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    Ciência e Cultura

    On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.66 no.2 São Paulo June 2014

    http://dx.doi.org/10.21800/S0009-67252014000200018 

    ARTIGOS
    FUTEBOL/PESQUISAS

     

    Cultura: museus e a Copa do Mundo

     

     

    Ana Paula Oliveira

     

     

    O Casarão do Valongo, um edifício do século XIX, na zona portuária da cidade de Santos, São Paulo, já foi ocupado pela prefeitura e Câmara Municipal. Na década de 1990 passou por dois incêndios que quase o destruíram por completo. A partir deste ano, no entanto, o velho casarão despertará lembranças mais felizes. Após uma restauração, que durou mais de quatro anos e investimentos de R$ 46 milhões, o casarão vai abrigar o Museu Pelé, cuja inauguração está prevista para o início do mês de junho. Às vésperas da Copa do Mundo de Futebol, o Museu Pelé e outros museus Brasil afora se preparam para receber mais de 600 mil turistas de todo o mundo. Em 2013, o Ministério da Cultura (MinC) anunciou investimento de R$ 20 milhões, por meio do programa "Petrobrás Ministério da Cultura de Museus". O aporte financeiro servirá para reforma e reestruturação de alguns museus no país do futebol adequando-os a essa nova demanda turística. O filósofo e crítico literário alemão, Walter Benjamin (1892-1940), ensina a pensar sobre o conceito de memória e de história como uma experiência, não apenas como a exploração de um passado, mas como um meio, uma vivência. Neste sentido, poderíamos nos perguntar: depois de cinco conquistas brasileiras em Copas do Mundo, já não seria tempo de olhar com mais atenção a memória do futebol como uma experiência da história e da cultura brasileiras? De acordo com informações da Ama Brasil, Organização de Desenvolvimento Cultural e Preservação Ambiental, responsável pela gestão do Museu Pelé, seus objetivos principais são colocar Santos na rota do turismo internacional e preparar a cidade para ser um dos polos brasileiros da Copa do Mundo 2014. O projeto museológico combina uma coleção de objetos do "rei" com acervo fotográfico e digital. O museu terá ainda uma área especialmente dedicada a oficinas para escolas públicas de Santos, jogos interativos e espaço para exposições fotográficas itinerantes.

     

    EM OBRAS

    A parceria do Ministério da Cultura com a Petrobrás beneficia 12 instituições. No Rio de Janeiro cinco instituições receberam recursos, sendo duas em Petrópolis: o Museu Imperial, o mais visitado do país, contemplado com R$ 5 milhões e o Palácio Rio Negro, antiga residência oficial dos presidentes da República, com R$ 2 milhões. Na capital fluminense, o Museu da República, conhecido como Palácio do Catete, antiga sede do governo federal, recebeu R$ 1 milhão e o Museu Chácara do Céu, outros R$ 2 milhões. Em Paraty, o Museu de Arte Sacra, obteve R$ 700 mil para reformas. Projetos de revitalização do Museu de Arte Contemporânea de Pernambuco, em Olinda, e o Museu da Cidade do Recife, também foram aprovados nesse edital do Ministério da Cultura (MinC). Ainda no Nordeste, a Pinacoteca do Palácio da Cultura, em Natal, e o Museu Nacional de Cultura Afro-Brasileira, em Salvador passaram ou estão passando por obras graças a esses recursos. Em Minas Gerais, foram destinados R$ 2 milhões para o museu Mariano Procópio, em Juiz de Fora, que fica entre duas cidades-sede da Copa: Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Já em São Paulo, o Museu Lasar Segall está passando por reformas graças aos recursos do MinC, no entanto, ele só será reaberto ao público em outubro, quatro meses após a Copa. A capital paulista também recebeu investimentos para a criação do Portal dos Museus, em parceria com a Biblioteca Brasiliana Digital da Universidade de São Paulo (USP). Ao concentrar informações sobre os museus e seus acervos, o portal deve auxiliar os turistas a identificar essas atrações culturais em todo país.

    Mesmo sem atuar diretamente em todas as cidades-sede, o projeto está colado ao roteiro dos jogos do evento esportivo. A ideia é incentivar visitas a esses museus nos dias em que não acontecerem os jogos.

    Vinculado ao MinC, o Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) quer implantar uma agenda comum de investimento público visando a modernização, a qualificação e a promoção dos museus brasileiros para os turistas que o país irá receber nos próximos anos graças à Copa e aos Jogos Olímpicos de 2016. A principal estratégia do programa Legado Cultural para o Setor Museal, do Ibram, é mobilizar os gestores de museus de cada cidade-sede para apresentação de pré-projetos relativos à infraestrutura de atendimento ao turista. O mapeamento de necessidades e a constituição de uma carteira de investimentos em cada cidade vão orientar as ações do programa. Como não está ligado ao Ibram, o Museu do Futebol não recebeu investimentos dos programas do Ministério da Cultura. Para o período dos megaeventos esportivos no país a expectativa é que ele supere o sucesso de público da Copa de 2010 quando, oito dias antes do início do Mundial, o museu recebeu 4.687 visitantes, segundo maior público até hoje. Entre as novidades para este ano está o lançamento de uma biblioteca e midiateca, com banco de dados online para atender pesquisadores e o público em geral interessado na história do futebol brasileiro. O projeto foi desenvolvido pelo Centro de Referência do Futebol Brasileiro (CRFB), braço do museu responsável pela composição do acervo contendo vídeos, fotos, documentos e objetos. O CRFB também está mapeando locais de prática e referência do futebol na cidade de São Paulo, até agora 150.

     

    O QUE LEMBRAR

    O Ibram espera criar uma cultura de planejamento no setor de museus e do turismo cultural em geral no país; ampliar o número de roteiros turísticos culturais; sensibilizar o setor turístico sobre a importância de atuar de forma estratégica e cooperativa com os museus e, finalmente, promover a integração das atividades dessas instituições com outras atividades econômicas, fortalecendo seu papel como agentes econômicos e geradores de emprego e renda.

    Os programas até agora anunciados têm como foco atrair e atender bem o turista, alavancar negócios. Nesse sentido, que lugar estaria reservado para a preservação e educação da memória? Ou não interessaria ao patrimônio de nosso país o investimento nesse legado? A questão que fica, e que parece ainda pouco explorada em nossos debates sobre o legado cultural e histórico do futebol brasileiro, é a de como devemos tratar a experiência de memória em museus ou outros espaços dedicados ao assunto. Em geral, as memórias selecionadas para serem eternizadas são as vitoriosas.

    A criação do Museu do Futebol foi uma iniciativa pioneira para preservar a memória do futebol sob um novo olhar, o da experiência e da emoção. Ainda existe espaço, entretanto, para projetos que incentivem um pensamento crítico, capaz de articular uma narrativa composta de muitas histórias de nosso futebol. Pensando desse modo, novos projetos museológicos poderiam incorporar a tensão das manifestações populares reivindicando melhores condições de transporte, saúde e educação, o uso político do futebol, como aconteceu na Copa de 1970, em plena ditadura militar no Brasil, ou ainda casos de racismo e a (difícil) participação da mulher no futebol brasileiro.