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    Ciência e Cultura

    On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.66 no.3 São Paulo Sept. 2014

    http://dx.doi.org/10.21800/S0009-67252014000300021 

    CULTURA
    NEUROCIÊNCIA

     

    Desvendando os mecanismos do prazer de ouvir música

     

     

    Sentimos um imenso prazer quando escutamos músicas das quais gostamos. Mas como nosso cérebro decide se gostou ou não de uma música inédita a ponto de pagar por ela?

    A música nos proporciona uma ampla gama de emoções. É capaz de excitar ou relaxar, alegrar ou deprimir, motivar ou irritar. Dificilmente conseguimos ser indiferentes a uma canção. A capacidade de fazer e ouvir música é exclusiva da espécie humana. A música está presente em todas as culturas do mundo e estudos indicam que ela precede a linguagem.

     

    OS EFEITOS DA MÚSICA

    Podemos ouvir uma melodia e ela ser interpretada apenas como um ruído dentre tantos outros. Entretanto, quando escutamos uma canção que nos dá prazer criamos empatia. "Se estabelecemos sincronia com uma determinada música, ocorre um tipo de recompensa afetivo-emocional", explica Mauro Muszkat, músico e médico neurologista, coordenador do Núcleo de Atendimento Neuropsicológico Infantil Interdisciplinar (Nani), do Departamento de Psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). "Neste estado ocorrem respostas periféricas da pele, tais como ereção do pelo, podendo levar a uma vasoconstrição e tremores. Além disso, há períodos da música nos quais as pessoas atingem outro estado de consciência por conta do envolvimento intenso com a melodia", complementa. Ainda segundo ele, ocorre uma integração de vários circuitos emocionais, cognitivos e perceptuais levando o ouvinte a um estado de alegria instantânea.

     

    ATIVIDADE CEREBRAL

    Há alguns fatores individuais que devem ser considerados ao analisarmos os sentimentos causados por um determinado som. Músicas diferentes levam a ativações neurais diversas, proporcionando, assim, reações diferentes em pessoas distintas. A idade, personalidade, cultura e formação musical, influenciam muito o chamado gosto musical de cada indivíduo.

    Em 2009, um grupo de neurocientistas da Universidade de Columbia realizou um experimento com o escritor Oliver Sacks, no qual ele ouviu o compositor alemão Johann Sebastian Bach, de quem é fã desde a infância, e Ludwig van Beethoven, de quem gosta pouco. Sacks teve suas atividades cerebrais mensuradas por um aparelho de ressonância enquanto ouvia trechos de músicas dos dois artistas. Seu cérebro foi muito mais ativado após escutar Bach do que Beethoven. A amígdala, essencial para processar emoções e responsável pela formação da associação entre estímulos e recompensas, foi a região mais ativada.

    Quando submetido a outro experimento, no qual escutava uma música de quem não sabia a autoria, Beethoven ou Bach, Sacks foi capaz de distingui-la inconscientemente, e novamente seu cérebro apresentou maior ativação após escutar a sonata de Bach, sem que o cientista os diferenciasse conscientemente. "Músicas diferentes levam a ativações neurais diferentes, áreas sensoriais que te levarão à distinção de um instrumento do outro. A música rítmica ativa a chamada área de Broca, localizada do lado esquerdo do cérebro, responsável pela linguagem, isso se diferencia independentemente do indivíduo ser músico ou não", explica Muszkat.

     

     

    CAMINHOS DA MÚSICA

    Atualmente, técnicas como imagem por ressonância magnética funcional (IRMF) e eletroencefalografia (EEG) têm possibilitado a observação das regiões que são ativadas no cérebro quando ouvimos uma música. Elas podem ajudar a responder por que algumas pessoas gostam mais de música do que outras, por exemplo. Em 1999, Robert Zatorre, professor do Instituto Neurológico de Montreal, com seus colaboradores, realizou estudos, publicados na revista Nature Neuroscience, que revelaram a presença de uma rede cerebral funcional especificamente associada a respostas emocionais à música.

    Desde então, outros estudos têm sido realizados e até o momento sabe-se que a música estimula estruturas do sistema límbico, responsável pela autorregularão emocional, principalmente das regiões corticais do cérebro. Em outras palavras, a música atinge uma região cerebral relacionada ao chamado sistema de recompensa, ativando também o sistema dopaminérgico.

     

    MÚSICA COMO RECOMPENSA

    Em 2011, Zatorre e seu grupo de pesquisa, utilizando a técnica de IRMF, demonstraram que enquanto escutamos canções das quais gostamos, em determinado momento, chegamos ao "auge" emocional, sentimos um arrepio de prazer, o que resulta em maior atividade cerebral. Além disso, segundos antes da ocorrência do auge emocional, há liberação de dopamina. Este pequeno intervalo de tempo foi denominado período antecipatório, que provém das expectativas criadas com base no conhecimento de cada indivíduo sobre música e seu padrão de organização no cérebro. A dopamina promove sensações de surpresa e expectativa com relação ao que vai acontecer posteriormente. O mecanismo de antecipação da recompensa é fundamental para reforçar comportamentos necessários para a sobrevivência, como a alimentação e na atividade sexual.

    Outra observação interessante, feita por esses pesquisadores, foi que existe uma conexão entre o núcleo accumbens e o córtex auditivo. Essa interação sugere que as expectativas em relação ao desenrolar da música baseiam-se no que foi aprendido e armazenado no córtex auditivo ao longo da vida. Alguns estudos pretendem compreender como a memória musical pode auxiliar na recuperação de lembranças em pacientes com distúrbios de memória, como na doença de Alzheimer. "A música ativa várias áreas cerebrais, mesmo aquelas que estão comprometidas com funções específicas como a linguagem, memória e área motora. A musicoterapia pode facilitar o aprendizado, ativar alguns movimentos do corpo e reabilitar a linguagem verbal", explica Cléo Correia, musicoterapeuta do Setor de Neurologia do Comportamento do Departamento de Neurologia Clínica e Neurocirurgia da Unifesp.

    "A música pode atuar como terapia para qualquer tipo de transtorno. Na verdade, muitas pessoas fazem isso naturalmente ao ouvir música. Quando estamos deprimidos ouvimos músicas mais tristes e, por outro lado, tendemos a escutar canções mais agitadas para nos alegrar", afirma Muszkat. Pesquisas recentes estão investigando de que modo podemos utilizar a música para ajudar pacientes com distúrbios neurológicos, de modo complementar aos tratamentos convencionais.

     

    Tatiana Venancio