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    Ciência e Cultura

    versión On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.66 no.4 São Paulo oct./dic. 2014

    http://dx.doi.org/10.21800/S0009-67252014000400017 

    MANOEL DE OLIVEIRA

    CINEASTA PORTUGUÊS COMPLETA 105 NA ATIVA

     

    Ele nasceu 13 anos após a invenção do cinematógrafo e rodou seu primeiro filme 36 anos depois da exibição de L'arrivée dun train à la ciotat, a primeira apresentação pública dos irmãos Lumiére. Hoje, com 105 anos, o cineasta português Manoel­ de Oliveira ainda se mantém na ativa e está filmando sua mais nova obra, O velho do restelo.

    O mais velho cineasta ainda ativo coleciona números realmente impressionantes. Com mais de 80 anos de carreira, ele já fez mais de 60 filmes entre longas, médias e curtas metragens, documentários e obras de ficção. Por sua obra foi premiado mais de 40 vezes, incluindo o Festival Internacional de Berlim (2009 e 1981), o Festival de Cannes (2008, 1999, 1997, 1990), o European Film Award (2007) e o Globo de Ouro (2009, 2002, 2001, 1999 e 1997).

    "Ao longo de uma carreira que já conta 83 anos de produção, Manoel de Oliveira alcançou segura maturidade como cineasta, quer no âmbito do cinema de ficção quer no do documentário, tendo feito já diversas experiências de montagem cinematográfica e de duração de planos e sequências, criando assim uma estética cinematográfica própria", aponta Renata Soares Junqueira, professora de literatura na Faculdade de Ciências e Letras da Unesp e organizadora do livro Manoel de Oliveira: uma presençaestudos de literatura e cinema (Editora Perspectiva).

     

     

    RELEITURA DE CAMÕES A nova obra do diretor português é um curta-metragem baseado no personagem criado por Luís de Camões no canto IV da sua obra Os lusíadas. Oliveira faz uma leitura pessoal do personagem pessimista e derrotista, que na obra de Camões previu catástrofes iminentes, para abordar temas atuais, como a atual crise econômica que afeta a Europa, especialmente Portugal.

    Adaptar obras literárias para o cinema é uma das marcas registradas do cineasta. "A grande maioria dos filmes de Manoel de Oliveira inspira-se em contos, romances, peças de teatro ou documentos de natureza historiográfica", aponta Junqueira. "Sem deixar de ser bastante fiel aos textos que adapta para exibição na grande tela, ele transforma esses mesmos textos em algo novo, produto que é, em última análise, surpreendentemente distinto do modelo que o originou", continua.

    Dante Alighieri, (A divina comédia), Camilo Castelo Branco (Amor de perdição) e Eça de Queiroz (Singularidades de uma rapariga loura) são alguns dos autores que já inspiraram a obra de Oliveira. E Machado de Assis também está nos projetos do cineasta – e talvez em um dos mais ambiciosos. Oliveira planeja produzir A igreja do diabo, que terá como base três contos do escritor brasileiro (Missa do galo, Ideias de canário e A igreja do diabo, que intitula a obra). O filme começou a ser rodado em 2011, porém Oliveira decidiu interromper o projeto para realizar outra obra, O gebo e a sombra, lançada em 2012. Há especulações de que o cineasta planeje retomar o projeto assim que terminar O velho do restelo e que o filme seja lançado em 2015 ou ainda este ano, com Lima Duarte e Fernanda Montenegro no elenco. Mas o próprio diretor é cauteloso ao falar sobre isso.

    Oliveira também tem criações bem próprias, como o aclamado filme O estranho caso de Angélica. E todas as suas obras tem a sua "assinatura", ou seja, seu modo único não apenas de fazer mas, também, de viver o cinema. "Oliveira apresenta a disseminação de um olhar generoso e inteligente, mas sempre renovado. Recria sentimentos de pertencimento e critica comportamentos distorcidos, como a mentira, a ganância e a soberba. Sua antropologia visual não se detém nas formas de captação, mas na significação. São contemporâneos também os seus recortes de realidade que são percebidos como olhares possíveis", afirma Atílio Avancini, professor do Departamento de Jornalismo e Editoração (CJE) e do Programa de Pós-Graduação em Meios e Processos Audiovisuais (PPGMPA) da Escola de Ciências da Comunicação-Jornalismo (ECA) da USP.

    ALTA PRODUTIVIDADE Manoel de Oliveira começou a fazer cinema com 21 anos de idade, quando ganhou de seu pai uma filmadora. Inspirado pelo filme Berlim, sinfonia de uma cidade (Walter Ruttmann, 1927), decidiu filmar a vida cotidiana do lugar em que vivia, no Porto. Assim produziu seu primeiro filme, Douro, faina fluvial (1931), e o inscreveu no V Congresso Internacional da Crítica em Lisboa. O filme suscita o desagrado da crítica portuguesa e a admiração de outros países. Isso porque Oliveira mostrava a dura realidade dos moradores e trabalhadores empobrecidos da região. "A proposta estética do cineasta português faz absorver gestos criativos de outras áreas artísticas como o teatro de Bertold Brecht (1898-1956). O mote do novo cinema português, surgido em 1960, preconiza ações realistas a partir de uma narrativa não ilusionista. Seus pressupostos estéticos são politizados ao propor uma relação histórica, geográfica, ecológica e filosófica com suas imagens", explica Avancini.

     

     

    Nos primeiros 30 anos de sua carreira, Manoel de Oliveira dedicou-se a fazer documentários – foram nove até 1963, e apenas uma ficção no período: Aniki-Bóbó (1942). Em toda sua longa carreira, o cineasta filmou dezoito documentários – e às vezes uma fusão de documentário com ficção – e 33 filmes de ficção. Durante todo esse tempo, a produtividade do cineasta manteve-se alta: Oliveira entrou no século XX, atravessou a ditadura salazarista em Portugal e adentrou o século XXI realizando cerca de um filme por ano.

    Uma das características marcantes nas obras do cineasta português é seu método disjuntivo de composição, que provoca um distanciamento dos espectadores ao invés de uma aproximação – tal como o teorizou e praticou Brecht "Seu método disjuntivo de composição provoca sistematicamente choques nos seus espectadores de modo a dificultar a identificação com o que na tela se apresenta. Seja mediante operações de decupagem que promovem rupturas na linearidade lógica da diegese ou que frustram as expectativas de senso comum dos espectadores, seja pelo enquadramento insólito ou pelo culto destemido dos longos planos fixos, seja ainda pela direção do trabalho dos atores, que são orientados a interpretar artificialmente os seus papéis, abandonando a mimesis naturalista, ou seja, também pela sugestão de diálogos tácitos que os seus filmes parecem estabelecer entre si, configurando assim uma rede bem urdida de remissões internas que o espectador desprevenido nem sempre consegue acompanhar", explica Junqueira.

    LONGEVIDADE Qual o segredo da longevidade de Manoel de Oliveira? O cineasta já declarou, em entrevista a jornais e revistas, que deve sua longevidade à sua alimentação, que afirma ser à base de sopa de legumes e grelhados – o que muitos entrevistadores já contradisseram ao testemunhar Oliveira se fartando em refeições variadas. Além disso, ele também afirma que é importante manter-se ativo e estimular o intelecto, o que segue ao pé da letra.

    "O próprio cineasta já disse, em diversos depoimentos, que fazer cinema é o que o alimenta e lhe vai prolongando a vida", conta Junqueira. Ao que complementa Avancini: "Oliveira afirma, no alto de sua maturidade: 'Os artistas querem recriar o mundo como se fossem pequenos deuses e fazem um constante repensar sobre a história e a vida. Mas, por que acreditamos? Porque acreditamos na memória'. Talvez o segredo de sua longevidade seja evidenciar que a única coisa verdadeira é a memória. Mas que ela é também uma invenção: 'o cinema traz fantasmas do passado".

    Talvez, mais sobre o segredo de sua longevidade seja revelado no documentário autobiográfico de confissões e memórias que Manoel de Oliveira filmou em 1982. Mas, como o filme só será exibido depois da sua morte, ainda vamos esperar muito para vê-lo.

     

    Chris Bueno