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    Ciência e Cultura

    versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.66 no.3 São Paulo set. 2014

    http://dx.doi.org/10.21800/S0009-67252014000300020 

    CULTURA
    JOGOS ELETRÓNICOS

     

    Fronteiras entre ficção e realismo

     

     

    Do viciante Hero do saudoso Atari à crueldade chocante de um Grand Theft Auto V, os jogos para computadores celulares e videogames estão cada vez mais realistas. Os últimos desenvolvimentos, no entanto, têm colocado a questão da distinção entre jogo e realidade em outro plano, trazendo não apenas a reprodução do mundo que habitamos para o console do videogame, mas o próprio jogo ou alguns de seus elementos para as ruas da cidade.

    Uma das tecnologias responsáveis por essa interpenetração leva o nome de realidade aumentada ou realidade expandida. Ela permite que certas projeções sejam mostradas na tela quando, por exemplo, o GPS identifica que o usuário está em um determinado ponto ou quando a câmera do celular identifica determinado código. No caso dos jogos que se utilizam de realidade aumentada, o jogador é levado a deslocar-se geograficamente para um lugar para conseguir realizar uma tarefa. Com isso, na tela do celular, um novo mundo se abre, se soma ou se expande.

    Um dos jogos mais notáveis que usam os recursos do telefone celular para brincar com a realidade aumentada é o Ingress, do Google, feito para a plataforma Android. Ele divide os jogadores em duas facções cujo objetivo é controlar territorialmente o planeta. Esse controle se dá pela construção e ligação entre portais, lugares em que uma misteriosa energia alienígena se manifestaria. Para criar um portal é necessário fotografar lugares históricos, turísticos ou de aglomeração de pessoas (igrejas, praças, prédios históricos, grafites, obras de arte espalhadas em lugares públicos da cidade).

     

    FERRAMENTA EDUCACIONAL

    Alguns pesquisadores têm apontado o Ingress como um curioso experimento cujos princípios podem ser utilizados para se pensar desde novos modelos educacionais até políticas de conservação ambiental. Lee Yik Sheng, no artigo "Modelando o aprendizado em Ingress (o jogo social de realidade aumentada do Google" (no original, "Modelling learning from ingress (Google's augmented reality social game"), compara a jogabilidade do aplicativo a elementos utilizados nos MOOCs (Cursos Online Abertos e Massivos, na sigla em inglês), em que o aprendizado é feito de forma coletiva, com os alunos ensinando uns aos outros e, para isso, utilizando meios de comunicação online, como fóruns e grupos de discussão em redes sociais. Já Chris Sandbrook, William M. Adams, Bruno Monteferri, no artigo "Jogos digitais e a conservação da biodiversidade" (no original, "Digital games and biodiversity conservation) falam no potencial das práticas de gameficação para a preservação ambiental. Gameficação é um neologismo criado para o uso de elementos dos jogos, como a dades não diretamente relacionadas, como fazer exercícios, compras ou mesmo outros tipos de trabalho convencionais. Nesse sentido, o Ingress seria um jogo de realidade mista, não contido somente num ambiente virtual nem no mundo físico. Segundo os autores, a gameficação poderia ser usada na conservação ambiental para educação e mudança de comportamentos; levantamento de recursos e para a promoção de pesquisas, monitoramento e planejamento.

     

    MAPEAMENTO ON LINE

    De fato, o Ingress parece que já está sendo usado pelo Google para, de alguma forma, colocar seus jogadores para trabalhar, ainda que se divertindo, na coleta de informações que se tornam valiosas nas mãos da empresa. "Esse é o jeito clássico do Google", declarou Blair MacIntyre, diretora do Laboratório de Realidade Aumentada do Instituto Georgia Tech, nos Estados Unidos, à revista New Scientist: "Eles conseguem garimpar informações sobre novos monumentos e isso na verdade os ajuda a gerar resultados mais interessantes, pois isso é o que as pessoas do local dizem que é o que há de mais interessante". Um exame rápido sobre os pontos mapeados pelos jogadores comprova a declaração da pesquisadora. Mesmo as cidades médias brasileiras já têm mapeados pelos jogadores não somente os monumentos mais óbvios, mas também atrações turísticas e grafites pintados recentemente, o que oferece à empresa um interessante banco de dados, muito difícil e caro de ser construído de maneira profissionalizada.

    O jogo também tem sido utilizado como chamariz para pontos comerciais. Nos Estados Unidos, a Google já fechou contrato com a loja de sucos Jamba Juice, transformando diversos estabelecimentos físicos da cadeia de sucos em locais de interesses para os jogadores.

     

    WATCH DOGS E A VIGILÂNCIA UBÍQUA

    Mas se alguns jogos usam camadas de ficção para explorar um trabalho real, outros abusam do realismo para descortinar esse mundo de interconexão informacional e vigilância por toda parte. Watch Dogs, da Ubisoft, que roda nas principais plataformas de videogames, coloca na tela um mapa detalhado da cidade de Chicago (EUA), e é estrelado por um personagem capaz de hackear o sofisticadíssimo sistema de informação da cidade para realizar suas missões. Em 2003, ocorreu um apagão nos Estados Unidos e no Canadá e o jogo usa esse fato para ficcionalizar a criação de um supercomputador que controlaria todo o sistema informacional da cidade, interligando as câmeras de vigilância e caixas eletrônicos espalhados pelas ruas ao sistema de semáforos.

    Watch Dogs é um ótimo exemplo de jogo eletrônico que funciona do mesmo modo que qualquer obra artística ou literária. Por meio de uma história aparentemente ficcional a obra descreve um mundo controlado pela vigilância informacional, em que os dados pessoais e as atividades interligadas em rede se tornaram fonte de valor financeiro e meio privilegiado de contato entre as pessoas.

     

    Rafael Evangelista