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    Ciência e Cultura

    On-line version ISSN 2317-6660

    Cienc. Cult. vol.67 no.1 São Paulo Jan./Mar. 2015

    http://dx.doi.org/10.21800/2317-66602015000100002 

    TENDÊNCIAS

     

    Reflexões sobre sustentabilidade urbana

     

     

    Suzana Kahn

     

     

    A urbanização crescente é mais que uma tendência global, é uma certeza que transforma sociedades e aumenta o con-sumo de energia no mundo. Em 1900, quando a população global era de 1,6 bilhão, somente 13% da população vivia em áreas urbanas (cerca de 200 milhões). Hoje, mais da metade da população mundial (3,6 bilhões) vive em cidades. Em 2050, espera-se que a população urbana cresça para 5,6 a 7,1 bilhão, ou seja, entre 64% e 69% da população mundial. As áreas urbanas deverão triplicar até 2030, Segundo o Relatório de Mitigação do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (1).

    É importante notar que esse aumento se dará em quase sua totalidade nos países em desenvolvimento. Dependendo de como a política para o planejamento urbano for implementada, este aspecto poderá tanto ser positivo, com modelos de urbanização modernos e sustentáveis, quanto negativo, com a continuidade do crescimento caótico das cidades dos países mais pobres.

    As cidades, atualmente, já consomem mais da metade da energia primária mundial com a consequente emissão de gases de efeito estufa, o que contribui para o agravamento do aquecimento global. Assim, as cidades não apenas contribuem significativamente para as mudanças climáticas, mas são por elas muito afetadas. Os efeitos adversos do clima, como inundações, deslizamentos, au mento de temperatura e chuvas intensas, são mais percebidos pela população urbana.

    Por tudo isso, as cidades passaram a ocupar um papel central nas políticas e preocupações associadas ao desenvolvimento sustentável, foco dos recentes compromissos e metas das Nações Unidas para século XXI.

    Recentemente, tanto o documento resultante da Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, Rio+20 - "O Futuro que Queremos" (2) - como as propostas para os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), incluem tópicos específicos em relação às cidades. No caso do "O Futuro que Queremos", o parágrafo 134 do documento explicita a importância das cidades para um futuro sustentável e reconhece que a mobilidade é um tema central para o desenvolvimento sustentável. O transporte sustentável auxilia no crescimento econômico e na acessibilidade sendo, portanto, um meio de se atingir a equidade social, melhorar a saúde e resiliência das cidades. Neste contexto, um dos temas centrais para a busca da sustentabilidade das cidades é a melhoria da mobilidade, que desempenha um papel crucial da qualidade de vida urbana. A busca por um sistema de transporte adequado a uma nova realidade, inclui novas tecnologias, tanto de veículos como de combustíveis e de infraestrutura, mas também novas práticas e padrões de consumo.

    Evidentemente, não se encontrará uma única e satisfatória solução para a melhoria da mobilidade urbana, mas sim um conjunto de soluções, dependendo do tamanho da cidade em questão, de suas características socioeconômicas e geográficas, além dos aspectos culturais de seus habitantes.

    O que facilita essa busca por um mode-lo sustentável de mobilidade é o fato de que a maior parte da expansão urbana esperada ainda nem ocorreu, conforme comentado anteriormente neste artigo, o que faz com que se tenha algum tempo restante para incorporar novas práticas. Sabe-se que a chance de crescer da mesma forma que as cidades mais antigas e desenvolvidas não existe mais. A transição para uma economia de baixo carbono é inevitável. O mundo, indubitavelmente, caminha para um período com maiores restrições ambientais. Assim, o planejamento de um sistema de transporte urbano sustentável não poderá ficar defasado do modelo de desenvolvimento do futuro.

    O setor de transporte no mundo foi responsável, em 2010, por aproximadamente 23% das emissões do principal gás de efeito estufa, o dióxido de carbono (CO2), relacionadas à energia (1). Caso nada seja feito, é esperado que o setor de transportes tenha a maior taxa de crescimento das emissões de CO2 comparado com os demais setores que usam energia. Em termos das alternativas de diminuição de emissão de gases de efeito estufa no setor de transportes é possível: a) pro-mover a redução de viagens motorizadas como, por exemplo, aumento da densidade urbana, uso de tecnologia de informação e comunicação, consumo local, reduzindo o deslocamento das mercadorias; b) mudança de modal de trans-porte, priorizando os menos intensivos em energia de origem fóssil tais como o incentivo ao emprego de bicicleta e transporte público seja através de oferta de infraestrutura como modernização da existente; c) diminuição da intensidade de energia de maneira a induzir a melhoria de desempenho dos veículos por meio de uso de materiais mais leves, tecnologias de motores mais modernas etc; d) o aumento do uso de energia renovável, como biocombustíveis nos veículos traria benefícios ambientais, tanto locais, no que diz respeito à qualidade do ar, quanto globais, como no caso da intensificação do efeito estufa.

    De qualquer forma, o sucesso dessas medidas implica em uma mudança de comportamento da sociedade. Poucos consumidores se preocupam com a análise do ciclo de vida do que consomem, o que leva a um desbalanceamento entre o custo individual e o benefício coletivo. Isso significa que para que haja uma difusão de tecnologias mais eficientes e limpas é necessário que se tenha uma política pública mandatória, como a exigência de padrões mínimos de eficiência e taxação, entre outros instrumentos econômicos. Outro exemplo de relevância do padrão de comportamento é a forma de dirigir. Uma redução de até 10% do consumo de combustível em veículos leves pode ser obtida através de medidas de "eco-driving" (3).

    Cabe ao poder público a definição de políticas que privilegiem o transporte sustentável tais como medidas restritivas como pedágio urbano, sucateamento de frotas antigas, nível mínimo de eficiência dos veículos, proibição de estacionamentos em determinadas áreas, entre outras. Medidas de incentivo também são bem-vindas, tais como: prioridade de circulação para veículos com ocupação completa, redução de impostos para veículos ou combustíveis mais eficientes, tarifas reduzidas para trans-porte público, sistema de informação para o usuário de transporte coletivo.

    Porém, é importante lembrar que tais medidas devem estar acompanhadas de controle, fiscalização e gestão eficiente. Uma forma de monitorar a eficácia das políticas públicas é através do uso de indicadores de transporte sustentável, um poderoso instrumento de transparência e gestão.

    A característica dos indicadores é extremamente dependente de contextos específicos, podendo ser usados de acordo com diferentes prioridades e preocupações. Diversos estudos comparam o uso de indicadores de transporte sustentável (4;5). Alguns indicadores refletem múltiplas categorias de impactos, por exemplo, acidentes de trânsito impõem custos econômicos de danos e redução da produtividade, e os custos sociais de dor e redução da qualidade de vida urbana. O consumo de combustível pode ser um indicador útil porque reflete o consumo de energia e emissões de poluentes. Assim, para uma avaliação sobre consumo de energia, cidades e transporte sustentável, o que deve ser utilizado é um conjunto de indicadores e não apenas um determinado.

     

    Suzana Kahn é professora da Coppe da UFRJ, coordenadora executiva do Fundo Verde de Desenvolvimento e Energia da Cidade Universitária UFRJ e presidente do comitê científico do Painel Brasileiro de Mudanças climáticas (PBMC) e vice presidente do IPCC.

     

    Referências

    1. Relatório de Mudanças Climáticas e Mitigação do IPCC, 2014.

    2. "O Futuro que Queremos". "The Future We Want: outcome document adopted at Rio+20", United Nations Conference on Sustainable Development. UNCSD, 2012.

    3. IEA - Relatório da International Energy Agency (Energy Outlook), 2012.

    4. Santos, A. S.; Ribeiro, S. K. The use of sustainability indicators in urban passenger transport during the decision-making process: the case of Rio de Janeiro, Brazil. Elsevier, 2013.

    5. Joumard, R.; Gudmundsson, H. (edits.). Indicators of environmental sustainability in transport: an interdisciplinary approach to methods. INRETS report, Recherches R282. Les Collections de l'INRETS; 2010.