princípio, pelo seu perfil socioeconômico, o Brasil se localiza entre os países de risco elevado.

    Queremos dizer com isso que, apesar de ser pequena a experiência brasileira em organizar espetáculos esportivos dessa magnitude, os referenciais técnicos, econômicos ou políticos para a realização da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos são, desde o início dos anos 2000, de amplo conhecimento das instituições públicas e privadas do país. E, de longa data, um conhecimento consolidado na literatura internacional, em especial entre as entidades organizadoras, investidores privados e consultores.

    Já os dossiês das duas candidaturas, para a Copa e para os Jogos Olímpicos, revelavam um conhecimento técnico e político da complexidade que seria realizar esses eventos no Brasil.

    Uma referência é o seminário "Legados de megaeventos esportivos", organizado em 2008 pelo Ministério do Esporte(1), quando diversos especialistas, nacionais e internacionais, tiveram participação. Destaca-se, por exemplo, a consultoria de Holger Preuss, da Johannes Gutenberg University of Mainz. Com ênfase na análise acadêmica e enfatizando o perigo de uma leitura emocional, questiona se "megaeventos esportivos são alternativas eficientes de investimento para recursos públicos escassos?" (2). Apesar de não fazê-lo de forma direta, deixava claro a importâcia dos recursos públicos na realização de megaeventos, assim como destacava o fator prioridade como critério para se assumir tal empreendimento. Evidentemente que, naquela altura, quando a definição do Brasil como sede da Copa já era oficial e a indicação do Rio de Janeiro como cidade-sede dos Jogos era tida como certa, o conselho servia mais como alerta do que como critério de escolha.

    Na mesma coletânea, o artigo de Gavin Poyter, da Universidade East London, ao se dedicar à análise do processo de organização dos Jogos de Londres, de 2012, fez uma longa análise dos impactos e legados, do conceito de planejamento e, em especial, dos riscos dos Jogos Olímpicos, desde Barcelona (1992) e, sobretudo, desde Pequim (2008) (3).

    Mais recentemente, para subsidiar a análise dos impactos econômicos da Copa do Mundo, o governo federal encomendou estudos de empresas de consultoria, como a Value Partners, a Ernst & Young Brasil e a FGV Projetos (4). Assim como diversos estudos de impactos foram realizados por empresas independentes, quase todos com exclusivo apelo para o mercado de investimentos econômico (5).

    O que se observa nesses estudos é um predomínio de um discurso próximo ao marketing político, em detrimento de uma análise mais técnica.

    O cenário de referência adotado neste estudo aponta que a Copa do Mundo de 2014 vai produzir um efeito cascata surpreendente nos investimentos realizados no país. A economia deslanchará como uma bola de neve, sendo capaz de quintuplicar o total de aportes aplicados diretamente na concretização do evento e impactar diversos setores (6).

    Muito provavelmente, como se percebe hoje, a falta de análises mais técnicas é efetivamente uma estratégia de negócio. Ou seja, não há, efetivamente, interesse em dizer tudo a respeito dos riscos - sobretudo para as populações locais mais pobres - de sustentabilidade econômica e social do evento. Talvez por isso o discurso do então ministro do Esporte, Orlando Silva, publicado na imprensa reproduz os mesmos argumentos ufanistas da consultoria:

    A Copa é excelente plataforma para a promoção de nosso país em âmbito global. O mundo verá uma nação moderna e inovadora. Uma democracia forte. Um lugar marcado pela diversidade, pela tolerância e pela cultura de paz. Uma nação com economia complexa, estável, que permite desenvolvimento sustentado e forte política de inclusão social e distribuição de renda.

    (...)

    A Copa gera empregos. Estudo contratado pelo Ministério do Esporte estima que serão criados 330 mil empregos permanentes até 2014 e que o evento produzirá outros 380 mil empregos temporários (7).

    Estudos recentes vêm demonstrando o quanto essas projeções dos impactos econômicos e de geração de empregos foram superestimadas nesses relatórios (8). Mas, de todo modo, são eles que passarão a subsidiar os governos federal, estaduais e municipais, assim como os grandes investidores e as entidades organizadoras dos megaeventos.

    Apesar da inconsistência analítica, o relatório "Brasil sustentável", encomendado pelo governo federal, destaca como fator de risco a existência, no Brasil, de uma "longa tradição de planejamento verticalizado", e de haver "pouca autonomia local, pouco feedback sobre a eficácia e eficiência das decisões tomadas, e pouco controle sobre o alinhamento dos agentes responsáveis pelas políticas estipuladas". Afirma ser essa prática de intervenção "de cima para baixo" um "risco institucional", podendo simplesmente inviabilizar a realização das intervenções urbanas desejadas (9).

    Apesar dessas observações, o que se tem verificado é uma reduzida transparência por parte dos agentes envolvidos. É o que constata o trabalho de Melo-Gaffney na análise que fazem de Cidade Olímpica, página eletrônica oficial dos Jogos Olímpicos de 2016, no Rio de Janeiro: "no lugar de dados mais específicos sobre o orçamento, encontra-se apenas uma descrição ufanista dos itens relacionados". Em relação ao projeto "Porto maravilha", por exemplo, os autores destacam "a ausência das fontes que geraram estas informações, de referências aos estudos que produziram os números citados, o que, com certeza, não é condizente com um site dedicado à transparência" (10). Objetivando conferir e atualizar a análise dos autores, visitei a página mencionada e encontrei, agora em 2014, a mesma ênfase discursiva e também a ausência de dados sobre o projeto. Encontrei apenas referências genéricas sobre a intervenção urbanística na região: "O projeto, que é um dos mais importantes legados olímpicos, simboliza a retomada de uma área que é berço cultural da cidade" (11). Parece se reproduzir nos Jogos Olímpicos de 2016 o que se verificou nos Jogos Panamericanos de 2007, ou seja, falta de transparência que permita aos membros das comunidades, sobretudo as mais carentes, acesso a informações para que possam participar do reordenamento urbano e da defesa de seus interesses básicos de moradia, de mobilidade, entre outros.

    O mesmo vem acontecendo em relação à organização da Copa. O descompromisso de alguns agentes com o "risco institucional" pode até mesmo inviabilizar a realização do evento em algumas cidades. Todos os doze estádios, reformados, reconstruídos ou construídos para receber os jogos da Copa tiveram seus valores absurdamente majorados. Revela-se agora, pelo menos em alguns casos, não apenas a falta de transparência com relação aos custos, cronogramas das obras, fontes dos recursos etc, mas a inexistência de planilhas financeiras e cronograma de execuções. A evidência disso, por exemplo, é a recomendação do Tribunal de Contas do Estado do Paraná, em relatório de fevereiro de 2014, de suspender o repasse de novos recursos à CAP S/A, empresa gestora das obras do Estádio Joaquim Américo Guimarães, sede da Copa do Mundo de Futebol em Curitiba. A alegação do órgão fiscalizador é a falta transparência no fornecimento de informações sobre orçamento, cronograma e justificativa para alterações na execução do projeto (12).

    Ou seja, apesar do consolidado conhecimento, tanto das entidades organizadoras da Copa e dos Jogos Olímpicos quanto das empresas multinacionais e suas consultorias, os fatores de impacto e de risco social e político do Brasil são ignorados ou minimizados nos estudos de viabilidade dos eventos e na prática de suas realizações.

    A forma como o atual ministro do Esporte, Aldo Rebelo, respondeu às críticas gerais à organização da Copa, feitas pela mídia, partidos de oposição e movimentos de rua, revela prepotência e despreparo do representante do governo federal. Primeiro, repete em 2013 o discurso ufanista e insustentável de 2010, preparado pelas consultorias e anunciado pelo seu predecessor:

    As consultorias Ernst&Young e Fundação Getúlio Vargas calculam que, entre 2010 e 2014, serão movimentados R$ 142,39 bilhões adicionais na economia nacional. Para cada R$ 1 aplicado pelo setor público, R$ 3,4 serão investidos pela iniciativa privada a partir das obras estruturantes.

    Deverão ser gerados 3,6 milhões de empregos - a população do Uruguai. A arrecadação de impostos atingirá R$ 11 bilhões e a população vai auferir renda adicional de R$ 63,48 bilhões apenas nesse quadriênio.

    Segundo prospecção da consultoria Value Partners, os investimentos vão agregar R$ 183,2 bilhões ao Produto Interno Bruto até 2019. "Os efeitos na economia serão ainda mais fecundos se o Brasil ganhar a Copa. (...)

    Afora os aspectos econômicos, a Copa do Mundo é, antes de tudo, uma contagiante festa esportiva que, ao realizar-se no País do Futebol, encontra o seu campo perfeito. O retumbante sucesso popular da Copa das Confederações foi uma prévia da jornada de 2014 (13).

    Ao que parece o nosso ministro do Esporte não estava no Brasil em junho de 2013 (e também não leu os jornais), quando acontecia aqui o "retumbante sucesso" da Copa das Confederações. Quando a sociedade esperava do dirigente uma análise com um mínimo de responsabilidade social, com seriedade para responder pontualmente à série de problemas que até mesmo os dirigentes da Fifa apontaram, sua manifestação expressa absoluto enfado, não só com relação aos custos de oportunidades sociais renunciadas a favor dos megaeventos esportivos, como ao risco de realização do próprio evento, como é o caso do estádio de Curitiba, acima citado.

    Ao invés disso, o ministro preferiu nomear inimigos como quem aponta para "moinhos de vento":

    As críticas aperfeiçoam qualquer projeto, mas a diatribe só atende à morbidez das cassandras. Não é de hoje que viceja no Brasil um pessimismo voluptuoso. As grandes rupturas de nossa história, a guerra aos holandeses, a Independência, a República, a Abolição e a Revolução de 30 - nunca foram perdoadas. Assim como ainda são increpados o Maracanã e Brasília - alvos da "fracassomania", recidiva como um cupim autofágico, insistentemente apontada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso em seu governo (13).

    Restou ao ministro esclarecer o que a "guerra aos holandeses" tem a ver com o descontrole dos recursos destinados aos estádios de futebol e com o fato de importantes projetos de mobilidade social, como portos, aeroportos, vias urbanas, sequer terem sido iniciados, como revelam os relatórios dos tribunais de contas e das agências ligadas aos movimentos sociais.

    Enfim, o que tudo isso revela é que megaeventos como a Copa e os Jogos Olímpicos são organizados de modo a atender prioritariamente às entidades organizadoras, patrocinadores e ao empresariado urbano das cidades envolvidas. É por isso que governantes, consultores e dirigentes das entidades da Fifa/COI são inconsequentes em seus discursos e relatórios. É por isso também que a atuação sobre a cidade não acontece na perspectiva de considerar a sua totalidade, mas de atuar de forma fragmentada, com intervenções que interessam muito mais ao capital imobiliário que ao bem comum dos moradores. É possível que uma parcela da população possa se beneficiar dos remodelados equipamentos urbanos, mas com certeza serão aquelas camadas mais inseridas, promovendo, em contrapartida uma maior exclusão. O jargão recorrente nos relatórios de governo e de empresas de consultorias de "revitalização de áreas degradas" escamoteia o crescimento da exploração imobiliária de alto padrão, em detrimento da resolução de problemas cruciais de áreas carentes e afastadas (14).

    Assim como vem acontecendo com a seleção de outras sedes de megaeventos, a escolha do Brasil e do Rio de Janeiro como sedes da Copa do Mundo de Futebol e dos Jogos Olímpicos ocorreu por uma lógica de expansão mercadológica do mundo esportivo, liderado pelas entidades organizadoras - hoje empresas multinacionais - e seus patrocinadores, entre eles as redes de televisão.

    No caso específico da Copa da Fifa, desde os anos 1990 a entidade vem se utilizando da estratégia de levar o torneio a várias partes do mundo (o chamado "rodízio dos continentes") como uma forma de ampliar a sua política na disputa do hegemonia do futebol que realizava com as cinco principais ligas do futebol mundial (Inglaterra, Espanha, Alemanha, Itália e França) (15). A crise econômica europeia e o sucesso financeiro das Copas (em benefício dos cofres da Fifa), arrefeceram a força dos clubes ricos europeus e transformaram a presidência da entidade em um capital simbólico e econômico muito valioso. É nesse percurso que o hoje quase esquecido Ricardo Teixeira, ex-presidente da CBF, jogou toda a sua força política para trazer a Copa de 2014 para o Brasil. Seu projeto era o de realizar a Copa e candidatar-se, na sequência, à presidência da Fifa. Acabou não conseguindo administrar o seu imenso capital político. As revelações em nível mundial de sua prática corrupta tornou-o persona non grata entre dirigentes da Fifa, seja pelas disputas internas seja pela preocupação em "moralizar" a entidade. Do lado de cá, sua autocracia bateu de frente com a presidente Dilma, o que resultou no seu afastamento formal da presidência da CBF e da organização da Copa no Brasil.

    Em reunião ocorrida na África do Sul, em dezembro de 2010, Rússia e Catar foram, respectivamente, escolhidas como sedes das edições das Copas de 2018 e 2022. A escolha foi marcada por acusações generalizadas de compra de votos e marcou o fim da proposta do "rodízio dos continentes".

    A escolha não se deu apenas pelo suborno do colégio eleitoral, mas também porque, assim como o Brasil, esses países se caracterizam como economias emergentes (ou pelo menos com grande volume de capital circulante) e com estruturas sociais e políticas frágeis. Para a Fifa é muito mais fácil acomodar os interesses seus e de seus patrocinadores com as elites locais de sociedades com frágeis mecanismos democráticos de defesa (casos do Brasil, África do Sul ou Rússia), do que em sociedades democraticamente consolidadas, como Inglaterra ou Alemanha.

    Fica evidente, portanto, a vulnerabilidade do argumento de que a Copa do Mundo de Futebol da Fifa tem como finalidade promover a amizade entre os povos, o fair play esportivo ou, como se referiu nosso ilustre ministro, tratar-se o evento de "um furacão desenvolvimentista que deixa em seu rastro benfazejo um legado incomensurável" (13).

    Finalmente, é preciso considerar que uma análise política da realização de megaeventos esportivos no Brasil, não deve ficar restrita à crítica deste ou daquele ministro de plantão. Afinal, os eventos da Copa do Mundo de Futebol ou dos Jogos Olímpicos ganharam maior politização por conta da repercussão dos movimentos sociais de rua, ocorrido em junho de 2013, e que continuam a ocorrer ainda neste começo de 2014. Essas manifestações, apesar de não serem restritas à realização dos eventos, têm como um dos motivadores os elevados investimentos direcionados à reforma ou construção de doze estádios de futebol, assim como o impacto de diversas intervenções urbanas nas cidades sedes. Associado a isso, 2014 é um ano em que se renovam a presidência da República, os governadores dos estados, a Câmara Federal e parte do Senado.

    Mas, para além desses acontecimentos pontuais, sem dúvida suficientes para um intenso debate na sociedade, o Brasil vive no momento um outro fator de acirramento das tensões sociais e políticas. E esse fenômeno pode ser compreendido a partir de duas variáveis intrinsicamente relacionadas. Por um lado, a dificuldade da gestão da presidente Dilma na manutenção das taxas de crescimento econômico que o país teve, sobretudo no segundo mandato do governo Lula. É uma tendência que traz consigo a inquietação em relação a temas centrais para a estabilidade social, tais como a manutenção da taxa de emprego, a melhoria dos salários e da distribuição social da renda. De outro lado, temos sinais de esgotamento das expectativas propostas por Lula e o PT em relação à democratização da sociedade.

    Durante os dois mandatos do presidente Lula e parte do mandato da presidente Dilma, predominou, de algum modo, o que podemos chamar de pacto social. Mesmo com as acusações de corrupção no seu governo, Lula soube articular crescimento econômico com programas sociais que promoveram uma efetiva melhoria da distribuição de renda, diminuindo a pobreza no país. Medidas essas que produziram uma base social de sustentação do partido no governo, constituída desde a sua própria militância até os movimentos sociais ligados à luta pela terra, pela moradia e os de caráter trabalhista.

    Assim como soube incorporar no seu programa de governo algumas bandeiras de luta do movimento social, também o ambiente de estabilidade política e de ganhos democráticos permitiu que lideranças dos movimentos populares galgassem o poder legislativo ou mesmo assumissem cargos nas instâncias dos executivos federal, estadual e municipal. Esse processo foi gerando o paradoxo da desmobilização social e do isolamento do governo do PT em relação às suas bases sociais (16).

    As dificuldades na economia brasileira, a partir de 2011, impediram que a presidente Dilma mantivesse as taxas de emprego e salário, ou mesmo que ampliasse os programas emergenciais de distribuição social de renda.

    Apesar do partido manter importante margem eleitoral, ainda sustentada pelos programas sociais, gradativamente perde a força de autenticação política, como também perde a sensibilidade em relação aos emergentes movimentos sociais. Pacto social e desmobilização política acomodaram o PT no poder e retiraram-lhe o compromisso de aprofundar a democracia. Não apenas o PT, mas toda a sua base aliada e mesmo os partidos de oposição, como o PSDB.

    As manifestações de rua, contrárias à falta de transparência nas planilhas do transporte coletivo e nos gastos com a Copa de 2014 e com os Jogos Olímpicos de 2016 passaram a se constituir no aspecto visível da debilidade crônica do poder infraestrutural do Estado brasileiro.

     

    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

    1. Dacosta, L. et all. Legados de megaeventos esportivos. Brasília: Ministério do Esporte, 2008.

    2. Preuss, H. "Impactos econômicos de megaeventos: Copa do Mundo de Futebol e Jogos Olímpicos". In: Dacosta, op. cit, p. 84. 2008.

    3. Poyter, G. "Regeneração urbana e legado olímpico de Londres 2012. From Beijing to bow bells: measuring the Olympics effect 2006". In: Dacosta, op. cit, pp.121-151. 2008.

    4. Ernst & Young. "Brasil sustentável — Impactos socioeconômicos da Copa do Mundo 2014". EY, 2010. Para a análise desses relatórios, ver: Proni, M. W.; Silva, L. O. "Impactos econômicos da Copa do Mundo de 2014: projeções superestimadas". Texto para Discussão. IE/Unicamp, Campinas, n. 211, out. 2012.

    5. Deloitte-Ibri. Brasil, bola da vez. Negócios e investimentos a caminho dos megaeventos esportivos. Deloitte/Instituto Brasileiro de Relações com Investidores (Ibri), 2010.

    6. Ernst & Young , OP. CIT., p.1.

    7. Silva, O. "Faremos a melhor copa da história". In: Folha de S. Paulo. 02/04/2011. Disponível em: http://www1.Folha.Uol.Com.Br/fsp/opiniao/ fz0204201108.Htm acesso em: 10/02/2013

    8. Domingues, E. P.; Magalhães, A. S.; Betarelli, A. "Quanto vale o show? Impactos econômicos dos investimentos da Copa do Mundo 2014 no Brasil." Estudos Econômicos (USP. Impresso), v. 41, p. 409-439, 2011.

    9. Ernst & Young , op . ci t., p. 27.

    10. Melo, E. S. O. de; Gaffney, C. "Megaeventos esportivos no Brasil: uma perspectiva sobre futuras transformações e conflitos urbanos". Disponível em: https://www.academia.edu/4642720/Mega-eventos_esportivos_ no_Brasil_uma_perspectiva_sobre_futuras_transformacoes_ e_conflitos_urbanos Acesso em: 02/10/2013.

    11. Informações disponíveis em http://www.cidadeolimpica.com.br/projetos/porto-maravilha/ Acesso em 13/02/2014.

    12. Informação disponível em http://www1.tce.pr.gov.br/noticias/tce-recomenda-que-novos-recursos-nao-sejam-liberados-a-arena-da-baixada/2356/N Acesso em 15/02/2014

    13. Rebelo, A. "A passagem de um furacão desenvolvimentista". Disponível em: http://www.valor.com.br/brasil/3376032/passagem-de-umfuracao- desenvolvimentista Acesso em: 24/12/2013.

    14. Melo & Gaffney, OP. CIT. ; Proni & Silva, OP. CIT.

    15. Ribeiro, L. C. "A crise da autonomia no futebol globalizado: a experiência europeia". In:______(Org.) Futebol e globalização. Jundiaí (SP), Ed. Fontoura. 2007, p. 49-68.

    16. Singer, A. Os sentidos do lulismo: reforma gradual e pacto conservador. São Paulo: Cia das Letras, 2012. Diniz, E. "Desenvolvimento e Estado desenvolvimentista: tensões e desafios da construção de um novo modelo para o Brasil do século XXI". Rev. Sociol. Polit. 2013, vol.21, n.47, pp. 9-20.

     

     

    Luiz Carlos Ribeiro é historiador, professor do Departamento de História da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e coordenador do Núcleo de Estudos Futebol e Sociedade.