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    Ciência e Cultura

    versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.66 no.4 São Paulo out./dez. 2014

    http://dx.doi.org/10.21800/S0009-67252014000400007 

     

     

    ASTRONOMIA

    Descobrindo mundos: a reinvenção da sonda espacial Kepler

     

    O sistema solar não é a fronteira definitiva quanto à existência de vida no universo. Essa é a esperança da equipe de cientistas que compõe a fase K2 da missão Kepler da Nasa (Agência Espacial Americana). A K2, ou Second Light (Segunda Luz), iniciou operações no dia 30 de maio e é uma das sondas espaciais do ExEP (Programa de Exploração de Exoplanetas) junto com a WFIRST, e o LBTI (Large Binocular Telescope Interferometer) – este último com base na Terra –, que tem um programa de pesquisa voltado para responder uma das mais antigas, complexas e inspiradoras questões colocadas para a humanidade: "somos os únicos no cosmo?".

    A sonda Kepler foi lançada em 2009 com a promessa de encontrar exoplanetas. Para isso seguia o rastro de estrelas distantes – entre 500 e três mil anos luz do sistema solar. Um sensor de luz (fotômetro), capaz de monitorar mais de 150 mil astros simultaneamente – o Sol é uma dentre mais de 200 bilhões de estrelas na Via Láctea –, captava a luz das estrelas para avaliar instabilidades provocadas pelo trânsito de planetas em suas órbitas. Ano passado, depois de sofrer avarias mecânicas em duas das quatro rodas responsáveis por lhe dar estabilidade, a Kepler quase foi colocada de lado. Muita criatividade e jogo de cintura foram necessários para resgatar e dar novo rumo à missão, mantendo seus objetivos científicos originais.

    De acordo com o sumário de performance e investimento da Nasa, de 2013, a Kepler já tinha começado a descobrir planetas, alguns menores que Mercúrio. Encontrar planetas desse tipo na zona habitável é um grande feito. A zona habitável de uma estrela é a região do sistema planetário onde água líquida pode existir na superfície do planeta. A Terra está na zona habitável do Sol, por exemplo. Com a K2 serão observadas estrelas, aglomerados estelares, galáxias e supernovas, além das gêmeas solares (semelhantes ao Sol), aumentando as esperanças de encontrar vida no universo.

    A REINVENÇÃO DA KEPLER Quatro rodas com giroscópios acoplados, arranjadas duas a duas em dois lados da sonda Kepler, cumpriam o papel de dar estabilidade para que o telescópio ficasse apontado sempre na direção da constelação de Lira. O campo de visão da Kepler, mais ou menos do tamanho de uma mão fechada, era considerado grande. O telescópio espacial Hubble, por exemplo, podia ver uma região mais ou menos equivalente a um grão de areia.

    Por causa de problemas mecânicos em duas de suas rodas, o telescópio perdeu estabilidade. Resolver o problema à distância era impossível. Ir até a nave seria muito caro. Então, uma equipe de cientistas elaborou uma solução muito criativa, testada ano passado. A nave poderia ser estabilizada contrabalanceando a pressão exercida pelas duas rodas com a pressão do vento solar, um tipo de emissão contínua de partículas do Sol. A solução daria à nave um equilíbrio instável, já que a pressão do vento solar não pode ser controlada. A nave teria de variar seu campo de visão.

    As pequenas variações de posição da K2 – ela fica entre 80 e 90 dias com o telescópio apontado na mesma direção – representam uma perda de cobertura temporal da região do espaço observada, já que antes era possível ficar anos observando o mesmo campo. A qualidade dos dados captados, no entanto, continua a mesma. Um dos campos de busca é o aglomerado M67, cujas estrelas têm idade parecida com a do Sol (4.6 bilhões de anos).

    A Nasa aprovou mais dois anos de financiamento para a K2 – foram solicitados 32 milhões de dólares para cobrir custos em 2016 e 2017 – o que será importante para fazer ligação com a próxima grande missão desenvolvida no Harvard Smithsonian Center for Astrophysics (CfA), o Transiting Exoplanet Survey Satellite,TESS. Pronto em 2017, ele será o próximo caçador de exoplanetas da Nasa e o elo entre o Kepler e Plato, missão da ESA, Agência Espacial Europeia, que parte em 2024. Ao longo deste ano outros projetos serão reavaliados pela comissão de orçamento da Nasa, incluindo o Hubble, o Chandra e o Spitzer.

    DESCOBRINDO MUNDOS Um dos últimos planetas do sistema solar a ser descoberto, Urano, foi identificado quase casualmente. William Herschel e sua irmã Caroline observaram, com um telescópio montado no jardim de sua casa, em Bath, Inglaterra, em 1781, aquilo que pensaram ser uma estrela desconhecida, nas vizinhanças de H Geminorum. Algum tempo depois, Herschel pensou se tratar de um cometa em aproximação da Terra, para finalmente concluir, depois de observações cuidadosas, que o objeto era um planeta.

    Atualmente, são utilizadas técnicas para encontrar exoplanetas. Duas delas são a espectroscopia, que capta efeitos causados por um planeta na componente de velocidade radial da estrela que ele orbita; e a fotometria, que capta efeitos da passagem de um planeta na "curva de luz" da estrela que ele orbita.

    Essa última técnica é usada pelo satélite francês CoRoT e pela sonda Kepler, mas para detectar planetas pequenos e os muito distantes (na zona habitável) ela ainda apresenta limitações. O gigante do sistema solar, Júpiter, por exemplo, causaria alterações muito pequenas na curva de luz do Sol, e quase nenhuma alteração em sua velocidade radial, já que ele está distante do astro.

    PARTICIPAÇÃO BRASILEIRA O brasileiro José Dias do Nascimento, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e atualmente pesquisador do CfA, em Harvard, nos Estados Unidos, conhece bem a realidade em que a técnica impõe um limite para a identificação de exoplanetas: "Com as técnicas disponíveis, não identificaríamos os planetas do sistema solar, se estivéssemos fora dele". Já que era tão complicado procurar exoplanetas, por que não procurar por gêmeas solares? Essa reinvenção rendeu frutos positivos para o professor Nascimento e a pequena equipe brasileira de astrônomos da qual ele faz parte, responsável pela detecção de cinco gêmeas, num universo de 20 conhecidas.

    Quantas dessas estrelas podem existir no universo? Esta é, exatamente, uma das perguntas que Nascimento e sua equipe tentam responder, por meio de um recenseamento teórico com uma simulação computacional. O pesquisador, que tem apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), da UFRN e da Fundação Lemman, comemora a inclusão de dois projetos seus na fase K2, no campo de M67: "O primeiro trata da observação de estrelas gigantes. Minha proposta é analisar a abundância de lítio desses objetos e entender melhor o processo de mistura que acontece no interior das estrelas. O segundo, e mais importante em curto prazo, trata da observação e busca por estrelas gêmeas".

    No último dia 2 de junho foi anunciada a descoberta da Mega Terra – a partir da análise de dados da Kepler. Um planeta 17 vezes mais maciço que a Terra, localizado na constelação de Draco. "Isso foi feito pelo meu vizinho de sala aqui em Harvard, o grande centro de pesquisa em astronomia da atualidade", conta Nascimento.

     

    Victória Flório