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    Ciência e Cultura

    versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.66 no.3 São Paulo set. 2014

    http://dx.doi.org/10.21800/S0009-67252014000300005 

    BRASIL
    RANKINGS

     

    Educação avaliada por métricas duvidosas em debate

     

     

    Marina Gomes

     

     

    Incontáveis modelos de classificação, com variados propósitos, métricas e metodologias, têm colocado em cheque a validade dos rankings escolares. A multiplicação de índices e listas impacta o modelo de educação e acaba por influenciar e alterar a orientação de escolas, sejam de ensino fundamental, médio ou superior.

    Um relatório publicado em 2012 pela Academia Britânica, organização de ciências humanas no Reino Unido, concluiu que as listas classificatórias, de fato, afetam o comportamento. "Em alguns casos, isso pode ser bom, mas não universalmente. O governo, que tem sido em grande parte responsável por promover essas tabelas, deve pensar com mais cuidado sobre seus usos e dar atenção à sensibilização do público para suas propriedades. Há a necessidade de avaliar seu funcionamento num sentido amplo, de modo que os seus melhores aspectos possam ser preservados, ao mesmo tempo em que se limitam suas desvantagens. É fundamental, ainda, ressaltar a necessidade de abordar as limitações de rankings: se são estatisticamente duvidosos, isso mina qualquer ponto forte que possam ter. E se é para ser contínuo, algumas das questões delineadas deverão ser direcionadas para garantir o cumprimento dos objetivos e ser realmente funcional aos policy makers, profissionais e público em geral", escreveram os responsáveis pelo documento, intitulado "Measuring Sucess".

    A professora Ellen Hazelkorn, do Dublin Institute of Technology, explica em seu livro Rankings and the reshaping of higher education: the battle for world class excellence (MacMillan, 2011) que a crescente obsessão pelos rankings teve início na década de 1990. Ela menciona a revista US News & World Report, cuja edição especial sobre as melhores faculdades da América é publicada desde 1987, e conta que a intenção inicial era orientar os candidatos na escolha de uma escola.

    Hoje, porém, fomentam uma ferrenha concorrência entre as instituições na busca pela legitimação de excelência e prestígio. "Rankings são um fenômeno cultural muito típico de nossa cultura de mercado. Gostamos de saber quem está em primeiro lugar, quem é o campeão. Achamos natural fazer isso com times de futebol, corridas de automóveis, de cavalos, com cantores de televisão, índices de saúde, pobreza, felicidade, bem-estar, taxas de crescimento. Não se trata mais de saber se os rankings são efetivos ou não. Agora, são inevitáveis. Como todo ranking, suas metodologias podem e devem ser discutidas, aperfeiçoadas e entendidas por todos. Eles se transformaram numa realidade do mundo presente, com enorme impacto no imaginário mundial", afirma Edson Nunes, professor universitário, Ph.D. em ciência política e autor do livro Educação superior no Brasil: estudos, debates, controvérsias, com a colaboração da equipe do Observatório Universitário, que coordena.

     

    DIVERSIDADE E LIMITAÇÃO

    Se, por um lado, prega-se que os rankings tornam as universidades e os processos mais transparentes, não é menos sabido que as próprias metodologias sofrem de opacidade. "Tudo depende do que você espera dos rankings, e todos envolvem parâmetros difíceis de medir ou mesmo de definir. Não é por outro motivo que temos tantos rankings com resultados diferentes. O que definitivamente não se deve fazer é tomá-los como definidores absolutos de qualidade das instituições. É comum os dirigentes terem uma atitude de desprezo em relação aos rankings e ao mesmo tempo comemorar cada vez que sua instituição aparece bem em algum deles", aponta o professor associado do Instituto de Física e ex-coordenador de relações internacionais da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Leandro Tessler.

    Para validar um ranking, é pertinente compreender o escopo da sua elaboração. Afinal, podem ser realizados por governos, entidades, organizações, revistas, comunidades acadêmicas, com diversos critérios e interesses. Portanto, o primeiro olhar deve ter o intuito de identificar quem os fez, o público ao qual se destinam e os itens "somados" na conta. É preciso ter em mente que o conjunto deles trata de uma ínfima parte das instituições de ensino. A European University Association (EUA) fez um dossiê e mostrou que as listagens não abrangem mais do que 3% de um total de 17.500 universidades espalhadas pelo mundo. Ou seja, a imensa maioria está completamente excluída do sistema.

     

    ENSINO MÉDIO

    As administrações governamentais no Brasil dispõem de uma extensa lista de rankings e avaliações, em todos os níveis: Enem no ensino médio, Saresp no ensino fundamental e o Enade no universitário. "É fácil compreender o porquê desse processo: a engrenagem que impulsiona todas as instituições a enquadrarem-se no sistema mercadológico/industrial. Não é de assustar a quantidade de outdoors espalhados pelas ruas promovendo as notas nos rankings. Esses resultados vendem matrículas, credibilidade e a ilusão da competência da escola. E são danosos na medida em que vendem uma nota que representa sucesso garantido e a ideia de que a escola é uma indústria", analisa Stella de Melo Silva, especialista em docência universitária, mestre em divulgação cultural e científica e membro da Associação Brasileira de Pesquisadores e Profissionais da Educomunicação.

    A professora conta que em sua entrevista para um mestrado, com professores de uma escola privada do ensino médio, notou que esses profissionais estão presos a um sistema engessado que envolve, entre outros, formar para o vestibular. "Mas não se melhora a qualidade da escola 'rankiando' alunos e professores, porque a escola lida com material humano e este, por sua vez, não cabe numa tabela de contabilidade e estatísticas; tem variantes, possibilidades, indisponibilidades", conclui. A docente Nora Krawczyk, da Unicamp, autora do livro Sociologia do ensino médio (Cortez, 2014) acrescenta outro agravante: o país oferece apenas um tipo de ensino médio, o acadêmico, voltado para o vestibular, com um currículo extenso e desgastante, que faz com que cerca de 40% dos ingressantes não consigam finalizá-lo.