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    Ciência e Cultura

    versión On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.66 no.4 São Paulo oct./dic. 2014

    http://dx.doi.org/10.21800/S0009-67252014000400004 

     

    MEIO AMBIENTE

    Um mundo sem embalagens: utopia pode se tornar realidade

     

    Madrugada em São Paulo, a maior cidade do continente americano em número de habitantes: caminhões percorrem ruas coletando lixo. Diariamente são 18 mil toneladas de lixo, envolvendo lixo residencial, de saúde, restos de feiras, podas de árvores, entulho e outros resíduos. No meio disso, muitos materiais podem ser reciclados e, destes, boa parte são embalagens.

    Embalagens são recipientes ou invólucros que armazenam temporariamente produtos, com a função principal de protegê-los e de ampliar seu prazo de vida. Do ponto de vista do produtor, a embalagem viabiliza a distribuição, a identificação, e pode estimular o consumo, pela sua aparência e informações disponibilizadas. Do ponto de vista do consumidor, a embalagem facilita o transporte e armazenamento. Mas do ponto de vista do ambiente, elas representam uma grande fonte de resíduos que, dependendo do material, são de difícil reciclagem.

    Pesquisa desenvolvida por Jozrael Rezende e colaboradores, em dois bairros de Jaú, no interior de São Paulo, aponta que, no período 2001-2010, a quantidade de resíduos aumentou 35%, enquanto a população cresceu 30%. Os autores também afirmam que, dos resíduos gerados no município, aproximadamente 25% são de materiais recicláveis e, destes, 59% são do tipo plástico mole.

    MUDAR PARA SOBREVIVER Reduzir a quantidade de resíduos sólidos gerados, ou até mesmo não gerá-los, é um desafio e tanto para a sociedade atual, ávida por consumo e cada vez mais estimulada a consumir. Para a bióloga Patricia Blauth, especialista em educação ambiental e consultora na área de resíduos, trata-se de um desafio para a sociedade, que exige uma mudança de paradigma: "Esse modelo econômico, que consome bens, matéria-prima, está falido; ele é insustentável".

    Reduzir a quantidade de embalagens parece ser relativamente simples, pois bastaria diminuir o consumo de produtos embalados. Na Alemanha, por exemplo, foi inaugurado em junho deste ano um supermercado, o Original Unverpackt, em que nada é embalado. Lá os clientes podem escolher produtos a granel, de acordo com a sua necessidade e sem a utilização de embalagens descartáveis. As pessoas podem levar suas próprias garrafas, sacolas, cestos, bolsas e qualquer outro recipiente onde queiram armazenar suas compras. Além de reduzir imensamente a quantidade de resíduos plásticos, uma loja nesse formato também diminui o desperdício de comida. O conceito por trás da loja é: "Melhor do que reaproveitar algo já fabricado é nem precisar utilizá-lo".

    Mas, num mundo globalizado não utilizar embalagens é um desafio. Por exemplo, sem embalagem, não é possível comprar uma tâmara vinda do Oriente Médio. Conforme salienta Patricia, certamente poderíamos viver com muito menos embalagem, mas no atual modelo urbano é muito difícil, pois teríamos que rever a economia local e diminuir a distância entre gerador e consumidor.

    Ainda assim, ela considera que a cada dia mais empresas trabalham com embalagens simples, "porque tem uma atitude 'chique' no simples que se está resgatando". Outra tendência é a valorização de feiras orgânicas, a maioria delas com produtos sem nenhuma embalagem. Patrícia destaca também o papel crescente de feiras de troca, onde os produtos em geral não são embalados. Para ela, a utopia pouco a pouco se transforma em realidade.

    Andréa Franco Pereira, designer de produto e professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), aponta que a produção de embalagens no Brasil tem acompanhando as inovações tecnológicas mundiais, a tendência de globalização de tecnologia e as técnicas de produção/transformação, que utilizam principalmente materiais como papel e papelão, vidro, plásticos e metais. Autora do texto "Ecodesign e complexidade no ciclo de vida das embalagens", que integra o livro Design, resíduos & dignidade, coordenado por Maria Cecilia Loschiavo dos Santos, Andréa afirma que as embalagens visam fornecer um produto em condições adequadas ao consumidor final. No caso dos alimentos, as embalagens contribuem também para a diminuição das perdas; no entanto, os problemas de uso (contaminações, acidentes, facilidade de manipulação etc) e, sobretudo, a produção de resíduos, estão igualmente presentes.

    Muitas pesquisas têm sido feitas visando o desenvolvimento de novos materiais. Andréa destaca o papel dos biopolímeros produzidos a partir de biopoliésteres (por exemplo, o polietileno furanoato, PEF, em substituição do polietileno tereftalato, PET, feito de poliéster, derivado do petróleo) e dos biopolímeros biodegradáveis. Tintas e aglutinantes de base vegetal, como óleo de soja, são também importantes no setor de embalagens, pois além de substituírem óleos e compostos minerais, reduzindo a quantidade de VOC (composto orgânico volátil) liberada na impressão, causam menos danos à fibra de papel para a reciclagem.

    INDÚSTRIA & CATADORES Embalagens conectam dois extremos da sociedade contemporânea: a indústria que movimenta atualmente no mundo mais de US$ 500 bilhões e catadores de resíduos sólidos, uma das mais insalubres e indignas atividades econômicas humanas nos grandes centros urbanos, principalmente em países periféricos. Ambos podem ser vistos como termômetros da economia, pelo volume de negócios e pela desigualdade exposta.

    Um estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) mostrou que o valor bruto da produção física de embalagens no Brasil atingiu R$52,4 bilhões em 2013, ou seja um aumento de quase 11% em relação aos R$47,3 bilhões de 2012. As embalagens plásticas representaram mais de 37% do total da produção, seguidas pelo setor de embalagens de papelão, cartolina, papel cartão e papel (35%), metálicas (16%), vidro (quase 5%) e madeira (2,5%). Estima-se que grande parte desses materiais transforma-se em lixo.

    Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgado em 2010 aponta que, no Brasil, os recursos financeiros passíveis de serem poupados direta e indiretamente pela reciclagem seriam da ordem de R$8 bilhões. Estima-se que 90% de todo o material reciclado no Brasil seja recuperado do lixo pelas mãos de catadores, que constituem a base da cadeia produtiva da reciclagem. Em outro estudo do Ipea, divulgado em 2012, constata-se que no Brasil existem cerca de 400 mil catadores de resíduos que, somados aos membros das famílias, chegam a 1,4 milhão de brasileiros que sobrevivem dessa atividade. Eles têm baixa escolaridade e a maioria é formada por homens, negros e jovens. O estudo também revela que 58% dos catadores contribuem para a Previdência, metade usufrui de esgoto em casa, quase um quinto tem computador e somente 4,5% estão abaixo da linha da miséria.

    Embalagens são importantes, porém o aumento contínuo do volume gerado é um problema ambiental grave. Mas buscar materiais renováveis, com soluções de design que favoreçam a coleta e a triagem e valorizem a reciclagem não é utopia; pode inclusive contribuir para diminuir a desigualdade social que parece não ter fim.

     

    Leonor Assad
    Thais Siqueira