SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.66 número3 índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Indicadores

    Links relacionados

    • En proceso de indezaciónCitado por Google
    • No hay articulos similaresSimilares en SciELO

    Compartir


    Ciência e Cultura

    versión On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.66 no.3 São Paulo set. 2014

    http://dx.doi.org/10.21800/S0009-67252014000300007 

    MUNDO
    ARTE E CIÊNCIA

     

    Colisões criativas na física de partículas

     

     

    Alice Giraldi

     

     

     

    O maior laboratório de pesquisa de física de partículas do mundo, conhecido pela sigla CERN (Conseil Européen pour la Recherche Nucléaire , ou Organização Europeia para Pesquisa Nuclear, em português), vem sediando um tipo diferente de experimento, além dos complexos estudos protagonizados por físicos que se dedicam a colidir partículas na velocidade da luz para compreender as origens do universo. O Grande Colisor de Hádrons (LHC), acelerador de partículas de 27 km de extensão, instalado num túnel subterrâneo na fronteira franco-suíça, também é cenário do Collide@CERN (Colisão no CERN), programa especial de residência dirigido a um seleto e privilegiado grupo de artistas. A proposta é oferecer uma oportunidade única de imersão artística num ambiente de alta tecnologia, ao lado dos cerca de três mil cientistas de diversas nacionalidades que atuam no laboratório. A imersão deve ser uma fonte de inspiração para o desenvolvimento de projetos que incluem fotografia, videoinstalações, música eletrônica, dança contemporânea e projeções digitais. "Pareceu natural que um laboratório que está constantemente mudando a nossa percepção e compreensão sobre o mundo se transforme num espaço onde artistas possam colocar em prática seus exercícios de imaginação", explica a produtora cultural britânica, Ariane Koek, que coordena o programa.

     

    INTERCÂMBIO ARTE-CIÊNCIA

    Em julho de 2014 o artista japonês Ryoji Ikeda inicia uma temporada de três meses no conhecido centro de pesquisas, onde, há cerca de dois anos, foi identificado o bóson de Higgs, descoberta que abocanhou o prêmio Nobel de Física de 2013. Ikeda foi selecionado, em janeiro deste ano, para participar da residência pelo prêmio de arte eletrônica de Linz, na Áustria. Um dos artistas contemporâneos de maior prestígio na produção de obras baseadas em imagens em movimento, som e novas mídias, ele veio ao Brasil em 2012. Aqui, apresentou a obra The radar, uma projeção de imagens e sons digitais que foi instalada na praia do Diabo, ao lado do Arpoador, no Rio de Janeiro. "A residência no CERN me oferece uma valiosa liberdade de tempo e espaço para pesquisar e explorar novas áreas, num dos maiores centros de tecnologia do mundo, sem nenhum tipo de pressão, algo que eu procurava há muito tempo. Estou muito animado para começar", declarou o artista, residente em Paris.

    "O Ikeda é uma excelente escolha", avalia o físico Sérgio Novaes, em entrevista via skype diretamente do CERN, onde passou uma temporada durante o primeiro semestre de 2014, desenvolvendo projetos de pesquisa no CMS (Solenóide de Múon Compacto), um dos detectores de partículas do LHC. Professor e pesquisador do Instituto de Física da Unesp, Novaes foi um dos poucos cientistas brasileiros a participar dos esforços internacionais que levaram à descoberta do bóson de Higgs. "Considerando o tipo de trabalho que o Ikeda faz, creio que o CERN vai oferecer arte pronta para ele. As imagens que produzimos aqui a partir das colisões são muito estéticas", afirma o físico, referindo-se particularmente à beleza dos "event displays", imagens captadas pelos supercomputadores do CERN em tempo real, no momento da colisão das partículas. Já o compositor e pesquisador de música eletroacústica Flo Menezes, diretor artístico do Studio PANaroma (São Paulo), tem reservas quanto à escolha de Ikeda para a residência no CERN. "O trabalho dele é visualmente lindo, tem uma modernidade e um intervencionismo urbano interessante. Mas, musicalmente falando, é superficial", avalia Menezes, que, como Ikeda, também ganhou o prêmio de arte eletrônica de Linz, Áustria, em 1995.

    A participação de Ikeda fecha um ciclo de três anos do programa Colli-de@CERN, criado em 2011 por Ariane Koek. Antes dele, o laboratório recebeu outros três artistas. Em 2011, o artista alemão Julius von Bismarck realizou uma série de intervenções com a participação de cientistas. No ano seguinte, o coreógrafo suíço Giles Jobin produziu o espetáculo de dança Quantum. Com a aproximação do fim do programa original de residência, uma nova iniciativa para promover atividades artísticas de abrangência internacional no laboratório já foi iniciada. Trata-se do Accelerate@CERN, programa destinado a artistas que queiram desenvolver projetos de pesquisa com duração de um mês no LHC. "A ideia é a cada ano selecionar dois artistas, de dois países diferentes, que nunca tenham visitado uma instituição científica antes, por meio de competições nacionais", explica Koek. Os dois primeiros países a participarem do novo programa são a Grécia, cujo artista conta com recursos da Fundação Onassis Cultural, e a Suíça, com artista patrocinado pela organização Pro Helvetia in Creative Arts. Para 2015, já está prevista a participação de artistas da Áustria e de Taiwan. "Adoraríamos trabalhar com o Brasil, que é um país muito rico culturalmente", sugere Koek. Para tanto, explica a coordenadora do programa, uma ou mais fundações culturais brasileiras precisariam se dispor a promover um concurso de âmbito nacional, a fim de selecionar um artista e, depois, patrocinar o seu mês de estadia no CERN.

     

    ARTE E IMAGINÁRIO CIENTÍFICO

    Embora a combinação da física de partículas com arte possa parecer improvável à primeira vista, Koek afirma que as duas áreas compartilham muitas afinidades. "Físicos de partículas e artistas não estão assim tão distantes um do outro, afinaleles exploram o seu lugar no mundo, buscam o 'como' e o 'porquê' de estarem aqui. Na verdade, o que os cientistas fazem na física de partículas é exatamente o que um artista faz: eles pensam além do paradigma e, então, partem para a concretização do trabalho."

    Já Novaes não crê que o ambiente do acelerador de partículas seja capaz de estimular a criatividade - pelo menos no diz respeito à atividade de pesquisa dos físicos. "Aqui é trabalho ininterrupto, duro. Quando estamos imersos no CERN ficamos mais para 99% de transpiração e apenas 1% de inspiração", afirma ele. Mas o pesquisador acredita que a aproximação da física de altas energias com a arte pode auxiliar o público em geral na compreensão de sutilezas do mundo das partículas. "Quando se trata desse tema, as analogias do cotidiano não são capazes de dar conta do nosso imaginário. Por exemplo: temos a tendência de associar a imagem de um elétron girando em torno do átomo como uma pequena bola de bilhar. No entanto, um só elétron está mais para uma nuvem, uma poeira, uma densidade - qualquer coisa, menos para uma bola de bilhar.