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    Ciência e Cultura

    On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.66 no.4 São Paulo Oct./Dec. 2014

    http://dx.doi.org/10.21800/S0009-67252014000400002 

     

    Matriz energética e o binômio água vs. energia para o Brasil

    Jeancarlo Pereira dos Anjos
    Gisele Olímpio da Rocha
    Jailson Bittencourt de Andrade

     

     

    A atual necessidade de economia de energia e redução de emissões de carbono tem feito com que o tema água versus energia também se torne uma grande preocupação mundial. Água e energia estão completamente interligadas, visto que, para a produção de energia, uma quantidade significativa de água é consumida e é necessário energia para o abastecimento/tratamento de água. Além disso, a água é requerida para a geração, exploração, processamento e transporte de combustíveis fósseis. Outros usos estão relacionados à perfuração e fratura para a exploração de petróleo e gás, em sistemas de refrigeração em usinas termelétricas, na produção de eletricidadade em usinas hidrelétricas e no cultivo das matérias-primas utilizadas na produção de biocombustíveis, os quais necessitam de quantidades consideravelmente altas de água para sua obtenção (1-3).

    A Terra possui cerca de 1,386 bilhão de km3 de água, dos quais 97% é água salina. Dos 3% de água doce do planeta, cerca de 99,7% encontram-se nas geleiras e solo, o que requer energia para sua remoção. Apenas 0,1 milhão km3 de água doce são encontrados em lagos e rios, bem como cerca de 13.000 km3 estão na atmosfera (4). A agricultura é um dos setores que mais consome água no Brasil, uma vez que aproximadamente 70% da água doce é usada em sistemas de irrigação. Por outro lado, o setor energético é o segundo maior consumidor de água, sendo responsável por 20% das captações de água no mundo. Além do alto consumo de água, a agricultura por si só pode provocar efeitos deletérios ao ambiente já que o uso indiscriminado de fertilizantes e pesticidas provoca poluição do ar, solos e águas subterrâneas e superficiais, trazendo riscos aos ecossistemas naturais e à saúde humana (2; 5).

    Em relação ao sistema de energia global, o Brasil ocupa uma posição singular, sendo a principal forma de produção de energia elétrica no país por meio de usinas hidrelétricas, as quais utilizam a força das águas para a movimentação de turbinas na geração de energia. A maioria das residências brasileiras tem acesso à eletricidade e a expansão do sistema de energia que, em um primeiro momento, possui meios adequados para garantir um rápido crescimento econômico por meio de uma matriz energética diversificada, pode experimentar algumas mudanças, uma vez que o Brasil tem apresentado um aumento na demanda de energia. Entretanto, se as usinas hidrelétricas não estiverem suficientemente disponíveis até 2035 para cobrir o aumento da demanda por energia elétrica ou houver longos períodos de seca que podem comprometer a produção de eletricidade, outras formas de produção de energia, como estações de energia movidas a gás natural, estações de energia eólica e a produção de bioenergia devem preencher esta lacuna (6).

    No setor de transportes, desde a crise do petróleo de 1970, o Brasil desenvolveu sua matriz energética por meio de uma importante taxa de contribuição do etanol de cana e, mais recentemente, o uso de biodiesel. Em 2005, houve uma mudança significativa na composição do diesel brasileiro, por meio de programas governamentais, determinando a adição gradual de 2% a 5% de biodiesel (B5) ao diesel convencional, que ocorreu em 2010. Desde então, o governo brasileiro vinha adotando o uso do B5. Recentemente o percentual foi aumentado para 6%, com planos de aumentar esse índice para 7% de biodiesel (B7) a partir de novembro de 2014 (7; 8). Dessa forma, os biocombustíveis têm sido implementados na matriz energética brasileira, juntamente com as formas renováveis de geração de energia elétrica (tais como usinas hidrelétricas e energia eólica), dando ao Brasil uma posição única no sistema da matriz energética global.

    A ampla disponibilidade de veículos flex fuel no país, combinada com o aumento dos preços do petróleo levou a um rápido crescimento na produção de bioetanol desde o ano 2000, tendo hoje uma produção de mais de 80% de automóveis movidos a bicombustíveis (9). Entretanto, apesar dos biocombustíveis contribuírem para a redução nas emissões de gases do efeito estufa, a demanda por água para a produção desses combustíveis (principalmente para a produção de suas matérias-primas) pode ser maior quando comparada à produção de combustíveis fósseis, o que poderia causar escassez de água em grande escala (10; 11) Estimativas mostram que são utilizados até 2.516 litros de água para cada litro de etanol de cana produzido enquanto são necessários até 13.676 litros de água para cada litro de biodiesel de soja produzido, já que a soja representa a principal matéria-prima utilizada na produção deste combustível no Brasil (12). Diante disso, o rápido crescimento em grande escala do setor de biocombustíveis tem implicações potencialmente negativas em diferentes setores ligados à segurança alimentar, pois pode aumentar a competição por terra e recursos hídricos (1; 5; 6).

    Por outro lado, tendo em vista os recentes avanços na exploração do petróleo do pré-sal (estimada em 9-15 milhões de barris) e a descoberta de poços de gás de xisto (7,5 trilhões de dm3), em conjunto às questões sociais e ambientais desfavoráveis aos biocombustíveis, haveria a possibilidade da matriz energética brasileira voltar a ter foco nos combustíveis fósseis novamente (1; 6). Nesse sentido, estes desafios que o país enfrenta e as transformações ligadas a todas essas alterações de panoramas poderá trazer implicações não só para o Brasil, mas também para a matriz energética mundial.

    Desta forma, novas maneiras de reduzir as emissões de carbono tem se tornado importantes para o transporte de energia, juntamente com as mudanças climáticas globais. Considerando as alternativas aos combustíveis fósseis, é necessário compreender não apenas os custos e impactos das emissões de carbono, mas também os potenciais impactos sobre o uso da terra, recursos naturais e outros impactos ambientais que a produção de energia pode resultar, como a poluição do ar, de águas superficiais e subterrâneas e a eutrofização (aumento da concentração de nutrientes, especialmente nitrogênio e fósforo, em corpos d'água) (13).

     

    Jeancarlo Pereira dos Anjos é doutor em química e bolsista de pós-doutorado no Instituto de Química da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
    Gisele Olímpio da Rocha é doutora em química, professora adjunta do Departamento de Química Analítica do Instituto de Química da UFBA e membro afiliado da Academia Brasileira de Ciências (2011-2015).
    Jailson Bittencourt de Andrade é doutor em química, professor titular do Departamento de Química Geral e Inorgânica do Instituto de Química da UFBA e coordenador do INCT de Energia e Ambiente. Email: jailsondeandrade@gmail.com

     

    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

    1. da Rocha, G.O.; De Andrade, J.B.; Guarieiro, A.L.N.; Guarieiro, L.L.N.; Ramos, L.P. Química Nova 36, 1540. 2013.

    2. Hadian, S.; Madani, K. Sustainability 5, 4674. 2013.

    3. Zhang, C.; Anadon, L.D. Environmental Science & Technology 47, 14459. 2013.

    4. McMahon, J.E.; Price, S.K. Annual Review Environmental Resources 36, 163. 2011.

    5. FAO – Food and Agriculture Organization of the United Nations. Statistical Yearbook 2013 - World Food and Agriculture. FAO. 2013.

    6. EIA – Energy International Agency. World Energy Outlook. 2013.

    7. Martins, L.D.; Silva Júnior, C.R.; Solci, M.C.; Pinto, J.P.; Souza, D.Z.; Vasconcellos, P.; Guarieiro, A.L.N.; Guarieiro, L.L.N.; Sousa, E.T.; De Andrade, J.B. Environmental Monitoring and Assessment 84, 2663. 2012.

    8. Matoso, F. Governo federal anuncia aumento no percentual de biodiesel no óleo diesel. Economia – Portal G1 (Internet). Acessado em: 23/07/2014.

    9. Balat, M.; Balat, H. Applied Energy 86, 2273. 2009.

    10. Bernardi, A.; Giarola, S.; Bezzo, F. Ind. & Eng.Chem. Research 52, 7170. 2013.

    11. Cai, H.; Hu, X.; Xu, M. Applied Energy 111, 644. 2013.

    12. Gerbens-Leenes, W.; Hoekstra, A. Y.; van der Meer, T. H. PNAS 106, 10219. 2009.