SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.66 número4 índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

    Links relacionados

    • Em processo de indexaçãoCitado por Google
    • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

    Compartilhar


    Ciência e Cultura

    versão On-line ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.66 no.4 São Paulo out./dez. 2014

    http://dx.doi.org/10.21800/S0009-67252014000400020 

    CIÊNCIA NO TEATRO

    TEMA CIENTÍFICO SERVE DE CONTEXTO PARA PEÇAS E ATRAI PÚBLICO LEIGO

     

    Divulgar ciências por meio de diferentes linguagens e despertar a curiosidade do público para temas muitas vezes complexos é um desafio bastante atual. Cinema e literatura há muito trabalham bem com a ficção científica mas a experiência no ambiente do teatro é uma novidade bastante recente no Brasil. Nesse espaço cênico a relação entre ciência e arte é explorada de maneira que as duas culturas possam conferir uma à outra conteúdos, metodologias e linguagens na construção de um processo pedagógico inovador. Projetos que utilizam a linguagem teatral em ensino-aprendizagem cativam estudantes não apenas no campo da educação, mas ampliando seu senso crítico e o exercício da cidadania. Com o objetivo de aprofundar essa questão, foi realizado neste segundo semestre, em São Carlos, no interior paulista, o Workshop Divulgação Científica e Arte da UFSCar. Da parte teatral, merece destaque o projeto do Núcleo Arte e Ciência no Palco, que durante todo o ano está se apresentando na capital paulista com amplo repertório de montagens cujos motes são feitos e biografias de cientistas.

    Em diversos museus do país muitas ações para a divulgação científica têm se concretizado, a começar pelo teatro científico realizado na Universidade Federal do Ceará cuja reflexão sobre a educação em ciências, e a demanda da sociedade por um museu interativo e dinâmico, foi capaz de integrar ciência, arte e cultura a partir do ano 2000 com a criação da Seara da Ciência – órgão de extensão da universidade que tem como principal objetivo a divulgação científica. O trabalho desse museu desperta o interesse dos estudantes da escola pública através de peças que tratam a ciência de maneira lúdica e com uma linguagem acessível. "Essa ação tem trazido bons resultados, fazendo com que os estudantes se interessem e gostem mais de ciências", elogiou o professor Marcus Raimundo Vale, da Universidade Federal do Ceará e um dos palestrantes convidados para o workshop.

     

     

    O ator e diretor de teatro, Oswaldo Mendes, ressalta que o teatro é um gênero literário específico, equivalente à poesia, ao conto ou ao romance. Ele explica que, no caso do Núcleo Arte e Ciência no Palco, seus integrantes são profissionais, e seu compromisso é com o teatro, diferente do ideal de um professor que utiliza a linguagem e os instrumentos teatrais para atender projetos de ciência ou pedagogia. Além disso, o diretor lembra que a modalidade não se limita a contar histórias como ainda se confunde. "O teatro parte de uma história e de seus personagens para refletir sobre a condição humana, e vale para qualquer tema, incluindo aqueles relacionados às ciências naturais. Portanto, contar história não é necessariamente fazer teatro. Para acontecer o fenômeno teatral é preciso um pouco mais", assinala.

    Já no campo da comunicação científica, o teatro é visto como manifestação artística que atrai o interesse do público para determinados conteúdos, estimulando a vontade de aprender. Na abertura do workshop, o professor e vice-reitor da UFSCar, Adilson Jesus Aparecido de Oliveira, disse que muitas pesquisas indicam que o brasileiro é interessado por ciências e o que falta é investir mais em iniciativas dessa natureza. "As pessoas ficam curiosas com as novidades científicas, principalmente as relacionadas à área da saúde. A própria mídia também acaba trabalhando mais com esse tipo de informação".

    Marcus Vale também ressalta a importância desse tipo de iniciativa, no sentido de impulsionar a forma de disseminação da ciência que começou a acontecer no Brasil recentemente, com a exigência dos órgãos de fomento para que os pesquisadores passem a incluir a popularização da ciência em seus currículos. "Os pesquisadores que vivem no laboratório e não sabem divulgar ciência, procuram centros de ciências. E nós (divulgadores) estamos mais preparados para chegar ao público e verificar os tipos de ações de divulgação. O teatro é apenas uma delas. Quando apresentamos as peças, verificamos grande interesse de crianças e adolescentes, mas o grande público ainda não tem acesso porque não temos visibilidade na imprensa ao ponto de apresentar uma peça fora do âmbito escolar".

    De acordo com a pesquisadora Dulce Ferreira, da Fábrica Centro de Ciência Viva (UA) de Portugal e também palestrante convidada, as pessoas não se interessam por aquilo que não conhecem. "Mas se nós conseguirmos falar, elas vão gostar de ouvir. Quando as pessoas apreciam e dizem que não sabiam de determinado assunto, mas aprenderam, é sinal de que houve interesse e elas captaram as mensagens".

    Para a pesquisadora, o esforço de combinar duas áreas importantes possui aspectos que podem ser desafiantes. "Um desafio é a linguagem que devemos utilizar e o outro é o equilíbrio entre o que queremos transmitir e aquilo que vamos realmente passar em termos de conteúdo científico". Dulce explica que um equilíbrio adequado é o que faz uma peça interessante, ou seja, através da utilização de uma linguagem que, mesmo técnica, também seja desmistificada e próxima de seu público. De acordo com os palestrantes, a linguagem ainda é o principal desafio do diálogo entre arte e ciência tendo o palco como lugar comum.

    Adilson de Oliveira lembra que a linguagem científica utilizada pelo cientista para se comunicar com seus pares, por exemplo, é hermética, compreendida apenas pelo grupo envolvido. "O conhecimento científico, na minha opinião, é uma coisa que faz parte da cultura humana e, por isso, deve atingir todas as pessoas, o que, infelizmente, não acontece. Então, quando se populariza a ciência utilizando mídias, recursos audiovisuais, em especial o teatro, se consegue estimular e fazer as pessoas pensarem e colocarem a ciência no seu dia a dia".

    DRAMATURGIA Segundo Oswaldo Mendes, no entanto, é preciso discernir o trabalho do divulgador e de um profissional do teatro: "fazer o papel de um cientista não torna nenhum ator um verdadeiro cientista, embora se estude bastante para a interpretação". O mesmo vale para o uso do teatro para ensinar ou divulgar ciência. Alguns têm qualificação como ator, autor ou diretor de teatro, mas a maioria não. A crença de que fazer teatro é fácil faz com que as pessoas acreditem que ele é feito por qualquer profissional", justificou. O desafio permanente apontado pelo diretor para o trabalho do teatro profissional em geral é a dramaturgia (escrita teatral). Em contrapartida, ele afirma, há ausência de mais textos e peças que tenham a ciência como tema.

    Em São Paulo, o Núcleo Arte Ciência no Palco da Cooperativa Paulista de Teatro, nascido em 1998, está com um projeto de ocupação no Teatro de Arena Eugênio Kusnet, com apresentações dos espetáculos que fazem parte do seu repertório e outras atividades, no período de julho de 2014 a fevereiro de 2015.

    Em agosto foram apresentados os espetáculos Einstein, para o público adulto; No mundo de Arthur, para o público infantil; além de pequena mostra de teatro científico com os grupos convidados: Ciência em Cena, do Museu da Vida (Fiocruz-RJ) com o espetáculo Pergunte a Wallace; grupo Caleidoscópio (São Paulo), com o espetáculo O fantástico laboratório do professor Percival; e grupo Olhares do Núcleo Ouroboros (UFSCar), com o espetáculo Petit Curie.

    Já o workshop da UFSCar faz parte do VIII Ciência em Cena: encontro de teatro de divulgação científica, que aconteceu nas cidades de São Carlos e Araraquara em agosto. Criado pelo Núcleo Ouroboros de Divulgação Científica, desde 2007 o evento reúne profissionais e iniciantes nas artes da divulgação científica através do teatro. Até este ano, 65 espetáculos já foram apresentados nas cidades de São Carlos (SP), Mossoró (RN), Fortaleza (CE), Caxias (MA) e Pacoti (CE), reunindo 33 grupos teatrais, entre grupos brasileiros e de Portugal, numa troca de experiência e cultura entre eles e também com a comunidade local.

     

    Tatiane Liberato